USP: Faculdade de filosofia realiza estudo sobre campanha contra drogas da TV

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seg, 09/06/2003 - 20h46 | Do Portal do Governo

Estudo realizado no Departamento de Lingüística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, na área de lingüística e semiótica, constatou que as campanhas contra o uso de drogas, veiculadas na TV, são ineficientes. Segundo a pesquisa, os anúncios veiculados são mal direcionados socialmente, têm uma abordagem ingênua e superficial, ignoram as raízes do problema e não esclarecem sobre prevenção.

A dissertação de mestrado Análise do discurso da propaganda de prevenção às drogas, da professora da PUC de Curitiba, Arlene Lopes Sant’Anna, analisou um conjunto de 20 anúncios veiculados em 1996 e 1997. ‘As campanhas começaram a ser veiculadas em outubro de 1996 e o mesmo tipo de discurso foi utilizado desde aquela época até 2002’, comenta a autora, que apresentou seu estudo em abril deste ano na FFLCH.

Segundo Arlene, o direcionamento dos anúncios ignora os jovens da periferia; ‘Todos os anúncios mostram jovens saudáveis, com profissões, lazeres, práticas esportivas, objetivos de vida e cenários que representam uma camada social privilegiada, ora, se o objetivo da campanha é coibir o uso de drogas, isso é uma contradição, pois o problema é muito mais acentuado entre os jovens pobres’, afirma.

A pesquisa menciona dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID), concomitantes à época da veiculação dos anúncios, segundo os quais, em relação ao uso de drogas, a situação mais dramática era a dos meninos de rua – no Rio de Janeiro 57% deles já haviam usado drogas, no Recife, o número chegava a 90%.

Dirigir a campanha para a classe média-alta também não condiz com o público atingido pela televisão: segundo os dados do IBGE mencionados na pesquisa, mais de 60% das pessoas que se informam através da TV são das classes C e D.

Origem estrangeira
A pesquisadora acredita que uma das possíveis explicações para esta disparidade é a origem da campanha, que segue moldes estrangeiros de produção. ‘Muita gente vê estas propagandas e acha que elas são produzidas pelo governo. Antes da pesquisa, eu também achava’, diz.

O estudo mostra, no entanto, que a entidade responsável pelos anúncios televisivos, a ONG Associação Parceria contra as Drogas, foi mobilizada num esforço internacional para coibir o uso de drogas por uma iniciativa norte-americana. Em outras palavras, a embaixada norte-americana propôs a um grupo de empresários brasileiros a realização de uma campanha associada à Partnership for Drug-Free América, entidade americana, que já integrou outros países. A campanha foi lançada também na Argentina, Chile, Venezuela e Porto Rico.

Além do problema do direcionamento, a pesquisa constatou que a campanha utiliza um discurso autoritário, na medida em que emprega a manipulação por intimidação. As drogas são colocadas como um vilão que subverte o comportamento de indivíduos e instala o caos em todos os níveis da sociedade.

‘O mais alarmante, é que as drogas são mostradas como se surgissem do nada, como se tivessem vida própria e buscassem a ‘próxima vítima’. Funciona como uma ‘punição’, um ‘bicho papão’ que vai pegar os jovens que não se comportarem. Essas estratégias são infantis, um tanto superficiais, pobres de conteúdo e ineficientes para alcançar o objetivo desejado’, dispara.

O estudo observa ainda que, ao investir em estruturas sintáticas abstratas, que materializam valores, o enunciador dos anúncios impõe sua visão de mundo: valores sócio-culturais como a autoridade da família, moral, respeito à lei, à profissão, à ordem.

‘Não há identificação com o usuário. Os anúncios tentam passar esses valores de forma picaresca, pueril, leviana e ingênua, o que contradiz a realidade preocupante que é o problema do consumo das drogas no Brasil. O que seria realmente útil não é feito, assim como a seriedade devida não é contemplada nos anúncios: não há qualquer esclarecimento sobre prevenção ou tratamento para o uso de drogas’, conclui a autora.

Fábio de Castro, especial para a Agência USP
-C.M.-