USP: Pesquisadora analisa as dualidades presentes nas obras de artistas plásticos latino-americanos

Estudo acompanhou trajetórias dos artistas entre 1960 e 2000,

qui, 06/05/2004 - 19h09 | Do Portal do Governo

O Bem e o Mal, a Morte e a Vida, Deus e o Diabo, o Céu e o Inferno, o Eu e o Outro. Como essas dualidades se mostram na arte da América Latina? A partir da análise comparada da produção artística de Francisco Brennand e Gilvan Samico (Brasil), de Oswaldo Viteri (Equador) e de Gustavo Nakle (Uruguai) a pesquisadora Mariza Bertoli identificou como o tema dos contrários se mostra nas obras desses artistas.

‘Mesmo valendo-se de formas de expressão diferentes (escultura, xilogravura, colagem e pintura sobre madeira), a obra desses artistas têm em comum a aproximação dos contrários até o ponto máximo da sedução da imagem’, conta Mariza, que apresentou sua tese de doutorado ao Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (PROLAM) da USP. ‘O modo simbólico como se apresentam essas obras, a sedução dos contrários, nos revela uma face da identidade latino-americana.’

Uma das conclusões do estudo, segundo Mariza, é que os quatro artistas criam as suas ‘armadilhas de ver’, através da aproximação dos contrários. ‘Num primeiro momento, todas as obras parecem simples mas, sem a advertência de sua profundidade, capturam o olhar do receptor e conseguem romper com a opacidade do real criada pelo cansaço do cotidiano’, conta a pesquisadora.

‘É como, por exemplo, na obra de Sebastião Salgado: você sabe da luta dos sem-terra, você vê os meninos de rua, mas essas imagens na fotografia comovem profundamente. É o sentimento estético como ato de solidariedade.’

As obras

A pesquisadora fez a análise a partir das trajetórias dos artistas, entre 1960 e 2000, e escolheu obras de referência de cada um deles. De Francisco Brennand, ‘A Praça Mística e o Templo’, conjunto escultórico e arquitetônico em espaço aberto, em cerâmica glasurada em alta temperatura, situada em sua Propriedade dos Santos Cosme e Damião, no Recife. O conjunto apresenta um templo sobre um lago onde estão as obras ‘O Grande Olho e o Ovo Primordial’. ‘Simboliza o momento inaugural da recriação do mundo, sob o olhar de guardiões que são pássaros-serpente. Essa aproximação de contrários refere-se à união entre Céu e Terra, entre outras sugestões simbólicas’, conta.

De Gustavo Nakle, a obra escolhida foi ‘Nuestro Viejo y Querido Dios’, uma escultura em fibra de vidro policromada, integrante do grupo ‘Juízo Final’, da instalação formada por 113 esculturas, exposta na XIX Bienal de São Paulo (1987), sob o título ‘Passagem: Juízo Final, Reencontro e Paraíso dos Farofeiros’. A escultura é concebida em tríade: Deus (ao centro), um Cordeiro (à direita) e um Demônio (à esquerda). Segundo Mariza, Deus é um juiz monstruoso, pleno de olhos e narizes, paramentado e coroado com uma tiara papal e que ergue a mão no gesto de uma benção. ‘É uma representação da vigilância, da censura da segregação, pois até a mão que benze tem olhos’, conta. ‘É uma alusão à idéia de pecado, do Bem e do Mal polarizados, colocados à Esquerda e à Direita, inclusive no sentido histórico-político’, diz a pesquisadora.

De Gilvan Samico, Mariza analisou ‘O Retorno’ (1995), xilogravura em quatro cores sobre papel de arroz. Ela conta que a obra apresenta um crucifixo onde há, sobre uma flor-de-ouro, um Cristo-pássaro com o coração e as chagas em forma de amêndoas luminosas. De um lado, há um peixe e do outro, uma serpente, representando a Água e a Terra. ‘A obra simboliza a superação da contradição entre Vida e Morte – a idéia de ressurreição, ou do eterno retorno.’

A obra de Oswaldo Viteri escolhida foi ‘Olho de Luz’ (1987), colagem e pintura sobre madeira, feita com bonecas de trapo – brinquedos de criança vendidos nas feiras, comuns na cultura andina. Mariza explica que o artista usa o artifício da sombra feita em veladura para revelar, no centro, um ‘Olho de Luz’. ‘A luz é a arma do artista contra a intolerância. Viteri quer mostrar que sob a homogeneidade do típico, pode-se surpreender com a riqueza da diferença. Esse foco é um novo olhar sobre o Outro, sobre o diferente’, afirma. ‘O ‘Olho de Luz’ é um convite para nos colocarmos na obra que está diante de nossos olhos.’

Mais informações: e-mail m.bertoli@uol.com.br com a professora Mariza Bertoli

Da Agência USP de Notícias/ Valéria Dias/L.S.