USP: Hospital Universitário faz pesquisa inédita sobre a demência

Projeto faz parte de um estudo que envolve Brasil e Cuba, e deverá ser concluído em 2005

qua, 14/01/2004 - 15h31 | Do Portal do Governo

O Hospital Universitário (HU), da USP de São Paulo, realiza O Projeto Saúde de Idosos de Baixa Renda do Distrito do Butantã. Iniciado no ano passado, o trabalho deverá ser concluído em março de 2005, com o cadastramento de 2 mil idosos. Até agora, foram ouvidos 650 pessoas com mais de 65 anos moradoras em bairros e favelas de vilas próximas ao Butantã, Rio Pequeno e adjacências da Rodovia Raposo Tavares.

O objetivo é pesquisar aspectos da saúde mental dessas pessoas, o que ocasiona falta de memória e outros distúrbios. O projeto também aproxima a USP da comunidade, pois os idosos, após entrevista em suas casas, são convidados a fazer exames no HU (sangue, pressão arterial, catarata e outros). “Nem todas as consultas se destinam ao projeto, mas é importante para o controle da saúde deles”, diagnostica o médico epidemiologista do HU, Paulo Menezes, coordenador dos trabalhos. Doze pessoas fazem parte da equipe (médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, analistas de sistemas e digitadores).

O trabalho de campo é feito diariamente por médicos e psicólogos. Cada um realiza duas entrevistas diariamente na casa do idoso. O questionário é bastante amplo, mais de cem páginas com perguntas variadas para testar a sanidade mental dos velhinhos. A segunda etapa é a presença deles no HU para a bateria de exames. O resultado é entregue a eles e também guardado junto com o questionário para fazer parte das pesquisas. Todos os dados são ainda armazenados no computador.

Brasil e Cuba

Menezes informa que o trabalho faz parte de um projeto maior denominado Epidemiologia da Demência e Doença de Alzheimer no Brasil e em Cuba, patrocinado pela agência inglesa Wellcome Trust. Ele explica que os problemas mentais em idosos variam entre brancos e negros, “sem uma explicação concreta para o fato, até o momento”, informa. Para entender melhor as diferenças, a pesquisa é feita em dois países com grande mistura entre as duas raças.

A maioria das pessoas imagina que problemas mentais em idosos são causados pelo avanço dos anos. “Não é”, garante Menezes. Os males de falta de memória, desorientação e outros provêm de um gene, que pode se manifestar em algumas pessoas e não em outras. “Acreditar que o velho está ficando demente por causa da idade é uma questão cultural dos países ditos em desenvolvimento. No chamado Primeiro Mundo, a sociedade sabe que se trata de uma doença.”

O fato de ser uma moléstia, explica Menezes, modifica totalmente a visão do problema. “Por ser doença, é necessário que as autoridades públicas invistam em políticas de saúde adequadas, os profissionais da área têm de agir de outra forma. Enfim, precisa haver tratamento e prevenção para essas pessoas. No entender dele, é importante que a sociedade nos países mais pobres tome consciência desse fato.

ONG da demência

Menezes divide a coordenação do projeto com sua esposa, a psicóloga Marcia Scazufca, e o professor de psiquiatria Homero Vallada. Os dois pertencem ao corpo docente da Faculdade de Medicina da USP, onde Menezes trabalhava até fevereiro do ano passado, quando foi convidado a dirigir a epidemiologia no HU.Ao se transferir para o hospital, ele recebeu apoio da direção para prosseguir com o projeto e trouxe consigo o financiamento da Wellcome Trust. “Trabalhamos para o HU, para o projeto e ainda aproximamos a universidade da comunidade vizinha.”

Ele, sua mulher e Vallada fizeram doutorado na Inglaterra. Lá, conheceram a agência Wellcome. O projeto foi apresentado à patrocinadora em 2001, aprovado em 2002 e iniciado no ano seguinte. O valor do investimento é de 500 mil libras esterlinas, sendo 200 mil libras para a Cuba. Com o dinheiro, paga-se mão-de-obra, equipamentos, deslocações, viagens esporádicas ao país de Fidel Castro e materiais de papelaria.

Os três médicos pertencem a uma ONG mundial chamada 10/66, presente em 25 países. O nome da organização vem da seguinte estatística: 66% dos idosos com demência no mundo estão em países pobres ou em desenvolvimento e apenas 10% dos recursos mundiais disponíveis para pesquisa são destinados a esas nações. A 10/66 é vinculada à Alzheimer International.

Trabalho de campo

A psicóloga Cintia Seabra visita idosos em suas casas para o projeto Brasil Cuba. Cada entrevista dura em média duas horas e a maioria das perguntas refere-se à memória. “Por serem pobres, são quase todos analfabetos e precisamos usar fala e figuras para nos comunicar melhor com eles”, explica Cintia.

Num determinado momento, o entrevistador fala uma lista palavras conhecidas e pede para o idoso repetir o que lembrar. Em outro exercício, mostra-se objetos do dia-a-dia e pede que a pessoa identifique. Há ainda perguntas sobre o nome do presidente da República, governador, prefeito. Por fim, as questões envolvem a vida diária do idoso, como suas preocupações, depressão, tristeza, solidão, apetite, insônia, ansiedade, medicamentos que toma. Cintia já trabalhou na Favela São Remo, do Sapé, conjuntos residenciais Cingapura, Jardim D’Abril e atualmente no Jardim São Jorge.

Otávio Nunes
Da Agência Imprensa Oficial