Programa pretende resgatar região de São Roque como a ‘Terra do Vinho’

Produtores da Sociedade Paulista de Vitivinicultura contam com o apoio do governo do Estado e da Fiesp

sex, 01/04/2005 - 20h54 | Do Portal do Governo

A Estância Turística de São Roque deteve, por mais de 60 anos, o título de maior produtora de vinho no Estado de São Paulo. Desde a década de 70, no entanto, a especulação imobiliária e a falta de interesse em desenvolver novas variedades de uvas, entre outros fatores, fizeram com que das 130 vinícolas instaladas na região restassem apenas 13. Agora, inserida no Programa Vitivinícola Paulista (Pró-Vinho), a cidade quer recuperar a sua imagem de Terra do Vinho. O Pró-Vinho é uma iniciativa do governo, estabelecida em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) com o objetivo de fortalecer e modernizar a atividade vitivinícola paulista.

Entre as atividades econômicas, a vitivinicultura é a que mais caracteriza o polígono regional formado pelos municípios de São Miguel Arcanjo, Capão Bonito, Cabreúva, Itupeva, Valinhos, Vinhedo, Louveira, Jundiaí, Jarinu, Cajamar, Ibiúna, Piedade, Pilar do Sul, e, notadamente, São Roque, sede do projeto. O primeiro incentivo para os produtores veio do governo, que reduziu o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de 25% para 12% para a indústria. A medida torna o Estado mais competitivo diante de outras regiões, uma vez que o vinho paulista vem perdendo terreno para os produtos do Sul do País, com participação de 97% do mercado.

Apta e Fiesp

O secretário da Agricultura e Abastecimento, Duarte Nogueira, oficializou o programa, designando a Agência Paulista de Tecnologia Agrícola (Apta), em São Roque, para apoiar a iniciativa. A agência, braço do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), promoverá estudos sobre quais espécies têm melhores condições de desenvolvimento na região. Além disso, agrônomos vão orientar os agricultores no plantio dos tipos de uva que melhor se adaptam ao solo do local.

De acordo com o chefe da Apta de São Roque, o engenheiro-agrônomo Issao Ishimura, estão sendo testadas mais de 200 variedades de uvas de mesa, algumas no sistema de manejo orgânico (sem agrotóxicos). São espécies européias e americanas, algumas obtidas pelos próprios pesquisadores, como a IAC São Roque – para vinhos finos.

‘Os trabalhos de pesquisa e acompanhamento vão garantir culturas sadias e mais produtivas’, afirma Issao. Outra parceira no projeto, a Fiesp, tem parte na reestruturação e modernização da área vitivinícola, incentivando o desenvolvimento de novos produtos, sensibilizando empresários e criando oportunidades de negócios com estudo de mercado e aplicação de formas de comercialização e marketing. Os novos modelos de gestão alcançarão toda a cadeia produtiva, desde os fornecedores dos diferentes insumos para a atividade (adubos, defensivos, máquinas, rolhas, garrafas, embalagens, rótulos e decantadores), passando por instituições de ciência e tecnologia, propriedade agrícolas de plantio e comercialização, até chegar ao consumidor final.

Pólo regional

No município há mais variedades de uvas americanas e híbridas (de mesa), como a Seibel, a Niágara e a Isabel, para produção de vinhos comuns de mesa, vendidos a partir de R$ 3,50 a garrafa de 870 ml. Os finos são extraídos de uvas provenientes da Europa, como Cabernet e Riesling. Custam a partir de R$ 10,00 a garrafa de 750 ml. A produção envolve, ainda, todo o setor de derivados da fruta, incluindo vinagres, licores, aguardentes, doces, geléias, essências, aromatizantes, corantes, pigmentos, óleos essenciais, dermatológicos, esfoliantes, fitoterápicos, cosméticos, gastronômicos e fármacos.

O programa pretende agregar valor aos vinhos de mesa e licoroso, com forte tradição local, para torná-los marca reconhecida e respeitada no Brasil e no exterior. Outra medida do Pró-Vinho será criar o Núcleo Operacional de São Roque, um pólo vitivinícola regional, a exemplo dos que existem em outros países, equipado com escolas, indústrias, centros de pesquisa, laboratórios, centro de eventos, exposições, comércio e gastronomia.

O mercado brasileiro de vinhos finos representa o consumo de 60 milhões de litros por ano. Hoje, o País produz apenas 50% desse total, quase que inteiramente no Rio Grande do Sul. Fica claro que há margem para dobrar esse número. O Pró-Vinho quer obter no eixo São Roque/Jundiaí pelo menos parte dessa produção. ‘O que se pretende é aproveitar a oportunidade desse franco crescimento do segmento vitivinícola mundial para revitalizá-lo em solo paulista, que se encontra em estagnação’, informa Fausto Guilherme Longo, gerente de projetos especiais da Fiesp e presidente da Sociedade Paulista de Vitivinicultura (SPVinho).

