Unicamp: Neurologista desenvolve campanha de combate à epilepsia no País

Li Li Min que diminuir o preconceito que isola os portadores da doença

seg, 29/03/2004 - 11h05 | Do Portal do Governo

Do Portal da Unicamp


A epilepsia é uma condição neurológica crônica grave, que acomete entre 1% e 2% da população, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). No Brasil, seriam aproximadamente três milhões de pessoas com epilepsia, conformando um problema de saúde pública. Embora menos letal, o preconceito que isola os portadores de epilepsia já justificaria um programa tão sério quanto o dirigido à Aids. Quem já testemunhou uma crise, se não ficou assustado, ficou desconcertado: os músculos da pessoa em crise enrijecem, ela cai, saliva em excesso, se debate. Por causa desta reação, que para muitos parece ‘demoníaca’, negam-lhe emprego, vaga na escola, a família sofre e ela se esconde – o paciente com HIV sabe como é isso.

Maioria dos portadores não recebem tratamento

Nem é preciso tanta penúria. Considerando um grupo de cem pessoas que apresentam alguma forma de epilepsia, 70 ou 80 delas podem levar uma vida sem crises se contarem com a medicação adequada. O primeiro anticonvulsivante foi descoberto há um século, e as fórmulas tradicionais de hoje oferecem baixo custo. Apesar disso, existe uma omissão gritante nos países em desenvolvimento, em que 60% a 90% dos portadores da síndrome não recebem tratamento. ‘O número de doentes é grande, o tratamento para evitar este sofrimento existe e os custos de um programa compensam de longe o que o país perde com a exclusão desta população economicamente ativa. Então, por que não se faz?’, questiona o neurologista Li Li Min, professor da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

Depois de quase uma década fazendo cursos de especialização em hospitais de Havana, Londres e Montreal, e com PhD em neurociências pela McGill University, o professor Li Min poderia centrar seu conhecimento em pesquisas com instrumentos de alta tecnologia para diagnóstico e entendimento de questões neurobiológicas – epilepsia, inclusive. Porém, voltando ao Brasil em 2000, e percebendo a situação crítica em que vivem os pacientes com epilepsia, optou por ajudar na solução deste problema imediato, aderindo à Campanha Global Epilepsia Fora das Sombras. Hoje, está à frente da Aspe (Assistência à Saúde de Pacientes com Epilepsia), que reúne profissionais da FCM e da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp e de outras instituições paulistas. Em matéria nesta página, resumimos o que a Aspe fez em apenas dois anos de existência.

O que é

A crise epiléptica é desencadeada quando um grupamento de neurônios deixa de funcionar adequadamente por certo tempo. O cérebro envia impulsos elétricos de forma errática, levando a manifestações clínicas em partes do corpo que comanda. Figurativamente, o que acontece é um curto-circuito. A crise ‘tônico-crônica’ (a convulsão), aquela que testemunhamos nas ruas, corresponde à cerca de metade dos casos. Os outros 50% são outros tipos de crises epilépticas que podem passar despercebidas. Uma delas afeta principalmente a criança, que está conversando normalmente e, de repente, desliga por segundos; se tais crises são múltiplas, a mãe vai achar que o filho vive no mundo da lua.

Na crise ‘parcial complexa’, o paciente desliga, mas mantém certos movimentos complexos – pode, por exemplo, tirar a roupa sem se dar conta de que está em público. ‘Quando confundida com drogadição ou doenças psiquiátricas, esta crise pode levar o paciente à delegacia ou mesmo ao hospital psiquiátrico’, lamenta Li Li Min. Nos variados graus de severidade de epilepsia, não havendo resposta à medicação, existe o tratamento cirúrgico, removendo-se parte do cérebro. Uma avaliação pré-cirúrgica indica se a intervenção será mesmo eficaz para acabar com a crise e se a pessoa poderá conviver sem aquele tecido.

Atente-se que a epilepsia não é uma doença em si, é um leque grande de doenças que podem desencadeá-la. Um tumor cerebral pode causar epilepsia, assim como má- formação do cérebro, traumatismo crânioencefálico em acidente, defeito genético, problemas no parto. Diagnosticar a epilepsia, portando, nem sempre é fácil, a não ser naqueles 50% dos casos em que a crise é do tipo convulsão e de fácil reconhecimento. Daí, a importância dos cursos de qualificação que a Aspe vem ministrando aos profissionais da rede de saúde. ‘O diagnóstico surge essencialmente da história do paciente e da pessoa que presenciou a crise, não existem aparelhos ou exames que acusem a epilepsia. É a história que o portador conta, o testemunho de quem o vê em crise. Confirmada a síndrome, investiga-se por que o paciente sofre essas crises’, explica o pesquisador da Unicamp.

O preconceito

O Museu Britânico guarda pedras onde mercadores da Babilônia esculpiam seus contratos. No negócio com um escravo, em duas situações o comprador podia devolvê-lo ao vendedor: se sofresse de hanseníase ou de epilepsia. ‘Já havia, então, uma carga de preconceito contra essas duas doenças antes de Cristo. Por outro lado, vemos nos relatos de Hipócrates – na realidade uma coletânea escrita por vários médicos e não apenas pelo ‘pai da medicina’-, há 2.400 anos, a afirmação de que a epilepsia não era um problema espiritual, mas que decorria de alterações no fluido corporal’, ilustra Li Min.

Em alguns países da África, a síndrome é conhecida como ‘a doença que queima’: se na tribo que cozinha no meio da savana, uma pessoa em crise cair sobre o fogo, não será socorrida porque com o contato os demais seriam tomados pelo espírito maléfico. Da mesma forma, nas Filipinas, chamam-na de a ‘doença que afoga’, visto que o paciente será abandonado à própria sorte no rio. ‘Nesses países, a síndrome é conhecida mais por suas conseqüências. De fato, o risco de óbito aumenta quando a crise não é controlada, embora os latinos não gostem de falar sobre a morte. A taxa de morte súbita, que é de 1% na população em geral, duplica ou triplica entre as pessoas com epilepsia’, informa o professor.

Mais informações podem ser obtidas no stie www.unicamp.br
V.C.