USP: Atendimento ‘rápido’ dificulta identificação dos problemas de saúde mental em crianças

Problemas de saúde mental são alterações de comportamento, emoção ou relacionamento que 'atrapalham' a vida da criança

qui, 10/07/2003 - 22h41 | Do Portal do Governo

A maioria dos problemas de saúde mental de crianças em idade escolar, entre 5 e 11 anos, não são identificados pelos pediatras. A médica Edith Lauridsen Ribeiro chegou a essa conclusão após ter acompanhado três meses de atendimento oferecido por pediatras a 411 crianças, em um posto de saúde público. ‘A percepção do profissional está muito restrita aos distúrbios que apresentam sintomas claros, como dor de barriga, ou àqueles ligados a agressividade e delinqüência’, afirma a pesquisadora.

Problemas de saúde mental são alterações de comportamento, emoção ou relacionamento que ‘atrapalham’ a vida da criança. ‘Se a criança deixa de brincar porque está com medo de um eventual cachorro que pode aparecer ou se não se separa dos pais, são situações que merecem uma atenção especial.’

O estudo ‘Problemas de saúde mental da criança em idade escolar: oportunidades e possibilidades de abordagem na atenção básica’ foi apresentado por Edith à Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP em abril desse ano. Para realizá-lo, ela observou o atendimento pediátrico, realizou entrevistas com os médicos e aplicou questionários aos familiares.

Uma análise das respostas de um primeiro questionário apontou que 11,5% das crianças atendidas tinham prováveis problemas de saúde mental. ‘As perguntas não eram fechadas. Por isso, os casos prováveis, para se tornarem definitivos, precisariam de uma verificação’, aponta.

A partir da ‘primeira abordagem’, a pesquisadora selecionou intencionalmente 206 crianças e as visitou em casa, para que as famílias respondessem a um segundo questionário. Os novos resultados apontaram 130 crianças com prováveis problemas. Apenas 33 casos, dos 130, haviam sido identificados pelos pediatras.

Ouvir mais

De acordo com Edith, muitos fatores explicam a não-percepção do médico pediatra para problemas mentais. ‘Os próprios pediatras me ajudaram a identificar as razões. Uma delas é a formação muito organicista que eles recebem, que busca os sintomas de forma fria.’ Outra é a falta de comunicação das famílias, que muitas vezes não relatam ao pediatra o comportamento dos filhos, por esquecimento ou por julgarem que o assunto não é de responsabilidade do médico generalista.

Entretanto, a pesquisadora aponta a forma de atendimento como grande responsável. ‘As consultas são cada vez mais rápidas e desumanizadas. É preciso ouvir mais o paciente, dar importância para as suas queixas e estar preparado para identificar os distúrbios’, ressalta.

Ela acredita que a pediatria é o ambiente mais fácil de detectar o problema devido à proximidade do profissional da saúde com a família. ‘Ele deve ser capacitado e dispor de um suporte especializado, para tirar dúvidas e auxiliar sua intervenção’. Segundo Edith, o tratamento no início é mais eficiente, podendo ser resolvido, em muitos casos, por simples conversas, sem passar por medicamentos e tratamentos especiais.

Beatriz Camargo – Agência USP