USP: Pesquisadores desenvolvem vacina contra febre reumática

Projeto é financiado pela Fapesp e iniciativa privada

ter, 17/06/2003 - 12h21 | Do Portal do Governo

Poucos imaginam que uma simples dor de garganta mal tratada possa resultar em problemas nas articulações, pele, músculos e sistema nervoso central. Esses são os sintomas iniciais de um mal conhecido como febre reumática, que em sua forma mais grave pode causar sérias complicações nas válvulas do músculo do coração, e responde atualmente no Brasil por cerca de 90% das cirurgias cardíacas realizadas em crianças e 30% em geral.

É com o objetivo de combater essa doença, que atinge articularmente pessoas pobres entre 5 e 18 anos, que uma equipe de pesquisadores do Instituto do Coração (Incor) e do Laboratório de Imunologia da Faculdade de Medicina (FM) da USP está desenvolvendo, há dois anos, uma vacina que pretende imunizar as pessoas contra a bactéria que inicia o processo, a Streptococus pyogenes, também conhecida como estreptococo do Grupo A.

O projeto, coordenado pela pesquisadora Luiza Guilherme Guglielmi, conta com investimentos da ordem de US$ 3 milhões, e é financiando em partes iguais pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Laboratório Teuto-Brasileiro, uma indústria farmacêutica com sede em Goiás. “Embora o projeto da vacina tenha se iniciado há pouco tempo, trabalhamos com isso há quase 12 anos”, conta ela. A intenção é ter a vacina pronta já em 2005.

Uma doença cara

A febre reumática é uma doença particularmente presente em países pobres, como Irã, África do Sul e Índia, onde o sistema de saúde pública atende deficitariamente a população. No Brasil, segundo dados do Sistema Único de Saúde (SUS), são gastos por ano cerca de R$ 58 milhões com o tratamento que inclui, entre outras coisas, cerca de 10 mil cirurgias.

Essa quantia poderia ser reduzida em até R$ 18 milhões, caso a prevenção e o tratamento fossem mais eficazes. A profilaxia mais adequada para se combater a febre reumática é tratar corretamente a infecção através do uso de antibióticos por um período de no mínimo dez dias, mesmo que os sintomas aparentes sumam antes. Outra alternativa é a aplicação de uma única dose da penincila benzatina (benzectacil). Apesar de dolorida, é a forma mais rápida de se acabar com a bactéria.

Mimetismo biológico

O estreptococo não causa diretamente a doença. Segundo Luiza Guglielmi, a febre reumática é um mal do tipo auto-imune, ou seja, é resultado de um engano do sistema de defesa do organismo, que reconhece em alguns tecidos do corpo proteínas muito semelhantes às encontradas na parede celular da bactéria. Os anticorpos passam então a atacar não somente os microorganismos invasores, como também o próprio doente. Tal fenômeno é conhecido como reconhecimento cruzado ou mimetismo biológico.

Os sintomas iniciais são febre, dor e inflamação com calor nas articulações de punhos, cotovelos e joelhos. Também podem surgir movimentos involuntários e modificações da conduta, da fala e da escrita da pessoa. Nos estágios mais avançados, a doença pode chegar ao músculo cardíaco, causando danos irreversíveis nas válvulas mitral e aórtica, e exigindo intervenções cirúrgicas complexas.

A pesquisadora diz que, “com base nesses conhecimentos, reconhecemos uma grande proteína, chamada M, na parede celular do estreptococo, que também é encontrada no tecido do coração”. Só que há partes dessa proteína que causam a reação cruzada e outras regiões que aparentemente protegem a bactéria. A partir dos estudos obtidos sobre essas duas áreas da proteína serão testados três tipos diferentes de vacinas.

“Uma possibilidade de vacina seria baseada em peptídios (fragmentos de proteínas) originados da parte ‘boa’ da proteína, outra através de uma proteína recombinante, e a última, menos provável, feita de DNA”, explica ela. O trabalho está em sua fase experimental, imunizando camundongos, e segundo Guglielmi, “ainda é preciso observar se o experimento produz efeitos colaterais”.

Francisco Angelo
Da Agência USP de Notícias