Saúde: Gestação múltipla tem relação com nível socioeconômico

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seg, 22/09/2003 - 12h10 | Do Portal do Governo

Um enfermeiro que trabalhe numa maternidade pode ver suas chances de cuidar de gêmeos ou trigêmeos aumentada se estiver empregado num hospital que atenda a pessoas mais ricas. Essa é uma das conclusões de um estudo conduzido pela professora Glória Maria Duccini Dal Colletto, do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP.

Ela analisou a ocorrência de gestações múltiplas em quatro hospitais da cidade de São Paulo, que atendem desde gestantes carentes até mães com alta escolaridade e poder aquisitivo, e constatou que a taxa desses nascimentos aumentou sensivelmente nos hospitais que atendem a pessoas com maiores recursos financeiros.

Os dados dos nascimentos são dos anos de 1990, 1996 e 1999. Para o estudo foram escolhidos os hospitais Amparo Maternal, Servidor Público Estadual, Santa Catarina e Albert Einstein, em ordem crescente de melhora do nível socioeconômico de seus pacientes. Para efeito de comparação, o levantamento mostrou que, se no começo dos anos 90 o Hospital Albert Einstein registrava proporcionalmente quase o dobro de nascimentos de gêmeos computados no Amparo Maternal (0,85% contra 1,41%), no final da década essa diferença havia quadruplicado (0,73% e 2,94%).

A razão para isso, segundo Glória, estaria no fato de que as mães de maior poder aquisitivo têm acesso às técnicas de fertilização assistida, ainda de elevado custo financeiro. ‘Essas técnicas, como a ingestão de hormônios que estimulam a gravidez e a fertilização in vitro, influenciam na ocorrência de gestações múltiplas’. Desta forma, segundo a pesquisadora, a taxa de nascimentos gemelares registrada no Amparo Maternal representaria assim a taxa ‘real’ da ocorrência desses nascimentos, pois esse hospital atende ‘a uma população que não tem recursos para bancar esse tipo de tratamento, e o Estado também não o faz.’ No outro extremo, o Albert Einstein possui um Centro de Reprodução Humana. ‘A taxa de gêmeos na média geral já não é uma taxa natural’, completa.

Mães tardias

A pesquisa reforça uma tendência mundial que vem se observando nas últimas décadas: o aumento da ocorrência de gestações múltiplas. Nos Estados Unidos, por exemplo, essa taxa, que era de 1,85% em 1971, hoje chega a aproximadamente 3% de todas as gestações. Além do aumento do uso de tratamentos para infertilidade, outro fator que também influencia a gestação de múltiplos é o deslocamento da idade materna para faixas etárias mais avançadas. Segundo Glória, ‘as mulheres estão cada vez mais inseridas no mercado profissional, e deixando para ser mães mais tarde’.

‘A gravidez de gêmeos apresenta riscos maiores que a gestação de únicos’, explica a pesquisadora. Segundo ela, as crianças nascem mais cedo e menores, com alguns dos problemas dos prematuros e, segundo um estudo americano, apresentam maior morbidade até os cinco anos de idade. ‘Portanto, são mais problemáticas do ponto de vista de cuidados com a saúde’, diz Glória. Daí a importância do levantamento feito por ela. ‘Os médicos precisam ter um pouco mais de cuidado com este tipo de gestação’, alerta.

Para se ter uma idéia, Glória analisou a distribuição dos pesos das crianças ao nascer. Verificou-se que a proporção de únicos nascidos com peso inferior a 2.500 gramas (considerado baixo) e 1.500 gramas (muito baixo) variou de 8,1% no Amparo Maternal a 4,6% no Albert Einstein. Já no caso dos gêmeos, a proporção de crianças nascidas abaixo do peso ideal se mostrou bem alta e foi praticamente a mesma nesses dois hospitais (61,3%). Isso mostra que, mesmo com o aumento do nível socioeconômico, não houve diminuição do maior risco representado pela gestação de mais de uma criança.

Da Agência de Notícias da USP
Francisco Angelo

V.C.