Unicamp: Pele humana é reproduzida em laboratório

Estudos desenvolvidos por pesquisadores da Unicamp abrem caminho para tratamento sem rejeição

seg, 06/06/2005 - 16h41 | Do Portal do Governo

Pela primeira vez no Brasil, pesquisadores da Unicamp conseguem reproduzir em laboratório o maior órgão do corpo humano: a pele. A partir de estudos desenvolvidos com cultura de células da pele, a médica dermatologista Beatriz Puzzi produziu as camadas da pele – derme e epiderme – para serem utilizadas em pacientes que necessitem de enxertos de úlceras ou em tratamento de queimados quando a área doadora é escassa. ‘Fizemos os testes em um paciente com úlceras na perna e o resultado foi muito satisfatório’, atesta a médica. Atualmente, os procedimentos são variados. Desde enxertos com substitutivos dérmicos até peles de cadáver fornecidas por banco de pele são recomendados para o tratamento adequado. Com a proposta de Beatriz, a ciência abre caminho para uma alternativa de tratamento sem rejeição.

Descoberta é premiada em congresso internacional

Os cinco anos de desenvolvimento da descoberta renderam à dermatologista, no início de maio, o prêmio de segundo lugar de pesquisa inovadora no 4o Congresso Mundial de Banco de Tecidos, realizado no Rio de Janeiro. Estavam representados mais de 25 países e pelo menos 300 especialistas apresentaram seus trabalhos na área de banco de tecidos em forma de pôsteres e apresentações orais. Beatriz acredita que o aspecto que chamou a atenção da comunidade médica mundial para sua pesquisa foi o ineditismo do processo de reconstrução da pele humana. Ela teve contato com a técnica de cultura de células na França, na Universidade de Bordeaux II, com um dos mestres nesta área, o professor Alan Taieb.

Ao retornar para a Unicamp, a médica conseguiu equipar o Laboratório de Cultura de Células da Pele no Hospital das Clínicas e trabalhou com a cultura de melanócitos – células que pigmentam a pele –, cujo objetivo era o tratamento de pessoas com vitiligo. Com isso, transformou o espaço na Universidade como único no país a realizar este tipo de tratamento nas pessoas portadoras da doença. O caminho percorrido por Beatriz e sua equipe – composta pela bióloga Jussara Rehder, pelos professores Maria Letícia Cintra e José Vassalo, do Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Ciências Médicas, e pelo pós-graduando Ricardo Souto – no desenvolvimento de pesquisas nesta área serviu para que se conseguisse chegar a reproduzir a pele humana no laboratório.

Fragmentação

Segundo explica a pesquisadora, basta uma pequena amostra da pele do próprio paciente ulcerado ou queimado para que se realize a reconstrução. “A metodologia deve ser feita com a pele do paciente para evitar a rejeição”, esclarece. Com a devida precaução, o material é levado para um sistema estéril. O próximo passo é proceder a fragmentação da pele e a cultura primária em epiderme (melanócitos, queratinócitos) e derme (fibroblastos). O processo não é simples. A equipe esteve trabalhando nos processos há, pelo menos, cinco anos.

Em uma outra etapa, as culturas de fibroblastos, células que fazem parte da derme, são implantadas em colágeno bovino estéril. O segredo do trabalho está justamente nesta fase. A equipe de Beatriz conseguiu o crescimento das células de forma abundante utilizando-se do colágeno bovino para orientar a reprodução dos fibroblastos. Depois de alguns dias, o colágeno bovino praticamente desaparece, mas consegue orientar o início do crescimento dos fibroblastos, que passam a produzir eles próprios o colágeno humano.

Até se chegar à utilização do colágeno estéril para servir de orientação para as células, um longo processo foi desenvolvido. “Tentamos diversas formulações, mas nenhuma obteve resultados satisfatórios”. Ainda no laboratório a pele é fininha e, depois de enxertada no paciente, ela inicia o processo natural de reprodução. Para chegar a todas as camadas necessárias em laboratório é necessário pouco mais de um mês.

Para que tudo dê certo, sem efeitos de contaminação, deve haver o procedimento adequado na retirada e no transporte da pele até o laboratório. “Dependendo da forma como a pele é retirada, pode não ser aproveitada. É preciso realizar o processo de maneira a evitar contaminações”, esclarece. Ainda não se tentou a reprodução da pele em escala. Por enquanto, a equipe tem projetos de realizar experimentos em parceria com a Área de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas da Unicamp. O estudo também foi descrito e publicado em revistas científicas.

Maior órgão

A pele é o maior órgão do corpo humano e responsável por, em média, 16% do peso corpóreo total do indivíduo. Sua principal função é proteger o corpo das toxinas e das agressões do meio ambiente, do sol e das temperaturas extremas. É composta de epiderme que consiste na camada externa que está em constante reprodução. A derme é a camada interna composta essencialmente por colágeno. E finalmente a hipoderme, que é a camada gordurosa.