USP: Marcadores biológicos ajudarão a compreender causas da esquizofrenia

Desenvolvidos a partir da identificação de alterações no DNA, no RNA e proteínas do paciente, permitirão o diagnóstico preciso da doença

qui, 21/10/2004 - 15h54 | Do Portal do Governo

No Laboratório de Neurociências do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP pesquisadores realizam, há dois anos, estudos para identificar alterações no DNA, no RNA e nas proteínas de pessoas com esquizofrenia. O objetivo é desenvolver marcadores biológicos que ajudem a compreender as causas da doença e diagnosticá-la com mais precisão.

‘Até hoje, o diagnóstico é feito a partir de conversas com o paciente e com seus familiares. E como a esquizofrenia é uma doença muito complexa, não dá para ter muita precisão sem o desenvolvimento de padrões numéricos’, comenta Emmanuel Dias Neto, vice-diretor do Laboratório, e um dos responsáveis pela pesquisa.

Um dos aspectos que estão sendo estudados é a presença de nucleotídeos polimórficos – quando uma determinada seqüência de DNA apresenta discrepâncias em relação ao que seria esperado encontrar. ‘Pesquisamos em bancos de dados mundiais e, ao contrário de outros trabalhos, que olham para um ou dois genes, estamos trabalhando com 50, dada a complexidade da doença’, conta Dias.

Os genes foram escolhidos com base em trabalhos anteriores que mostravam a existência de regiões do genoma humano ligadas à doença – mas que não conheciam os genes que lá estavam. ‘Era como se alguém dissesse: no capítulo 3 daquele livro tem uma informação importante, mas não sabemos qual’, compara o professor. Outros trabalhos, no entanto, diziam que a esquizofrenia tinha origem em problemas sutis de neurodesenvolvimento. ‘Cruzamos as duas informações e selecionamos os genes polimórficos que são ligados à neurogênese e mapeados nas regiões suspeitas do genoma’.

Numa outra parte do trabalho, pesquisadores estão extraindo RNA de cérebros humanos. ‘Recebemos amostras do banco de cérebros do Instituto Central de Saúde Mental de Mannheim, da Universidade de Heidelberg, na Alemanha’, conta Dias. ‘Então temos amostras pareadas, de doentes e não-doentes, divididos por sexo, idade e etnia. Esses cérebros foram dissecados e trabalhamos exatamente com a mesma área de cada um deles’. Dessas amostras são extraídas tags (um pedaço do RNA), a partir das quais se identifica a seqüência dos genes. ‘Aí comparamos o número de cópias de cada gene presente nas células de pessoas doentes e nas saudáveis. Encontramos, por exemplo, 200 cópias de um determinado gene em um cérebro doente, e uma única cópia no cérebro normal. Em outros casos, é o inverso’, explica o Emmanuel Dias Neto.

Além da análise de qualidade (polimorfismo) e da quantidade (cópias dos genes), a pesquisa é complementada com uma análise proteômica. ‘Identificamos quais proteínas estão presentes e em que quantidade, tanto nos cérebros normais quanto nos doentes’, conta Dias.

O trabalho avança cautelosamente, uma vez que várias comparações são necessárias antes de se determinar se um fato é ou não um marcador biológico. ‘Temos de ver, por exemplo, se uma determinada alteração é causada pela esquizofrenia, ou pela idade ou grupo étnico da pessoa’, comenta o pesquisador. Além disso, os cientistas pretendem comparar os resultados obtidos aqui com amostras de DNA de doentes da Dinamarca. ‘Já recebemos estas amostras e assim, garantimos marcadores mais universais, que não dependem, por exemplo, da questão étnica’.

A cisão da mente

O risco de alguém adoecer de esquizofrenia durante a vida – independentemente de raça ou sexo – é de 1%. A incidência é de 30 novos adoecimentos em cada 100 mil habitantes, por ano. Entre os sintomas da doença estão delírios, alucinações, diminuição da afetividade e empobrecimento do conteúdo do pensamento.

A palavra esquizofrenia (esquizo = cisão, frenia = mente) foi criada em 1911 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler para definir uma doença psíquica caracterizada, basicamente, pela ‘cisão do pensamento, do afeto, da vontade e do sentimento subjetivo da personalidade’.

Márcia Blasques, da Agência USP