USP: Jovens da periferia reinterpretam idéia de quilombos, senzala e casa-grande

Pesquisa foi realizada no distrito do Capão Redondo, periferia da zona Sul paulistana

qui, 26/02/2004 - 20h52 | Do Portal do Governo

Conceitos como quilombo, senzala e casa-grande ainda fazem parte do cotidiano de jovens da periferia da maior e mais rica cidade do País. Em uma pesquisa com moradores do distrito do Capão Redondo, na periferia da zona Sul paulistana, a pesquisadora Lourdes de Fátima Bezerra Carril constatou que alguns deles – sobretudo os que gostam e fazem rap – comparam as relações sociais e espaciais da cidade com uma senzala.

‘Mas ao mesmo tempo existe também a idéia de quilombo: é a resistência, a luta contra a opressão. E é nesse quilombo que ocorre o nascimento de possibilidades próprias, como o rap e a literatura marginal’, conta a pesquisadora, autora do doutorado Quilombo, favela e periferia: a longa busca da cidadania apresentado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

O estudo envolveu três bairros do distrito do Capão Redondo: o Conjunto Habitacional Chico Mendes, da CDHU, a Cohab Adventista e a favela de Paranapanema. Lourdes de Fátima entrevistou moradores, integrantes de associações de bairro e de organizações não-governamentais da região enfocando a questão racial. Também analisou letras de músicas de rap e o livro Capão Pecado, do escritor Ferréz, criador do Projeto Literatura Marginal.

‘Foi possível constatar, principalmente nas letras de rap e no depoimento de alguns alunos de cursinhos pré-vestibulares afrodescendentes, que o próprio bairro é encarado como uma senzala, pois é lá onde estão concentrados os negros’, relata Lourdes de Fátima. ‘Locais próximos ao Capão Redondo, como o Morumbi, por exemplo, são encarados como a casa-grande.’ A pesquisadora afirma que esse quilombo urbano também traz a possibilidade de reintegração do excluído, de buscar o jovem usuário de drogas e de tirá-lo do vício e do tráfico.

Hiperperiferia

O distrito de Capão Redondo tem cerca de 240 mil habitantes e pertence à periferia de São Paulo. Porém, dentro dessa mesma periferia, há parcelas da população que sofrem uma exclusão social ainda mais extrema. ‘É o que alguns urbanistas chamam de hiperperiferia, locais com grande deficiência de infra-estrutura, alta concentração de pessoas negras e de desempregados, cuja renda é insuficiente para pagar um aluguel na periferia. Com isso, formam-se bolsões de pobreza: as favelas.’

Lourdes de Fátima explica que encontrou diferenças nos aspectos raciais e de renda nos bairros analisados. No CDHU Chico Mendes, 40% dos moradores se autodenominaram brancos, 10% negros, 20% pardos e 30% morenos/amarelos. Já na favela Paranapanema foram 20% brancos, 20% negros, 40% pardos e 20% morenos/amarelos. Nos três bairros a renda familiar não ultrapassa cinco salários mínimos. Na favela, apenas 20% dos moradores ganham esse valor. No CDHU, esse índice é de 70%.

‘Houve uma espécie de confinamento de negros pobres’, afirma Lourdes de Fátima. ‘Quando os rappers falam em quilombo, senzala e casa-grande estão na verdade denunciando essa segregação.’ Para a pesquisadora, tanto a escola pública, que deixou de ser formadora de cidadãos, como a ausência de políticas públicas de recuperação social abrangentes e o enfraquecimento de movimentos sociais na década de 90 são alguns dos fatores que contribuíram para o agravamento da estrutura social e racial brasileira.

Mais informações: (11) 3801-3726 ou e-mail geolu@terra.com.br

Valéria Dias – Agência USP