USP: Professora de Filosofia analisa como alunos universitários encaram o racismo

Discriminação está ligada à ausência de ocupação de espaço em cargos de destaques

qua, 17/03/2004 - 12h17 | Do Portal do Governo

Do Portal da USP
Por Fábio de Castro

Um estudo realizado em abril de 2003 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP pela socióloga Paula Cristina da Silva Barreto traçou um panorama de como as manifestações de racismo são percebidas pelos alunos na Universidade. As principais conclusões foram de que os estudantes têm ampla consciência da existência do racismo em suas formas individuais, mas não têm grande percepção da discriminação institucional.

Paula Cristina, que é professora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, aplicou uma metodologia qualitativa e fez 55 entrevistas com roteiro pré-definido que permitiram a análise da argumentação e das percepções dos estudantes de graduação de várias faculdades de todas as áreas -principalmente da FFLCH, FEA, Poli, ECA e FMUSP.

‘A questão da desigualdade racial no universo do ensino superior já foi bastante analisada do ponto de vista quantitativo, inclusive na USP. A importância de fazer estudos qualitativos é que eles permitem uma melhor interpretação dos dados já disponíveis sobre o tema’, diz Paula.

As entrevistas, que foram feitas com estudantes negros, brancos e de origem asiática, incluem, além das questões sobre a desigualdade racial, a história de como cada entrevistado chegou à universidade.

De maneira geral, segundo a socióloga, os estudantes demonstram uma percepção aguçada da existência do racismo. ‘Ninguém nega que existe. Muitos deles mencionam casos de preconceito racial relacionados à família, a namoros e casamentos – envolvendo pessoas próximas ou os próprios universitários’.

A pesquisa apurou que a posição dos estudantes é de indignação em relação ao racismo e de concordância com as relações inter-raciais. ‘ A percepção dos alunos sobre o tema ‘racismo’ é predominantemente relacionada a aspectos de relações interpessoais’.

Os entrevistados também identificaram com freqüência a discriminação racial ligada à trajetória escolar. ‘Menções a insultos, piadas e à ridicularização nas escolas ou no cursinho, em função da cor, aparecerem principalmente nos relatos dos estudantes negros’. O tratamento discriminatório dos negros pela polícia também foi lembrado.

O que não foi lembrado, segundo a pesquisadora, foi a questão do racismo relacionada à desigualdade. ‘Ninguém mencionou a ausência de negros na mídia, na própria universidade, em cargos importantes de empresas e do governo; ou seja, a discriminação institucional, do mercado de trabalho e do sistema de ensino’.

Individualismo

Para a cientista, a falta de preocupação com o racismo institucional tem raízes no forte traço de individualismo que caracteriza a juventude atualmente. ‘A argumentação deles é muito afetada por pressupostos individualistas. Por exemplo, muitos falam que a solução para incluir o negro na Universidade seria investir na escola pública. Isso pressupõe que o indivíduo deve crescer e vencer sozinho. Eles excluem as soluções coletivas, ligadas à mobilização e à ação afirmativa’.

Segundo Paula, a maioria dos estudantes não considera a desigualdade como manifestação do racismo – a tendência é perceber a desigualdade apenas em sua dimensão econômica. ‘O argumento mais freqüente é que o problema do negro é a pobreza – que ele poderia entrar na universidade se tivesse dinheiro. Não é uma percepção incorreta, mas incompleta – de certa forma, eles tomam as conseqüências por causas. Sabemos, por exemplo, que quanto mais o homem negro tem escolaridade, maior sua defasagem salarial em relação ao branco’, afirma.

Favorável ao sistema de cotas, a pesquisadora acredita que as políticas de ação afirmativa podem corrigir as distorções do modelo em vigor que, segundo ela, beneficiam a classe média, composta, em sua maioria, de pessoas brancas. ‘Muitos bons estudantes negros não conseguem entrar por culpa dessas desigualdades’.

Mais informações podem ser obtidas no site www.usp.br/agen/
V.C.