USP: Inovações educacionais devem superar consensos

Pesquisa concluiu que a análise científica é essencial aos projetos inovadores em sala de aula

qui, 07/04/2005 - 21h13 | Do Portal do Governo

O uso de materiais ‘alternativos’ em sala de aula, como jogos, música ou cinema, deve passar por uma discussão mais crítica, alerta uma pesquisa apresentada à Faculdade de Educação (FE) da USP. Segundo o educador Thomas Massao Fairchild, que pesquisou o caso dos jogos de RPG (Role Playing Game), o risco é que ‘a vontade de inovação instaure um estado de consenso forçoso em torno de algumas idéias’, fixando certas premissas mais baseadas no senso comum do que em debates sustentados por relatos de experiências ou pesquisas científicas.

O RPG é basicamente um jogo de interpretação, no qual os participantes devem improvisar as falas e as ações de um personagem com personalidade definida. Fairchild entrevistou 18 pessoas, entre professores, jogadores, autores e editores de livros de RPG (obras que trazem descrições e regras de ambientes e personagens, embora também seja possível criar as condições de jogo). O pesquisador perguntou aos entrevistados se eles conheciam propostas de utilizar o RPG em sala de aula, o que pensavam a respeito e se já haviam tido experiências com o jogo na escola, entre outras questões.

Idéias aceitas

De acordo com Fairchild, é possível encontrar uma ‘linha de regularidade’ nas respostas dos entrevistados. ‘Apesar da diversidade de informantes [entrevistados], parece haver um consenso de que o RPG estimula a socialização, a leitura e a pesquisa. Além disso, por ser um jogo não competitivo em que se simulam situações, muitos afirmaram que ele está ligado à cidadania, à tomada de decisões e à cooperação’, relata o educador. ‘Trata-se de idéias possivelmente válidas, mas que são aceitas e reproduzidas antes de serem estudadas ou avaliadas a fundo.’

O pesquisador atuou em escolas estaduais de São Paulo nos anos de 2001 e 2003, quando aplicou os jogos de RPG em aulas de Língua Portuguesa. ‘Não acredito que se possa concluir que algum aspecto intrínseco ao jogo torne a aprendizagem mais produtiva do que de outras formas’, afirma Fairchild. ‘Pode-se dizer que a experiência deu certo em parte. Apesar de o RPG ser um apelo ao jovem, o jogo feito em sala de aula jamais será igual ao passatempo do fim-de-semana, na casa dos amigos. Por causa disso, depois da expectativa inicial, às vezes há rejeição ou perda de interesse’, diz o pesquisador, referindo-se sobretudo aos estudantes que já jogavam RPG.

Outra reflexão feita por Fairchild refere-se ao aspecto mercadológico envolvido na defesa da ‘escolarização do RPG’, uma tendência que pode ser percebida também nos simpósios e encontros que debatem a aplicação escolar desse tipo de jogo, geralmente no sentido de defendê-lo.

‘Não afirmo que o uso do RPG em sala de aula não seja válido’, ressalva o pesquisador. ‘O problema é que, nesse caso, se propõe uma reformulação no processo educacional. Não se deve aceitar idéias prontas, mas estimular a pesquisa e o levantamento de dados’, declara Fairchild, que diz aguardar pela conclusão de pesquisas que tragam resultados de experiências feitas com o RPG em sala de aula. ‘Há muito mais projetos que apresentam o RPG como uma proposta pedagógica do que análises de experimentos já realizados’.

Flávia Souza – Agência USP