Pesquisa: Mortes e demissões podem funcionar como desencadeadores de psicoses

Estudo foi realizado pela psquiatra Maria das Graças de Oliveira da USP

seg, 29/08/2005 - 19h22 | Do Portal do Governo

Eventos traumáticos, como a perda de um parente próximo ou a demissão da pessoa que sustenta a família podem ser ainda mais problemáticos para aqueles que têm predisposição genética à esquizofrenia, ao transtorno bipolar e a outras doenças de fundo psiquiátrico.

‘Eventos estressantes aumentam em três vezes a possibilidade da ocorrência do primeiro surto psicótico nas pessoas que apresentam esta vulnerabilidade’, explica a psiquiatra Maria das Graças de Oliveira, que pesquisou o tema em seu doutorado, pelo Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).

Para chegar a esta conclusão, Maria das Graças cruzou dados de 110 pacientes que apresentaram primeiro episódio psicótico-afetivo (depressão com sintomas psicóticos ou transtorno afetivo bipolar) e do espectro da esquizofrenia com 110 pessoas da população geral que nunca apresentaram sintomas desta natureza. Comparando a história pessoal anterior ao primeiro surto daqueles que manifestaram estas doenças com a trajetória das pessoas do outro grupo, foi possível verificar a influência destes eventos no aparecimento das psicoses. ‘O estresse atuaria como um desencadeador do surto psicótico em pessoas que apresentam vulnerabilidade.’

Dentre os tipos de estresse considerados pela pesquisadora, ela destaca acontecimentos relacionados à família e ao trabalho como sendo os mais recorrentes. Para excluir a possibilidade de eventuais interferências da própria doença nos resultados, foram considerados apenas os eventos de vida completamente independentes do comportamento ou influência dos pacientes.

Se por um lado a pesquisa permite afirmar que estas situações estressantes aumentam em três vezes o risco da manifestação de surtos psicóticos em pessoas com esta predisposição, por outro lado, a recíproca não pode ser considerada com tanto rigor. Ou seja, passar por momentos extremos e não apresentar estes sintomas não significa que a pessoa esteja a salvo disso. ‘O máximo que se pode dizer é que ela estaria, a princípio, menos vulnerável do que a que adoeceu’, avisa Maria das Graças.

Ambiente

A pesquisadora acrescenta ainda que o estudo reforça a idéia de que o ambiente pode influenciar no desenvolvimento destas doenças, alinhando-se a diversas pesquisas na área. Estudos prospectivos vêm apresentando evidências de que as habilidades do ser humano em lidar com situações de estresse, assim como o apoio social que ele dispõe, possam atuar como agentes protetores. ‘Talvez a estimulação destas habilidades em pessoas sob risco de desenvolver estes transtornos diminua a probabilidade, ou mesmo atrase, o desencadeamento do primeiro surto psicótico, ou faça com que a evolução da doença seja melhor’, conclui.

O doutorado de Maria das Graças, que teve orientação do professor Paulo Rossi Menezes, do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP, contou com auxílio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Wellcome Trust, agência de fomento à pesquisa do Reino Unido. O estudo faz parte de um projeto colaborativo entre a USP e a Universidade de Londres, que pretende analisar casos incidentes de psicoses funcionais no Brasil, e é coordenado por Menezes e pelos professores Geraldo Busato e Márcia Scazufca, ambos da FMUSP. ‘É o maior estudo epidemiológico em psicoses já realizado na América Latina’, afirma a pesquisadora.

André Benevides da Agência USP
C.A.