Especulação imobiliária

Um dos motivos que contribuíram para a extinção dos parreirais foi a especulação imobiliária. Nos anos 60, São Roque, que era servida apenas pela Rodovia Raposo Tavares, passou a crescer demograficamente com a construção da Rodovia Castelo Branco. A demanda pela região serrana aumentou e suas terras passaram a ser valorizadas, principalmente pela proximidade da capital (60 km). As áreas mais valorizadas eram as encostas, e os novos donos extinguiam parreirais, transformando o local em chácaras.

Outro fator foi a competitividade no País, principalmente Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e suas ofertas de produto a granel em grande escala e preços baixos. Muitas indústrias se transformaram em engarrafadoras, importando a uva do Sul, que viajava até mil quilômetros para chegar a São Roque. Os municípios de Jundiaí, Vinhedo e Valinhos passaram, então, a produzir mais uvas de mesa, para o consumo in natura, pois havia, também, pouco interesse da parte do agricultor em desenvolver tecnologia, além da falta de apoio oficial na área técnica que deveria incluir a difusão de novas espécies e controle de pragas.

Terra do vinho

‘Um parreiral demanda pelo menos três anos para iniciar a frutificação. A estrutura agrícola direcionada para a fruta depende de investimento porque precisa da experiência, saber qual variedade deverá ser cultivada. Além dos conhecimentos técnicos, são necessários incentivos e abertura de linhas de crédito’, afirma o presidente do Sindicato da Indústria do Vinho de São Roque, Cláudio Góes. Há 66 anos em São Roque, a indústria Góes, da qual Cláudio é diretor, é uma exceção à regra.

Ao contrário da maioria das antigas vinícolas familiares, que estagnaram na região, a empresa procurou evoluir. Tem um restaurante requintado na cidade, além de filial no Rio Grande do Sul, onde é feito o Quinta Jubair, medalha de ouro no Hyatt Wine Awards, Concurso Nacional de Vinhos Finos. Um dos segredos foi a dinâmica na elaboração que deixou o sistema artesanal. ‘Para mantermos o padrão qualidade, temos um trabalho comercial bem elaborado e uma vinha-laboratório, para o desenvolvimento de novas espécies’.

Segundo Cláudio, os vitivinicultores paulistas estão animados, ansiosos por novas variedades. ‘Não temos a pretensão de sermos líderes de mercado na produção de vinhos finos no Brasil. O Estado do Rio Grande do Sul detém esse título e outro pólo forte está em Petrolina, no Vale do São Francisco. Queremos, sim, resgatar a imagem de Terra do Vinho e qualificar novos produtos que passarão a nos diferenciar. Para isso, devemos explorar a grande qualidade da bebida que temos há muito tempo: o vinho licoroso, reconhecido nacionalmente, e que não fica devendo nada aos estrangeiros’.

Para o presidente do Sindicato Rural de São Roque, Paulo Sabatini, também produtor, não é só da uva fina que se extrai bom vinho. ‘Os tradicionais de São Roque, feitos com uvas de mesa, deram o nome à cidade e se mantêm até hoje como de excelente qualidade, além de disporem de grande mercado. Seja com as uvas Niágara cultivadas aqui, com aroma e sabor especiais, que não se encontram em nenhum outro lugar do Brasil, ou com a moscatel ou outras, queremos obter uma bebida de qualidade internacional’, conclui Sabatini.


Produtor de vinhas especiais

Waldomiro Silveira Mello, fundador da Associação de Vitivinicultores da região de São Roque, estuda e desenvolve em sua chácara, no Bairro de Santa Quitéria, novos tipos de uvas. Além das videiras, cultiva os chamados ‘cavalos’, plantas rústicas enxertadas à parreira para dar suporte e fornecer água e nutrientes, e também adaptá-las às condições de solo e clima. ‘Cada variedade precisa de um tipo de porta-enxerto para evitar viroses como a ‘pérola da terra’, que ataca a raiz da planta e mata a parreira.’ Mello distribui as mudas, desenvolvidas pelo IAC, aos agricultores do município. ‘O que falta aos vinhateiros de São Roque é pesquisar novas tecnologias, entre elas as técnicas de enxerto para obtenção de vinhos melhores, como o bordeaux, por exemplo’.

Mello pesquisa em livros, herdados do pai, novas espécies para a obtenção de vinhos finos. ‘Antes, para produzir 30 toneladas de uvas eram necessários 10 mil pés. As recentes tecnologias permitem que você faça as mesmas 30 toneladas com 500 pés’, conta. Com os enxertos especiais, Mello desenvolveu 15 variedades e distribuiu 2,7 mil dessas mudas aos produtores da associação e escolas da região.

Marcia Bitencourt -Da Agência Imprensa Oficial
Fotos: Fernandes Dias Pereira