Saúde: Portadores do vírus HIV dispõem de hospital especializado em Botucatu

Equipe multidisciplinar dá atendimento especializado no hospital-dia

sex, 08/10/2004 - 9h38 | Do Portal do Governo

Desde o mês passado, está em funcionamento o primeiro hospital-dia do interior de São Paulo especializado no tratamento de portadores do HIV/aids. A nova unidade faz parte do complexo hospitalar da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu, e destina-se aos pacientes que antes eram atendidos no Hospital das Clínicas da instituição. A maior parte dos pacientes são moradores das regiões centro-oeste e sudeste do Estado. Imunologista e precursor no atendimento da aids em São Paulo, o diretor-técnico do novo hospital, dr. Domingos Alves Meira, foi o primeiro dirigente do HC de Botucatu, cargo que assumiu há 30 anos.

Professor emérito da Faculdade de Medicina da cidade, continua lecionando na instituição, na área de doenças tropicais. Para o médico, entre os fatores responsáveis pelo sucesso do Programa Nacional de Aids do Brasil – considerado modelo por especialistas de várias partes do mundo – merecem destaque a difusão da terapia anti-retroviral e do tratamento nos chamados hospitais-dia. Graças a medidas como essas, nos últimos dez anos o índice de mortalidade dos portadores do vírus foi reduzido em 50%, no País. Segundo dados do mês de julho, a taxa de incidência da doença é de 0,35 por 100 mil habitantes.

Melhor atendimento, menor custo – A estratégia de criação e organização dos hospitais-dia no Brasil foi adotada na década de 90, numa iniciativa do Ministério da Saúde, como parte do Programa Nacional de Aids. A proposta surgiu depois da introdução da terapia anti-retroviral – também conhecida como coquetel e sistema tríplice – em março de 1996, quando ficou estabelecido que qualquer indivíduo infectado teria assegurada a possibilidade de receber esse serviço gratuitamente.

“Antes, a maioria ocupava os leitos dos hospitais até morrer. Com o tratamento anti-retroviral, os infectados passaram a ter sobrevida maior e em melhores condições, não precisando ficar internados. Hoje, existem pacientes que, apesar de terem contraído o vírus da aids há 15 anos, levam uma vida normal, inclusive atuando profissionalmente”, informa o dr. Meira.

Segundo a proposta do Ministério da Saúde, era preciso criar hospitais-dia para dar atenção múltipla a esses usuários, com baixo custo e de forma digna. “Os doentes não podiam mais ficar nas salas de espera dos hospitais porque eram discriminados pelos pacientes de outras especialidades”.

O hospital-dia funciona como uma clínica de múltiplas necessidades direcionada a determinada área de atendimento, sem precisar dispor dos recursos humanos e equipamentos de um hospital tradicional. Isso, porque a pessoa permanece internada somente por algumas horas, retornando para consultas mensais ou, excepcionalmente, em casos de emergência. Portanto, o serviço pode ser ampliado e dinamizado com custo operacional menor e melhores condições de trabalho.

Outra vantagem é que ocupam menos espaço do que os convencionais. Não dispõem de serviço noturno, produção de vapor 24 horas por dia, armazenamento e distribuição de gás, unidade geradora para assegurar fornecimento de energia, cozinha, rouparia e unidades emergenciais de UTI e pronto-socorro.

Hospital-escola para a comunidade – Instalados numa área de 1,2 mil metros quadrados, cedida pela Fundação para o Desenvolvimento Médico Hospitalar, os dois prédios, de linhas arquitetônicas modernas, foram construídos no prazo recorde de um ano, graças aos recursos providenciados pelo governo do Estado e a parceria da Faculdade de Medicina de Botucatu com a Fundação Bons Ares (ONG mantida por grupos comunitários da cidade). Essa nova unidade possibilita o atendimento de até 2,4 mil pacientes por mês, número superior aos 80 do antigo ambulatório.

O hospital-dia funciona, também, como centro de ensino e treinamento para alunos de graduação de medicina e enfermagem, dos cursos de pós-graduação e aprimoramento, e para os residentes do Programa de Doenças Infecciosas e Parasitárias. “Os estudantes terão contato com mais pessoas, inseridos num ambiente com melhores recursos para um serviço de qualidade, onde são desenvolvidos programas que visam a proporcionar apoio integral”, explica a dra. Marilza Vieira Cunha Rudge, diretora da Faculdade de Medicina de Botucatu.

Além disso, há um Núcleo de Apoio à Prevenção da Aids com o objetivo de desenvolver três projetos na área social. “O primeiro será para a educação sobre a doença e dedicado aos professores de educação infantil das escolas pública e privada da região; o outro para a redução de danos, destinado aos usuários de drogas injetáveis endovenosas, com distribuição de seringas descartáveis; e o terceiro, voltado à reinserção dos portadores de HIV/aids na comunidade e no mercado de trabalho.

Equipe multidisciplinar – Ao chegar ao hospital-dia, o paciente passa inicialmente pela sala de pré-consulta. Daí, é encaminhado para serviço em consultórios especializados. É atendido por uma equipe multidisciplinar de profissionais formada por médicos, enfermeiras, dentistas, terapeuta ocupacional, psicóloga, assistente social e fisioterapeuta. Selecionados por concurso, eles passaram por estágio no antigo ambulatório do HC. Depois, no próprio local, receberam treinamento sobre os aspectos da aids em recém-nascidos, crianças, gestantes, idosos, adolescentes, programas ligados à transmissão materno-infantil, pré-natal, psicologia, assistência social e questões éticas.

