Reeducandos do Centro de Ressocialização de Sumaré buscam alternativas de trabalho

Cerca de 98% dos reeducandos trabalham nas oficinas instaladas no complexo prisional. Também desenvolvem atividades manuais como crochê e tapeçaria

qui, 27/01/2005 - 11h02 | Do Portal do Governo

Da Agência Imprensa Oficial
Por Regina Amábile

Em janeiro, as empresas entram em recesso de férias. Para os 203 reeducandos do Centro de Ressocialização (CR) de Sumaré não é problema. Acostumados a trabalhar diariamente, procuram atividades manuais para preencher o tempo, enquanto as empresas que oferecem trabalho dentro da unidade prisional estão de férias.

E a criatividade impressiona. Carrinhos feitos de garrafa plástica, casinhas produzidas com palitos de sorvete, redes de barbante e uma infinidade de peças em crochê e tapeçaria. Os trabalhos ficam espalhados nas oficinas e mesmo dentro dos alojamentos.

Caminhar pelo CR é como estar numa escola de artes. Quadros sendo pintados completam o ambiente. Nos corredores, nem uma bituca de cigarro jogada no chão. A disciplina é inquestionável.

E os reeducandos comportam-se como se fizessem parte de uma grande família. Orgulhosos fazem questão de mostrar os trabalhos de seus companheiros. Aquele que sabe mais ensina os outros. Lá, toda habilidade é aproveitada.

Arley Rodrigues Sanches, 29 anos, está no CR há três meses. Trabalha na Artefatos de Metal Teresópolis (AMT), que produz bijuterias na oficina instalada para os reeducandos. “Tenho estudo e tenho uma família estruturada. Enquanto a empresa está de férias, estou fazendo tapetes de crochê para presentear minha esposa e minha ex-patroa, que sempre me apoiaram. Graças a Deus, eu terei um emprego me esperando quando sair”, conta Arley. Motivo da prisão: estava junto com um colega que carregava cerca de cinco gramas de cocaína. Os dois foram condenados pelo artigo 12 (tráfico) e Arley deverá cumprir quatro anos de reclusão.

Ele conta que era apenas usuário de droga, trabalhava há seis anos na mesma empresa como técnico montador em linha hidráulica pneumática, tinha ótimo salário e nunca precisou traficar. A própria ex-patroa foi testemunha de defesa em sua audiência, porém o juiz julgou que, pela quantidade apreendida, os dois estavam comercializando a droga.

Enquanto Arley faz crochê, José Luiz Dias dos Santos, 45 anos, preso no CR há sete meses, prepara redes de descanso com barbante. Herdou a habilidade de sua família, que sempre fez redes de pesca. Cada peça custa R$ 50,00. “Se eu pegar pra fazer a rede de manhã, à noite está pronta”, orgulha-se José, que envia sua produção para a família comercializar.

Parcerias com o Terceiro Setor

Os centros de ressocialização contam com parcerias feitas entre a Secretaria da Administração Penitenciária e organizações não-governamentais. Nos 20 Centros de Ressocialização existentes em São Paulo, o índice de reincidência é baixíssimo e são mínimas as ocorrências de fugas.

Além da participação efetiva da comunidade, do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil na administração compartilhada, cabe à ONG proporcionar aos reeducandos assistência material, educacional, social, psicológica, médica, jurídica, religiosa e laborterápica. O Estado fica responsável pela manutenção da segurança e da disciplina na unidade.

Os CRs recebem presos dos regimes fechado, semi-aberto e provisório. Um preso em uma unidade convencional custa ao Estado R$ 671,70. Nos Centros, a manutenção de cada reeducando não ultrapassa 2/3 dessa quantia.

O funcionamento de um centro de ressocialização é tão diferenciado que os reeducandos costumam falar como se a unidade não fizesse parte do sistema penitenciário. “Eu passei pelo sistema antes de vir para cá. Fiquei preso cinco meses em Andradina. Aqui é o céu e o sistema, o inferno. No CR, não se ouve ninguém falando em roubar. Só em continuar trabalhando”, declarou Adilton Silva Gonçalves, 39 anos, que está no CR de Sumaré há um ano. Condenado pelo artigo 12, aproveita o mês de folga no ofício para adquirir “conhecimento geral”, lendo, na biblioteca, um volume da enciclopédia Ciência Ilustrada.

“Eles dão apoio em tudo. No CR, você ganha a família de volta. Minha esposa também foi presa. Depois, foi pra Rondônia porque o dinheiro acabou e ela precisou morar com a minha sogra. A APAC ajudou a trazê-la e minha filha de três anos aqui para Sumaré”, conta Adilton, funcionário da oficina de peças da empresa Excel.

O ex-funcionário público, André Dantas, que antes estava preso na Penitenciária de Hortolândia, compara: “Aqui tem mais dignidade. Você tem liberdade para trabalhar. Aqui temos até a academia, que é importante para resgatar nossa auto-estima. Eu trabalho na cozinha, faço o almoço, venho para a academia e depois volto para preparar o jantar”.

A diretora do CR de Sumaré, Maura Batista da Cruz, diz que a diferença é gritante. “Em uma penitenciária você tem uma população de mil presos, com 10% de ocupação. Aqui temos cerca de 98% dos reeducandos trabalhando. No CR, você vê o resultado da recuperação. Buscamos ajudar as famílias. Se o detento está preocupado com a família que está passando fome na rua, vai tentar fugir”, conta Maura, que antes trabalhava como diretora de reabilitação em uma penitenciária de Franco da Rocha.

“O que segura o reeducando aqui é a responsabilidade e o comprometimento com o cumprimento da pena. A própria estrutura daqui lembra uma escola”, acrescentou Robson Moreira, presidente da Associação de Proteção e Assistência Carcerária (APAC) de Sumaré, a ONG que administra o Centro.

