Unicamp: Pesquisa busca inclusão do Brasil no mercado de extratos naturais

Cientistas aprimoram espécies nativas e investem no desenvolvimento de tecnologias de processamento

qui, 28/08/2003 - 10h16 | Do Portal do Governo

A Organização Mundial de Saúde estima em US$ 500 bilhões anuais o mercado de extratos naturais, que tem produção voltada principalmente para as indústrias alimentícia, farmacêutica e de perfumaria. O Brasil, apesar de ter a maior biodiversidade do planeta, participa desse mercado com apenas US$ 500 milhões por ano, perdendo até mesmo para a Argentina.

Boa parte da matéria-prima brasileira é exportada para a Alemanha, país cujo parque industrial permite o processamento de extratos em larga escala e que lidera a comercialização com movimento de US$ 20 bilhões anuais.

Essa produção incipiente de extratos naturais, diante de um mercado de tamanha dimensão, motivou a criação de uma linha de pesquisa para o cultivo e o aprimoramento de espécies nativas e para o desenvolvimento de tecnologias de processamento.

Espécies em estudo

O trabalho, que vem sendo desenvolvido há três anos e meio, é coordenado pela professora Maria Ângela de Almeida Meireles, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, unidade que responde pela parte de processos e reúne o maior grupo de pesquisadores no projeto.

Integram a rede instituições como a Unesp de Botucatu, que cuidou das plantas nativas e de algumas adaptações de espécies européias, e o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), no detalhamento da composição química dos extratos, além de outras unidades da Unicamp, da Fiocruz e de mais cinco universidades do País.

Existe grande variedade de espécies em estudo. Entre elas a ‘leiteira de dois irmãos’, uma árvore nativa paulista, cujas substâncias comprovaram eficácia no tratamento da leishmaniose e da malária. Para a indústria alimentícia, estão em desenvolvimento processos para condimentos como gengibre, cúrcuma, alecrim e funcho, além de testes para verificar se os produtos atendem às qualidades exigidas pelo mercado.

Supercrítica

‘Nosso objetivo é desenvolver um processo de propósitos múltiplos, que sirva para diferentes espécies de plantas, inclusive para partes delas, como fruto, folha e raiz’, ressalta a professora. No projeto aplica-se a chamada ‘tecnologia supercrítica’, limpa, em que se utiliza preferencialmente o gás como solvente (no caso dos alimentos, dióxido de carbono).

Mundialmente, segundo a pesquisadora, nota-se grande crescimento da tecnologia supercrítica aplicada à extração, mas o Brasil não possui nenhuma unidade industrial e seu uso limita-se aos grupos de laboratório. ‘A Alemanha faz a extração da cafeína desde a década de 70 e, nos últimos dois anos, grandes indústrias instalaram-se na China, com carga de processamento enorme. Enquanto isso, nós continuamos exportando matéria-prima, sem agregar valor ao produto’, lamenta.

Engenharia de processamento

Na opinião da professora Maria Ângela Meireles, o Brasil cresceu na área de química básica, mas deixou de desenvolver a engenharia de processamento de espécies vegetais. Ela prega um efetivo investimento governamental – ou indução ao investimento por parte de empresas – para o aproveitamento de recursos nativos e agregação de valor às matérias-primas.

A pesquisadora observa, contudo, que maior participação no mercado mundial de extratos não depende da criação de parques industriais, mas da especialização de empresas de pequeno porte.

‘O Brasil é considerado grande exportador dos chamados óleos essenciais (voláteis), mas 95% vêm da laranja. Somente 5% são óleos extraídos da flora, produção que não progride porque preferimos exportar a matéria-prima. Essa equação precisa mudar. E só muda com engenharia de processos’, ressalta Maria Ângela.

Cooperativas

Uma possibilidade discutida dentro do projeto é a criação de cooperativas de produtores de plantas nativas, localizadas estrategicamente conforme o poder de mercado em cada região. Nessas associações seriam cumpridos todos os passos da cadeia, do cultivo e aprimoramento de espécies, até o processamento do extrato e sua comercialização.

A idéia contemplaria inclusive acampamentos de sem-terra.
Em um país onde só se divulgam as grandes safras agrícolas, a pesquisadora lembra que o Pará e a Bahia lideraram a produção de pimenta-do-reino e de cravo-da-índia, respectivamente, mas perderam condições de concorrer no mercado internacional.

‘Um bom óleo de cravo é vendido a US$ 25 o quilo, quando nossa tecnologia permite produzi-lo por 8 ou 10 dólares. Da mesma forma, podemos chegar a uma pimenta com mais aroma e menos ardor, ou vice-versa, conforme a preferência, dando nota de qualidade ao produto. O Brasil vende tinturas desde a época da invasão dos holandeses. A pergunta é: por que até hoje isso não se tornou uma fonte de divisas?’

Luiz Sugimoto
Jornal da Unicamp

(AM