Numa sala apropriada, os pacientes passam por sessões de fisioterapia e ginástica para tratamento de dislipidemia – perda de massa muscular e a formação de depósitos de gordura decorrentes da medicação. Na farmácia, recebem gratuitamente os remédios para o tratamento.

O dr. Meira chama a atenção para um detalhe importante: “Aqui, muitos não revelam a cidade em que moram para não serem discriminados, principalmente se forem mulheres. Enquanto o homem é, de certa forma, protegido, as mulheres costumam ser discriminadas até mesmo por suas próprias famílias”.

A maioria dos pacientes mora em municípios distantes e tem de viajar de ônibus ao hospital. Muitos saem de casa às 4 horas da manhã, para chegar às 7 horas. Se precisarem esperar, terão à disposição copa para preparar lanches, sala de vídeo e outras comodidades. “Temos condição de prestar um serviço até melhor do que é feito em qualquer outro hospital”, afirma o professor e infectologista Ricardo Augusto Monteiro de Barros Almeida, um do responsáveis pela administração.

Pacientes aprovam iniciativa

O cabeleireiro João, 48 anos, reside e trabalha em Avaré. Faz o tratamento há seis anos com AZT e mais cinco comprimidos do coquetel, duas vezes por dia. Agora está sendo atendido no hospital-dia. “Estou começando o tratamento aqui e estou sendo bem aceito. No ambulatório do HC, ficava constrangido por ser portador de HIV. Agora, tenho o privilégio de desfrutar destes serviços. Antes, eu vinha a cada três meses, sempre às quintas-feiras. Hoje, posso escolher dia e horário. Acho que esta instituição não fica devendo nada a nenhuma outra de qualquer país do mundo. Se eu já era bem tratado, acho que daqui pra frente será muito melhor.”

Cristina, 35 anos, doméstica, está desempregada desde que se sentiu mal no serviço e sua patroa a encaminhou para o hospital. Ela faz tratamento há seis meses, e seu marido, também portador do vírus, está preso. Cristina perdeu gêmeos no oitavo mês de gestação. Nasceram com má-formação. “Aqui é muito melhor, não vou ser discriminada. No ambulatório, as pessoas ficavam olhando, parecia que estava escrito aids na minha testa. Além do mais, se eu me sentir mal, sei que posso vir em qualquer dia.”

Centro de referência em biologia molecular

Os medicamentos para aids têm indicações específicas e exigem acompanhamento complexo. Para isso, o hospital-dia tem serviços laboratoriais do hemocentro do Hospital das Clínicas de Botucatu, no qual os materiais contaminantes são guardados e analisados com segurança em aparelhos modernos, incluindo um freezer a 70 graus centígrados negativos. Para trabalhar nesse núcleo especializado, os técnicos precisam ter alto nível de capacitação e, no mínimo, curso de mestrado na sua especialidade. Também é um laboratório de referência em biologia molecular, um dos melhores do País.

Totalmente informatizado, tem equipamentos importados de última geração, como um citômetro de fluxo, que orienta a equipe médica na dosagem da medicação anti-retroviral.

“Com esse aparelho, os pacientes passaram a ser monitorados pela carga viral”, explica uma das diretoras, a médica especialista em biossegurança Elenice Defune. O hemocentro faz parte do projeto Genoma Vírus, coordenado pela Fapesp e, desde 1997, o seu laboratório está conectado on-line com o Ministério da Saúde, o que torna mais rápida a realização dos procedimentos clínicos .

População da zona leste de São Paulo
é a que tem mais dúvidas sobre aids

A região da cidade de São Paulo cuja população tem mais dúvidas sobre doenças sexualmente transmissíveis e aids é a zona leste. A informação é da Secretaria de Estado da Saúde com base nas consultas telefônicas ao Disque-DST/Aids (0800-16-25-50), trabalho anônimo e gratuito de orientação à população de todo o Brasil. Serviço pioneiro dessa natureza criado na América Latina – e também a primeira ação governamental no combate à aids, no início da década de 80 –, o Disque-DST/Aids tira dúvidas sobre doenças sexualmente transmissíveis, com total sigilo e segurança, de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas. Nos fins de semana e à noite, o atendimento é eletrônico.

Das 9,6 mil ligações recebidas nos últimos 12 meses, 18,5% vieram da zona leste da capital. Cerca de 22% dos usuários preferiram não responder de onde telefonavam. As perguntas mais freqüentes são relacionadas com os locais para se fazer o teste de HIV, informações gerais sobre formas de transmissão da doença, e se é possível se contaminar com a prática do sexo oral. Outro questionamento recorrente nesses contatos telefônicos é sobre a duração do período em que o vírus HIV não é detectado no exame laboratorial.

SERVIÇO
O hospital fica na Alameda dos Cedrinhos, 54 – em frente à praça rotatória de acesso ao câmpus da Unesp de Botucatu – distrito de Rubião Júnior.
Funciona de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas.
Telefone: (14) – 9631-6519

Márcia Bitencourt
Da Agência Imprensa Oficial