O ex-cobrador de ônibus, René de Almeida Neto, acredita que agora tem mais chance de arrumar um emprego. “Aqui só não é melhor porque não estou na rua”. Ele trabalha na AMT e adquiriu uma habilidade surpreendente: em uma única semana é capaz de produzir 400 pulseiras.

Outro reeducando que conquistou novas habilidades foi Marcio Valdemir Pineda, 32 anos. Antes era vendedor ambulante e agora trabalha no acabamento de roupas da confecção Dulipe. Nas horas vagas, faz casinhas com palitos de sorvete.

Marcelo Silva, 29 anos, está no CR há nove meses. Esteve no Cadeião Público de Itapetininga por três meses. Ele resume a diferença: “Aqui é 1.000% melhor. Os funcionários prestam um bom atendimento. Aprendemos várias profissões e temos oportunidade de entrar no mercado de trabalho. Quando sairmos, é só continuar trabalhando”.

A explicação para o bom atendimento aparece com a declaração de Silvio Donizeti de Araújo, diretor de disciplina: “O funcionário não deve apenas vestir a camisa, precisa ter a filosofia do Centro de Ressocialização na pele”.

Esperando a visita – As normas estão devidamente registradas no Regimento Interno do CR. São 20 páginas que estabelecem, até mesmo, o horário dos cultos religiosos. O objetivo é respeitar a individualidade e os direitos de todos os reeducandos.

No dia da visita, a cooperação é fundamental. Os familiares e amigos podem passar o dia na unidade. No Natal, por exemplo, cada reeducando teve direito a uma mesa para receber seus convidados, como em um buffet. O cardápio incluiu leitoa, tênder, peru, picanha, maminha e carneiro. As crianças ganharam brinquedos.

Para receber visita íntima a organização é diferente. Os reeducandos que não receberão suas parceiras ficam em uma sala, onde podem assistir aos filmes locados pela direção da unidade. Eles se esforçam para manter a privacidade de seus companheiros de alojamento, que precisam improvisar cabanas em seus dormitórios.

Devolvendo a oportunidade – “Aqui tenho a oportunidade que eu esperava para mudar a minha vida. Entro no trabalho às 7 e saio às 17 horas. Quando sair, vou tentar construir uma família de novo e voltar para a sociedade”, diz Moisés Belmonte da Silva, 20 anos, condenado a cinco anos e quatro meses por roubo.

Para Joel Santos de Andrade, 35 anos, no CR há 4 meses, a iniciativa tem ajudado muitas pessoas: “Aqui a gente tem outro tipo de vida. Os funcionários nos tratam como seres humanos. A família é muito bem recebida aqui. É tudo excelente, desde a alimentação até a assistência judiciária e médica. Não temos como reclamar de nada”. Condenado a cumprir 24 anos por assalto, já esteve preso na Penitenciária de Itapetininga.

José Dolores Rodrigues Neto, 23 anos, está no CR há um mês. Foi condenado a cumprir cinco anos e oito meses. Para ele, que esteve preso em Casa Branca por seis meses, o CR é muito diferente: “Lá não é uma pessoa que quer voltar para a sociedade. O salário mínimo que recebo aqui me ajuda bastante. Eu envio o dinheiro para ajudar minha filha de oito anos. Quando sair, quero me formar em enfermagem”.

Moisés, Joel e José trabalham na lavanderia que cuida da roupa de vários hotéis e motéis da região. Lavam, passam e embalam até duas mil peças por dia. Além do salário, todos têm direito a remição da pena: a cada três dias de trabalho, um dia a menos no sistema penitenciário.

O ex-reeducando Marcelo Dornela, 33 anos, quer voltar. Esteve preso no CR por um ano e três meses. Planeja montar uma confecção dentro da unidade para dar oportunidade a outros reeducandos. “Quando eu estive preso, comecei a trabalhar no segundo dia. Até as minhas últimas horas aqui passei trabalhando”, lembra Dornela.

Saíram 50, voltaram 55 – Para manter a disciplina, uma das medidas adotadas é a proibição de comércio de qualquer tipo no local. Quem produz uma peça de artesanato e deseja vendê-la para outro reeducando, precisa preencher formulário explicando o motivo da negociação. O objetivo é evitar que os reeducandos estabeleçam relações como pagar para que alguém cuide de suas roupas.

Uma pequena loja, mantida pela APAC, oferece mercadorias, a preço de custo, para os reeducandos. O valor das compras é descontado de seus salários. Além de refrigerante e cigarro, outro produto bastante vendido é o pote de sorvete. Muitos reeducandos compram para comerem com suas famílias no dia da visita.

Enquanto a sociedade se preocupa com os presos que recebem o indulto de Natal, o CR apresenta uma situação bem interessante. No último Natal, 50 reeducandos puderam passar o feriado com as famílias em suas casas. O curioso é que, no dia do retorno, 55 se apresentaram. “Eles procuram nossa unidade porque sabem que temos uma eficiente assistência judiciária”, explica o diretor da APAC de Sumaré.

Outro atrativo do CR é que há trabalho para todos. Mesmo os reeducandos provisórios (aqueles que ainda não foram julgados e que, pela lei, não precisam trabalhar) exercem alguma função na unidade. “Se não corresponder a confiança, nós transferimos na hora. Não queremos contaminar o ambiente e ainda serve de exemplo”, conta Robson, comemorando que 10 reeducandos que conquistaram a liberdade foram contratados pelas empresas onde prestavam serviço nas oficinas.

SERVIÇO: O Centro de Ressocialização de Sumaré fica na Avenida da Saudade, s/nº, no Horto Florestal, em Sumaré.

(LRK)