Parcerias incentivam inclusão de egressos da Febem ao mercado de trabalho

Empresas da iniciativa privada explicam o porquê de investir na Febem

seg, 05/07/2004 - 11h34 | Do Portal do Governo

Os muros altos e portões de ferro que cercam os prédios da Febem guardam as mais variadas histórias que levaram os jovens a viver em reclusão. Por ironia do destino, foi este próprio regime que possibilitou a muitos adolescentes o aprendizado de atividades, que pode lhes garantir um meio de vida. Os cursos despertam talentos que os menores nem sequer sabiam ter. Aliado a isto, a quebra de preconceitos, por parte de algumas empresas, vem ajudando na contratação dos internos e possbilitando uma melhor proposta de vida.

Algumas unidades oferecem cursos que muitos menores não teriam condições de fazer, devido à situação degradante em que vivem. Há aulas de informática, telemarketing, treinamento e qualificação, além de outras atividades que podem ajudá-los a garantir sustento no bairro onde moram exercendo profissões como cabeleireiros, manicures, confeccionando tapetes, enxovais para bebê, casacos, botas, luvas, gorros de lã, cachecol, caminhos de mesa feito em pintura e bordado, entre outros. Algumas internas, por exemplo, tecem mantas de crochê para a Campanha do Agasalho. Na área de alimentação, aprendem a fazer pães, amanteigados, bolos, doces e massa para pastel.

Rompendo preconceitos, empresas como a McDonald’s e a Bit Company vêm apostando nestes jovens e dando-lhes oportunidades. Desde junho de 2003, cerca de 60 internos passaram pelo programa da rede de restaurante americana – uma cadeia com 549 unidades em todo Brasil, sendo 260 no Estado de São Paulo – e a empresa tornou-se parceira da Febem. Atualmente, há 21 menores trabalhando em unidades do McDonald’s em cinco cidades do interior: Ribeirão Preto, Campinas, Santos, Sertãozinho e Franca. O próximo passo é estender esta parceria para a Capital, já a partir do mês de julho. A meta, explica o diretor da regional São Paulo, Wander Ricardo Ligabó é atender 500 adolescentes no decorrer de seis a 10 meses. Ele defende o porquê de investir na Febem.“Se a gente, como empresa, não investir em algum programa social e não devolver para a comunidade o que dela recebemos, o futuro não será dos melhores. Depois, não vai adiantar reclamar”, alertou Ligabó.

O apoio dado aos menores tem mostrado ótimos resultados. Um dos exemplos foi constatado em Ribeirão Preto, onde um interno da Febem local, J.M.C, de 19 anos, foi eleito o funcionário do mês. Ele passou por todos os processos da rede: cozinha, atendimento aos clientes e caixa. Para orientá-los a não gastar todo salário com produtos supérfluos, os coordenadores do McDonald’s de Ribeirão Preto tiveram o cuidado de contratar um professor de economia para dar dicas de orçamento aos menores. No início eles gastavam quase tudo comprando óculos escuros, boné, e outros objetos sem a preocupação de guardar parte do que recebiam. As aulas os orientaram a se prevenir e a pensar no futuro, como lembra J.M.C. “A gente queria comprar roupas de marca. Agora sou mais econômico. Se não fosse este estágio, no McDonald’s, eu estaria procurando emprego até hoje”, declara J.M.C. Ele ganha cerca de R$ 300,00/mês.

Outro cuidado que a gerência do McDonald’s teve foi reunir os pais dos funcionários e os próprios funcionários, para tranqüilizá-los. “Isto despertou nos familiares a solidariedade, sentimento que foi passado para os filhos que trabalham na cadeia de restaurante”, afirma Ligabó.

Modelo positivo

Tipo franzino, pouca idade e muita experiência na área de telemarketing, informática e no treinamento de qualificação profissional. Estes detalhes chamaram a atenção das internas da Febem de Parada de Taipas, quando viram a monitora da Bit Company, Jacqueline Maria da Silva, 19 anos, entrar em ação no internato. “A gente pensava, se ela pode tudo isso, eu também posso”, relembra V.R, de 18 anos, que ficou um ano, três meses e dois dias na unidade da Zona Norte, por ter furtado um mercado na região do bairro Jabaquara.

No período em que ficou na instituição, ela percebeu o quanto estava jogando sua vida no lixo. “Despertei. A Febem nos dá oportunidade e vi que o curso era um caminho para sair da vida errada que tinha escolhido”. Atenta à nova possibilidade que acenava, V.R., que já havia feito os cursos e estava prestes a sair da unidade, no final do ano passado, insistiu muito por um estágio na Bit Company e conseguiu a vaga. “Entre as internas que fizeram o curso ela foi a que demonstrou maior interesse”, relembra Thaís Abrunhosa Buttini, coordenadora dos programas sociais da empresa. A escolaridade é outro fator que conta ponto. Para fazerem o estágio é preciso que tenham o Ensino Médio. Estagiando na franquia do bairro do Paraíso, V.R ganha um salário de R$ 200,00 por um trabalho de seis horas/dia, mais vale-transporte.

Thaís explica que após o envolvimento com a Febem, sua visão sobre a instituição mudou. “Eu corrijo as pessoas que criticam. Os adolescentes não ficam à toa. Para os que querem participar há uma série de atividades, tanto culturais quanto profissionais. É preciso vir para conhecer. Se mais empresas participassem, com certeza teríamos uma sociedade melhor, com menos violência”, ressaltou.

A sócia-diretora da Bit Company, Cristina Franco, 42 anos, entende que os esforços para se ter uma sociedade melhor não dependem apenas do governo, mas também do meio empresarial. “É difícil para um empresário, que não tenha compromisso social, romper preconceitos e ajudar oferecendo estágios. Para isso, ele precisa conhecer as unidades da Febem e ver os cursos que lá são oferecidos. Ao contrário do que a mídia propaga, a Febem não tem só bandidos, nem tão pouco é um depósito de menores. Há uma luz no fim do túnel”, declara Cristina, que defende um maior endurecimento do Estatuto do Menor, para que os jovens respeitem mais as leis.

O dia seguinte

Se mais empresas participassem da vida da Febem, o futuro de muitas internas poderia ser melhor, como observa a diretora do internato Parada de Taipas, Márcia Galvão Juzo. “Muitas delas não têm como pôr em prática o que aprenderam por não disporem de equipamentos próprios, como o tear que é usado para fazer cachecol, chalés e tapetes”.

Estes trabalhos manuais, observa, dão retorno financeiro e podem ajudar muitas meninas a reestruturarem sua família, cujos pais, em alguns casos, nem sequer trabalham.

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Valéria Cintra