USP: Envolvimento com tráfico pode alterar padrões de comportamento em jovens

Pesquisa foi realizada pela psicóloga Marisa Feffermann

qua, 26/01/2005 - 13h05 | Do Portal do Governo

Compulsividade, astúcia, crueldade. Estes são alguns dos padrões de comportamento mais explícitos em jovens envolvidos no tráfico de drogas, e é exatamente esta inserção que os faz agir assim. É o que afirma a psicóloga Marisa Feffermann em sua tese de doutoramento, defendida no último mês de novembro pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP.

Durante três anos ela procurou conviver com jovens, entre 15 e 22 anos, de três regiões periféricas da cidade de São Paulo (ela não revela as localidades por razões de segurança), no intuito de ouvir experiências com o tráfico de drogas de quem sente na pele este cotidiano. ‘Ao longo da pesquisa foi possível fazer uma relação entre as características destes jovens e as condições que estão inseridos’, explica Marisa.

Segundo ela, três fatores são determinantes para compreender a realidade destes jovens inscritos no tráfico de drogas. O primeiro deles é a existência de uma estrutura de organização do trabalho, que corre paralelamente ao sistema legal. ‘Eles passam por uma violência comum a todo trabalhador’. No entanto, algumas das regras são diferentes, e enquanto o trabalhador do sistema formal teme a demissão, estes jovens pagam com a vida por determinados erros.

Em segundo lugar, a existência de um contrato social no mundo do tráfico. Nesta ilegalidade, o jovem adquire um lugar na sociedade, onde tem respeito e é ouvido, tem possibilidade de defesa. Marisa exemplifica com o debate, que é uma espécie de tribunal do tráfico. Quando acontece alguma falha o responsável é chamado para se explicar e, se não for convincente, receberá uma punição, que pode inclusive ser a pena de morte. ‘É um espaço onde quem está no mundo do crime tem direito a ter voz. Quem é punido sem um debate é considerado desrespeitado’, revela a psicóloga.

O outro fator seria a crueldade, parte indissociável do cotidiano destes jovens. Eles sofrem com a polícia e com os traficantes maiores, além do preconceito social. ‘Estes jovens são constituídos por um mundo de violência, crueldade. E muitas vezes, de vítimas, tornam-se algozes’.

Marisa diz que estes riscos constantes a que estão submetidos determinam o comportamento destes jovens. ‘Eles agem em função do modo de vida que levam. Esse tipo de risco deixa marcas nos sujeitos’. Os jovens precisam encontrar maneiras de driblar essa realidade, e comportamentos como a compulsividade e a crueldade são formas de se fazer isso.

Denúncia

Na opinião da pesquisadora, ‘os jovens denunciam, sem consciência, o paradoxo do progresso’. Se por um lado temos tecnologias fantásticas à disposição, por outro temos crianças morrendo de fome e epidemias. É o descompasso entre desenvolvimento científico e social que assola o mundo de hoje. ‘O tráfico de drogas, reproduz, na ilegalidade, mecanismos que servem de base para a nossa sociedade’.

E com isto ela quer mostrar que não são apenas eles os responsáveis pela violência – como a mídia e os órgãos oficiais acusam – mas todos nós. ‘Ela (a violência) é bastante vinculada à violência social. É uma realidade tão triste, porque não é só deles. Nós também somos culpados.’

Pesquisa

Para fazer esta pesquisa, Marisa realizou uma série de entrevistas com jovens traficantes, gerentes de bocas e autoridades da polícia e do governo, além de análises mais genéricas, como uma caracterização do tráfico paulista. ‘Tenho cerca de 900 páginas transcritas de entrevistas, com 16 depoimentos’, diz ela. Seu estudo resultou em aproximadamente 450 páginas, onde ela aplica teorias de Marx, Freud e Adorno para explicar o emaranhado de relações entre estes adolescentes, o tráfico e a sociedade.

André Benevides, da Agência USP

M.J.