USP: Jornais usam o discurso irônico para atrair leitores

Estudo mostra como os jornais utilizam o discurso irônico em busca de neutralidade

ter, 13/05/2003 - 17h58 | Do Portal do Governo

O discurso irônico é usado por alguns veículos de imprensa com o objetivo de mostrar ao leitor uma espécie de ‘neutralidade’. O recurso tanto pode ser utilizado de forma sutil como de maneira mais explícita. ‘O discurso irônico na imprensa nada mais é do que uma forma de criticar alguém ou alguma situação implicitamente’, explica José Maruxo Júnior, autor do estudo A Imprensa Irônica, apresentado em outubro de 2002 na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.

Entre 1997 e 2000, Maruxo realizou leituras minuciosas de dois grandes jornais paulistanos, O Estado de São Paulo e Folha de São Paulo, e do carioca Jornal do Brasil, enfocando principalmente o segundo turno das eleições para o governo de São Paulo de 1998. Segundo o pesquisador, definições modernas ligadas à Lingüística mostram que para ser caracterizada a ironia há a necessidade de existir três atores: os produtores; a vítima ou o alvo, que pode ser uma situação; e o destinatário, o leitor. ‘Sem estes ‘ingredientes’ não se configura o discurso irônico’, descreve.

O pesquisador constatou que há uma espécie de contrato entre jornalistas (produtores) e leitores. ‘Mas tudo acaba acontecendo de maneira implícita sem que o leitor perceba claramente’, conta. No caso das eleições, os alvos das ironias eram os dois políticos que disputaram o segundo turno, Paulo Maluf e Mário Covas.

As informações eram, basicamente, as mesmas. Porém, de acordo com o estudioso, o discurso dos veículos foram diferenciados. Maruxo percebeu que o jornal O Estado de São Paulo demonstrou seu apoio ao candidato Mário Covas, ‘ironizando’ de forma sutil seu adversário Paulo Maluf. ‘Enquanto o primeiro foi tratado de forma isenta, o outro foi ironizado’, conta.

O jornal Folha de São Paulo, por sua vez, preferiu adotar o discurso ‘explicitamente irônico’, mostrando aspectos positivos e negativos dos dois candidatos. ‘Um exemplo disso foi a notícia de que Covas teria gasto mais dinheiro com dívidas, enquanto Maluf teria investido menos em educação. Fica aí explícito o que chamo de ‘discurso irônico’, exemplifica. ‘Depois de uma leitura minuciosa, percebi que os dois jornais tinham sua preferência por Mário Covas’.

Estratégia

A utilização do discurso irônico, mais explicitado pelos jornais Folha de São Paulo e Jornal do Brasil, aconteceu sistematicamente ao longo da campanha eleitoral. Maruxo explica que, no caso do JB, prevaleceu a estratégia semelhante à Folha de São Paulo até por uma questão regional. ‘Por não ter uma convivência maior com a política de São Paulo, o periódico carioca adotou a postura de contrapor os candidatos de forma semelhante’, conta.

Este ‘jogo irônico’, como define Maruxo, não foi levado até o final. Mesmo assim, ele considera que a atitude acaba se transformando numa estratégia de marketing. ‘Mostrar uma aparente neutralidade significa mais confiabilidade e, supostamente, a conquista de mais leitores’, define, enfatizando que analisou os jornais apenas em seus recursos de linguagem.

O pesquisador relatou ainda que pouco foram os leitores que perceberam o uso do discurso irônico. ‘Houve algumas reclamações de pessoas extremamente atentas, pois somente com uma leitura muito profunda é que se pode perceber o discurso’, conta, lembrando que, mesmo a percepção da tendência da publicação por um ou outro candidato também exigiu uma leitura muito minuciosa.

Agência USP