USP: Falta de atualização de profissionais contribui com a baixa prevenção de bebês com Aids

De acordo com o estudo, estes riscos poderiam ser diminuídos em 2% a cada ano

sex, 19/03/2004 - 20h16 | Do Portal do Governo

Cerca de 86% das crianças de zero a 13 anos notificadas com Aids, na cidade de São Paulo, têm como causa da doença a transmissão vertical, que pode ocorrer em três fases: durante a gestação, pela placenta, no contato do bebê, com o sangue da mãe contaminada no momento do parto, ou ainda por intermédio do aleitamento materno. Os dados constam em uma pesquisa apresentada à Escola de Enfermagem (EE) da USP. De acordo com o estudo, estes riscos poderiam ser diminuídos em 2% a cada ano (o equivalente a 23 casos) se políticas de prevenção à transmissão da Aids em gestantes fossem aplicadas com maior regularidade e por profissionais melhores preparados.

Em seu mestrado, a enfermeira Regiani Nunes Oliveira visitou sete unidades básicas de saúde da região de Santana, onde entrevistou 79 gestantes e profissionais dos serviços de pré-natal. Seu trabalho defende não só o constante treinamento dos profissionais de saúde, mas também a necessidade da presença de uma equipe multiprofissional, formada por ginecologistas, psicólogos, pediatras e enfermeiros. ‘Além de passar pelo ginecologista, a gestante deveria ser esclarecida da importância da realização de testes do vírus HIV e, em seguida, orientada pelos demais profissionais para lidar não só com o risco da doença em seu organismo, mas com a existência de medidas que diminuam a possibilidade de seus filhos também nascerem com ela’, ressalta Regiani.

As unidades básicas de saúde, cujo antigo nome era ‘postos de saúde’, funcionam como primeiro contato com o paciente. É a partir delas que os casos mais simples são tratados e os demais, redirecionados para profissionais específicos. Ao procurar orientação para o pré-natal, a gestante, muitas vezes, é indicada ao teste de HIV sem saber para quê se destina o exame. ‘Não há um esclarecimento para a voluntariedade do teste e, quando ele é realizado, o resultado pode demorar até cinco meses para ser entregue, impossibilitando um tratamento mais eficiente’, declara a pesquisadora. Da mostra analisada, 91% das mulheres fizeram o exame. Destas, apenas duas realizaram voluntariamente e somente 13% receberam o resultado em até um mês após a coleta.

Falhas

Quanto mais cedo for detectada a presença do HIV, mais rápido será seu combate com anti-retrovirais, medicamentos específicos usados na doença. O tratamento inicia-se a partir da 14ª semana de gestação, fazendo com que a criança tenha chance menor de 2% de nascer soropositiva.

De acordo com o estudo, os profissionais de saúde apresentam uma ‘insegurança no trato de questões ligadas à DST/Aids e sua relação com a gravidez’. ‘O que está em jogo não é a competência do profissional, mas a falta de recursos e capacitação freqüente. Muitos casos poderiam ser evitados se tanto o médico quanto a paciente obtivessem as informações necessárias’, salienta.

As falhas não param por aí: as ações, ao serem conduzidas por uma equipe multiprofissional, tornariam o atendimento mais eficaz. Enfermeiros e psicólogos poderiam atuar junto à grávida quanto ao seu pré-natal e também quanto à sua saúde sexual, mas a falta de um programa conjunto implica ainda mais na desinformação da usuária do sistema público de saúde.

‘Entre 2001 e 2002, com a retomada do Sistema Único de Saúde (SUS) na cidade de São Paulo, os casos de crianças infectadas caíram de 75 para 43 casos. Isso apenas confirma que devemos continuar nossos esforços para termos uma saúde cada vez mais digna e de qualidade’, finaliza Regiani.

Segundo dados do Boletim Epidemiológico do município de São Paulo de 2003, Santana é a quarta região com maior incidência de Aids entre mulheres, perdendo apenas para as áreas da Sé (Centro), de Brasilândia e de Cachoeirinha (ambas na Zona Norte). Desde 2001, a pesquisadora atua junto a uma equipe da Secretaria de Saúde e vem implantando medidas para o enfrentamento da transmissão vertical em toda cidade, especialmente nas regiões mais periféricas, onde os índices são mais elevados.

Juliana Kiyomura Moreno – Agência USP