Saúde: Leitor não compreende o que lê nas bulas de remédios

Pesquisadora da Unesp analisou 25 bulas de remédios para tratamento de rinite

sex, 27/02/2004 - 10h24 | Do Portal do Governo

Palavras como ‘flatulência’ e ‘eritema’, encontradas nas bulas dos remédios, poderiam ser substituídas, respectivamente, por ‘gases’ e ‘manchas vermelhas na pele’. Isto, é claro, se houvesse a preocupação do setor farmacêutico em tornar as orientações do uso dos medicamentos mais legíveis e exatas. Infelizmente, isso não acontece. A constatação está na pesquisa das médicas Aracy Balbani, pesquisadora da Faculdade de Medicina da UNESP, campus de Botucatu, e Mônica Menon-Miyake, da USP, publicada na Revista Brasileira de Alergia e Imunopatologia, em 2003.

No lugar de texto claro, objetivo, com palavras simples e de fácil compreensão, foram encontrados termos científicos e técnicos escritos com letras minúsculas. O estudo avaliou 25 bulas de remédios para tratamento de rinite alérgica. Os resultados representam um alerta às autoridades sanitárias: 72% eram grafadas com letras minúsculas, 50% não mencionavam interferências da medicação em exames de laboratório e 52% não tinham qualquer menção ao uso por parte de idosos. ‘Um exemplo gritante da despreocupação de melhorar a comunicação com os usuários ocorreu em dois casos, nos quais a utilização da sigla SNC (Sistema Nervoso Central) não aparece por extenso’, afirma Aracy.

Mas as dificuldades não se limitam à forma de linguagem. Foram identificadas informações contraditórias contidas em bulas de dois medicamentos com o mesmo princípio ativo e concentração. ‘Um fabricante fala que a administração do remédio não deve ultrapassar três dias, e o concorrente fala em duas semanas. Quem está certo?’, questiona Aracy.

A pesquisa é divulgada no momento em que uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, prevista para vigorar a partir de março, estabelece novas exigências para as bulas. Ao longo do ano, deverão ser modificadas as bulas dos remédios vendidos no Brasil. Para o supervisor da pesquisa, o docente da FM Jair Montovani, é importante que haja fiscalização para que as novas bulas efetivamente cumpram a sua finalidade.

Para Aracy, a omissão de dados sobre contra-indicações, interações medicamentosas ou efeitos colaterais expõe os pacientes a riscos significativos de intoxicações e outras complicações durante o tratamento. ‘O problema é agravado pelo péssimo hábito de os médicos não lerem as bulas dos medicamentos que prescrevem a seus pacientes’, acrescenta.

A pesquisadora da UNESP também ouviu alguns usuários. Dos 102 entrevistados na cidade de Tatuí, Interior de São Paulo, 65% afirmam que lêem sempre as bulas por inteiro e 41% apenas parte delas, como indicação, contra-indicação e reações adversas. ‘O fato é que mesmo pessoas com grau de instrução de nível superior não lêem porque não entendem o que está escrito’, afirma a pesquisadora.

Segundo as pesquisadoras, essa situação não ocorre apenas no Brasil. Mesmo nos EUA, pesquisas identificam que 25% das complicações graves do uso de medicamentos decorrem de engano na identificação da embalagem e da incompreensão das instruções da bula. No Canadá, de 325 entrevistados, 67% expressaram dificuldade na leitura das bulas, sendo que os idosos teriam maiores problemas de leitura e compreensão das indicações para melhor utilização dos remédios.

Uma questão importante envolve os responsáveis pela redação e aprovação dos textos das bulas. A tarefa geralmente envolve médicos, farmacêuticos, membros dos departamentos jurídico e de marketing das indústrias farmacêuticas. ‘É preciso que os laboratórios invistam para transformar as bulas em um meio eficaz de comunicação com os consumidores dos medicamentos’, acredita Aracy.

Mais informações podem ser obtidas no site www.unesp.br
V.C.