Pesquisa: Idosos da Capital foram trabalhadores braçais e têm baixa escolaridade

Levantamento foi realizado por pesquisadores da USP e FAPESP

ter, 06/05/2003 - 12h40 | Do Portal do Governo

Da Revista da Fapesp
Por Marcos Pivetta

Nascida há 87 anos em Pedreira, cidade do interior paulista, Matilde Lazzari Zanardi nunca foi à escola. Sua irmã mais velha morreu cedo, e ela, ainda menina, teve de ajudar a mãe a tomar conta de seus nove irmãos mais novos. Enquanto eles estudavam, tinha de cuidar da casa. Além de se ocupar dos afazeres domésticos, tocava o trabalho na roça. Em 1940, após ter morado por um breve período no ABC paulista, retornou a Pedreira e ali se casou com Hugo Antonio Zanardi, com quem viria a ter um casal de filhos, Osvaldo e Maria Ivone. No dia seguinte ao matrimônio, o par mudou-se definitivamente para a cidade de São Paulo. Na capital, ambos trabalharam no setor têxtil. Ele como estampador. Ela como tecelã. Por volta dos 50 anos, Matilde, que aprendera a ler e escrever sozinha apesar de não ter freqüentado colégios, aposentou-se.

Mas, para reforçar o caixa e se manter na ativa, a descendente de italianos passou a comercializar jóias. ‘Ela visitava os clientes em casa e vendia artigos em ouro e prata’, lembra a arquiteta Liamara Milhan, 40 anos, neta de Matilde. A vida seguia seu curso natural no clã dos Zanardi, que moravam todos (pais, filhos e até netos) próximos uns dos outros em casas na Vila Prudente, bairro da Zona Leste de São Paulo. Até que, em 1984, o marido de Matilde, aos 70 anos, morreu de infarto. Mesmo com a perda, a aposentada (um salário mínimo de pensão) seguiu em frente. Em outubro de 98, um aneurisma cerebral, seguido de derrame, quase a fez tombar. Apesar da idade avançada, hoje se recupera do baque em casa, com a ajuda da família e dos remédios.

A trajetória dessa ex-tecelã serve, em grande medida, como testemunho da história de vida de uma parte significativa dos idosos que moram na capital paulista. Por ser mulher, ter pouco estudo, vir do meio rural, ser aposentada, ganhar pouco, ter exercidouma profissão braçal, morar com a família e depender de medicamentos – enfim, por tudo isso -, dona Matilde reúne algumas das principais características do contigente de quase 1 milhão de idosos que moram na maior e mais próspera metrópole brasileira. Pode-se dizer isso ao deparar com os principais resultados de um levantamento feito por pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) e com apoio da FAPESP.

Formalmente denominado Sabe (Saúde, bem-estar e envelhecimento), o trabalho traçou um retrato de quem são, como vivem e qual é o estado de saúde das pessoas com 60 anos ou mais que residiam no ano 2000 no município de São Paulo. Os moradores dessa faixa etária equivalem a 9,3% da população da capital paulista, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Eis alguns números fornecidos pelo estudo, que registrou uma idade média de 69 anos entre os idosos de São Paulo. Majoritárias na população total da metrópole, as mulheres são ainda mais fortemente representadas na terceira idade, respondendo por quase 60% dessa faixa etária. Um em cada cinco idosos nunca foi à escola e 60% estudaram menos de sete anos. Antes de terem se mudado para São Paulo, quase dois terços deles moraram no campo até os 15 anos de idade por um período não inferior a 60 meses. Em sua vida profissional, pouco mais de 75% dos idosos exerceram ocupações que lhes demandaram esforços predominantemente físicos. Os medicamentos são um companheiro de todas as horas e de quase todos: 87% usam algum remédio.

Dois terços da pessoas que atingiram a terceira idade têm um rendimento entre um e cinco salários mínimos, provenientes essencialmente de aposentadorias, visto que 80% delas não trabalham mais. Por fim, 86% dos idosos moram acompanhados, ao lado de alguém da família (cônjuge, filhos ou parentes). Dá para enxergar um quê de dona Matilde nos idosos de São Paulo?

Mais informações podem ser obtidas pelo site revistapesquisa.fapesp.br

V.C.