Tempo: Ilhas de calor seqüestram chuvas de mananciais e represas

Fenômeno ocorre nas regiões impermeabilizadas onde antes predominava vegetação. Resultados são fortes chuvas e alagamentos

sáb, 20/03/2004 - 14h06 | Do Portal do Governo

Temporais, raios e granizo. São as águas de março, que além de fechar o verão – como na canção de Tom Jobim – alagam ruas e avenidas do Vale do Anhangabaú, transbordam os rios Tietê e Tamanduateí, chegando até o Brás e na Mooca. Por que chove mais no centro e na zona leste e menos nas represas Billings, Guarapiranga e no Sistema Cantareira?

A explicação dos cientistas para o fenômeno que ocorre todos os anos é o chamado efeito ilhas de calor, formadas pela excessiva pavimentação e verticalização urbana. São responsáveis por atrair as fortes chuvas para as regiões onde há excesso de construções e a vegetação cedeu lugar ao concreto e edificações, deixando o solo impermeabilizado.

“As ilhas de calor fazem chover no lugar errado. Onde precisa, não chove. Em vez de a água chegar aos reservatórios, vai formar alagamentos e enchentes na cidade. Isso acontece porque elas seqüestram a umidade vinda do mar e afastam as chuvas das represas. Por isso, a chuva fica aprisionada nas ruas e avenidas das áreas urbanas pouco arborizadas”, explica o geógrafo Luiz Mauro Barbosa, diretor-geral do Instituto de Botânica, vinculado à Secretaria do Meio Ambiente.

Pouca chuva no norte e sul – Há uma justificativa para a contradição de se ter enchentes e alagamentos de ruas e ao mesmo tempo esvaziamento dos reservatórios. “As ilhas de calor estão localizadas bem na rota da brisa marítima, que traz a umidade fundamental para fazer chover. O ar úmido que entra na região metropolitana pelo sudeste não vai longe. Logo encontra, na fronteira entre as regiões central e leste da capital, temperaturas que, no verão, chegam a ser 5ºC superiores às registradas nos mananciais”, observa.

Barbosa explica que as partículas de ar quente têm mais energia cinética (de movimento) e por isso tendem a se deslocar mais vezes e mais rapidamente para as camadas altas da atmosfera, carregando a umidade e a brisa. Ao entrar em contato com temperaturas mais frias, a umidade se condensa e forma as chuvas fortes. Por isso, o calor e as chuvas são mais intensos na região central e zona leste do que nas áreas de mananciais.

“Quanto mais quente o ar, mais ele sobe. Quanto mais ele sobe, maior a instabilidade atmosférica e a tendência a temporais, raios e granizo. Quanto mais umidade é consumida nas tempestades que caem nas próprias ilhas de calor ou nas áreas próximas, menos sobra para se deslocar e provocar chuvas nos extremos norte e sul”, ressalta.

Menos árvores, mais calor – Asfalto, prédios, ausência de árvores e lagos, queima de combustível por veículos automotores e indústrias, além do processo de resfriamento de ar-condicionado, levam São Paulo a ser identificada como uma ilha de calor ou um deserto artificial.

Isso ocorre porque nas áreas centrais os automóveis e as indústrias lançam poluentes, que provocam o aumento da temperatura. O concreto e o asfalto absorvem rapidamente o calor, cuja dispersão é dificultada pela poluição.

Nos espaços altamente urbanizados, é significativa a diferença de temperatura entre a região central, mais quente, e a periferia, com calor menos intenso (observe no mapa). Em alguns casos, a diferença pode chegar a 10ºC. A Praça da Sé pode registrar 33ºC enquanto, no mesmo momento, o Jardim Botânico (uma ilha de conforto térmico) marca 23ºC.

As oscilações bruscas de temperatura são reflexo das ilhas de calor. Em dias quentes, as cidades se aquecem mais que o esperado. E, com a chegada das frentes frias incomuns no verão, o sobe-e-desce dos termômetros ganha proporção gigantesca.

O geógrafo diz que as variações climáticas, cada vez mais freqüentes, resultam da urbanização desenfreada e da construção de prédios e arranha-céus que impedem os ventos de refrescarem as regiões centrais.

Estratégias de combate

Pesquisas e trabalhos de campo indicam que uma das formas de evitar a formação desse fenômeno é a manutenção de áreas verdes nos centros urbanos. “Considerada espaço de conforto térmico, a vegetação altera os índices de reflexão do calor e favorece a manutenção da umidade relativa do ar”, conclui Barbosa.

Plantar árvores em locais estratégicos e criar projetos de planejamento urbano, que contemplem mais áreas verdes e menos concreto e superfícies pavimentadas, podem ser alternativas para combater os efeitos das ilhas de calor.

Claudeci Martins, da Agência Imprensa Oficial