Pesquisa: Cidades do Interior já foram vanguarda cultural do Estado

Levantamento foi realizado por dez pesquisadores da Unesp de Franca

qui, 26/02/2004 - 8h01 | Do Portal do Governo

Para quem acredita que a Capital paulista foi sempre sinônimo de modernidade, é imprescindível ver o resultado do trabalho de dez pesquisadores da Unesp de Franca. O levantamento mostra, por exemplo, que a construção do Teatro Santa Clara, de Franca, é anterior à do Teatro Municipal de São Paulo. O de Franca foi fundado em 1874, enquanto o Teatro Municipal só foi inaugurado 29 anos depois. E, para completar, o teatro de Franca foi idealizado na prancheta do consagrado arquiteto Ramos de Azevedo, o mesmo que iria conceber o Municipal.

Outro exemplo: o Teatro Carlos Gomes, construído em 1897 na cidade de Ribeirão Preto. Durante algum tempo, foi o segundo maior do País, superado apenas pelo Teatro Amazonas.

“Pouca gente sabe, mas o cinematógrafo, inventado pelos franceses, em 1895, chegou à cidade de Araraquara em 1902, antes do que em muitas capitais brasileiras”, completa José Evaldo de Mello Doin, coordenador do trabalho.

Os resultados da pesquisa podem ser encontrados no livro Belle Époque caipira – período que coincide com o da República Velha (1889-1930). Os pesquisadores defendem que foi uma época de efervescência cultural, política e comercial, de experimentações, novidades, barbárie, conflitos e desenraizamento.

Negação cultural

Nas dissertações e teses, que serviram de base para o livro, os pesquisadores indicam que a elite do interior, na ânsia de ser reconhecida como civilizada, promoveu uma revolução cultural. Exemplo é a arquitetura das ricas cidades cafeeiras como Ribeirão Preto, Araraquara, Franca e Batatais. A riqueza obtida com a cultura do café, aliada à influência dos contatos cada vez mais freqüentes com o mundo urbano e industrial europeu, impeliu a elite à reinterpretação dos seus espaços, criados em cima da destruição de tudo o que pudesse remeter ao passado colonial, com seu casario feito de taipa.

Paris, capital do século 19, demolida e reconstruída pelo prefeito de Sena, barão Georges-Eugène Haussmann, serviu de modelo para a reinvenção das cidades cafeeiras. ‘Durante o reinado de Napoleão III, Haussmann tentou apagar os vestígios do período medieval que existiam em Paris, construindo pontes, praças, jardins, estações de trens e os famosos boulevards’, explica o historiador.

A elite do interior paulista fez o mesmo. ‘E para isso se apropriou – dentro das suas possibilidades – dos conceitos que Haussmann usou para redesenhar a capital francesa: linhas retas, ruas terminando num ponto de mira e quarteirões triangulares’, acrescenta.

Doin explica que o Palácio Rio Branco de Ribeirão Preto, onde hoje está instalada a prefeitura, é mais um exemplo: ‘Sua construção foi calcada na arquitetura da Ópera Garnier, que se destaca por suas colunas de estilo dórico. Outra referência é o atual bairro Cidade Nova, de Araraquara, que ainda mantém quarteirões triangulares. As marcas da concepção racionalista de Haussmann também podem ser vistas no campo, como os geométricos jardins da Fazenda Monte Alegre, do coronel Francisco Schimidt”.

Obras por impostos

A elite promoveu a modernização também para ocultar a exclusão social e reafirmar seus interesses. Em Araraquara, a praça Passeio Público foi transformada num boulevard para ajudar a apagar da memória popular um linchamento ocorrido no local, que implicava um coronel da cidade.

A arquitetura dessas cidades também revela a fusão do interesse público com o privado. O cafeicultor Bento de Abreu Sampaio Vidal, por exemplo, construiu diversas obras de utilidade pública em Araraquara, como a Santa Casa e a maternidade. Em troca, porém, exigiu impostos mais baratos para o setor cafeeiro.

Inúmeros levantamentos sobre a influência das reformas realizadas em Paris pelo barão nas grandes cidades brasileiras foram feitos. Porém, poucos historiadores pesquisaram a influência da Belle Époque em cidades como Araraquara, Ribeirão Preto e Franca. Além de preencher a lacuna da historiografia brasileira, o trabalho serviu para reunir um acervo de 854 fotos, que servirão para montar um museu iconográfico sobre o tema.

Da Assessoria de Imprensa da Unesp
Da Agência Imprensa Oficial

(AM)