USP: Justiça militar foi mais severa contra Lamarca

Julgado à revelia, militar chegou a ser condenado à morte

qua, 21/07/2004 - 20h33 | Do Portal do Governo

Durante o regime militar, a ausência do capitão Carlos Lamarca nos julgamentos da justiça militar foi contraditória. Julgado e condenado à revelia em vários processos, seu nome era presença constante nos tribunais. ‘As argumentações de procuradores (promotores) e defensores tanto auxiliaram na defesa de outros militantes quanto influenciaram a justiça em decisões mais severas’, conta a historiadora Wilma Antunes Maciel.

A pesquisadora estudou, durante quatro anos, nove processos da justiça militar, referentes ao período entre 1969 e 1971, contra Lamarca e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), organização comandada pelo militar até 1971. Os documentos constam no dossiê Brasil Nunca Mais, pesquisa que foi coordenada por Dom Paulo Evaristo Arns e pelo pastor Jaime Wright.

Esses processos da Justiça Militar referem-se ao período em que teve início o Ato Institucional 2 (AI-2). De acordo com a deliberação, civis que cometiam crimes contra a segurança nacional passaram a ser julgados pela justiça militar, podendo ser condenados, inclusive, à morte. ‘Os militantes presos ficavam incomunicáveis por longos períodos, quando eram torturados. Assim, não existiam judicialmente’, conta Wilma. ‘Somente após fornecerem as informações é que os presos eram encaminhados à justiça militar, que se mostrou mais rigorosa, principalmente com militantes da linha de frente da VPR e com os réus ex-militares. Na maioria das vezes, as informações eram obtidas sob tortura e serviam como base no oferecimento das denúncias contra os próprios réus.’

Denúncias

Nos julgamentos, muitas foram as denúncias de torturas e seqüestros sofridos pelos réus. Foi aí que a figura de Carlos Lamarca exerceu uma dupla influência sobre as sentenças. ‘Mesmo ausente, o nome do capitão servia tanto aos advogados de defesa quanto aos procuradores da Justiça Militar’, relata Wilma. Ela relembra o caso do seqüestro do embaixador da Suíça, em 1970.

Wilma conta que a promotoria considerou todos os participantes culpados pelo seqüestro e pela morte de um dos seguranças do embaixador. ‘Os advogados de defesa responsabilizaram Lamarca como chefe da ação. Inclusive pelo disparo que tirou a vida do segurança’, relata a pesquisadora.

Alguns militantes chegaram a ser condenados à morte, em primeira instância. Mas a ausência do militar influiu nas decisões em outras instâncias, beneficiando estes réus. Em contrapartida, a justiça militar também foi extremamente dura com militantes da VPR ou militares ligados ao ‘traidor da pátria’, como era chamado Lamarca pelo regime militar. ‘Houve um caso em que a pessoa foi condenada simplesmente por prestar uma ajuda a Lamarca. Neste caso, a ligação com o capitão, apesar da sua ausência, foi prejudicial ao réu’, analisa Wilma.

A pesquisadora lembra ainda que nos depoimentos dos militantes presos e interrogados analisados nesses processos não há referências a Carlos Lamarca, tentando responsabilizá-lo. Dos 9 processos analisados em sua dissertação de mestrado, 6 foram relacionados ao capitão. ‘Em dois, ele foi condenado a 30 e 24 anos, respectivamente. Em outro, Lamarca foi condenado à pena de morte, e num quarto processo, condenado a quatro anos de prisão. Todos, em primeira instância’, relembra a pesquisadora. Carlos Lamarca foi assassinado no interior da Bahia, em 17 de setembro de 1971.

Antonio Carlos Quinto – Agência USP