Onze adolescentes da Fundação do Bem-Estar do Menor (Febem) do Guarujá estão produzindo o longa-metragem Kinema, através dos tempos, em homenagem aos 110 anos do cinema. Dois dos integrantes da equipe nunca assistiram a um filme na telona. ‘Nunca fui porque vivia só na rua. Estou curioso para saber como é. Agora comecei a mexer no zoom da câmera, fazer enquadramento, travelling, escolher o melhor ângulo’, diz o cinegrafista, o menor Ivanildo(*).
Diante da possibilidade de entrar numa sala de cinema pela primeira vez e assistir à própria produção e ouvir as palavras encorajadoras do responsável pelo projeto, o cineasta Tony Valentte, a maioria fica bastante emocionada. ‘Tudo na vida é possível. O mérito será todo de vocês que se esforçam para alcançar seus sonhos. Será uma lembrança inesquecível.’ Com dificuldade, o diretor de fotografia, o adolescente Wílson, contém as lágrimas, mas por alguns minutos, seus olhos ficam marejados, rosto abaixado e lábios contraídos.
Com uma hora de duração, o filme abrangerá o período entre 1895 e 2005 e invocará aquelas películas que marcaram a história do cinema. Entre os principais artistas contemplados estão os irmãos Lumière, Charles Chaplin e Alfred Hitchcock. O nome da produção é uma alusão à palavra grega kinema, que significa movimento, e será simbolizada na figura do jovem Kinema, protagonista da trama, que passa por situações inusitadas ao ser acusado de estupro, crime que não cometeu.
Intramuros – Na filmagem da primeira cena, uma multidão – atraída pelo aparato policial montado no bonde turístico, na Praça Mauá, em Santos – se aglomerou para assistir às gravações. O interesse crescia ainda mais quando se descobria que quem comandava os equipamentos cinematográficos eram menores infratores. Mesmo com amigos e parentes no local, Willian acenou de longe e continuou seu trabalho.
A curiosidade é explicável. Pela primeira vez na história da Febem, menores foram autorizados a sair às ruas e colocar em prática o aprendizado recebido intramuros. Com tripés, monitor, câmera digital, set lights e claquete, prometem continuar a ser alvo da atenção nos próximos seis meses ao gravar as 59 cenas que faltam. Admirador de filmes de ação – seu preferido é Blade Runner – Michel está contente por aprender a usar a claquete.
O longa será rodado inteiramente em ambiente externo. As próximas locações serão em São Paulo (Teatro Municipal, Estação da Luz e num trem para gravar cena de Indiana Jones e a Última Cruzada), em Santos (A Bolsa Oficial do Café será palco da homenagem ao clássico Cantando na chuva), Guarujá e Cachoeira Paulista. A produção conquistou o apoio da Beto Carrero World e estuda a possibilidade de gravar cenas no local. Nos próximos 45 dias pretende produzir trailler de três minutos e atrair patrocinadores.
Sétima arte – O filme que prestará tributo à sétima arte resulta do projeto Cinema-Escola, conduzido em parceria entre o governo paulista e a Casa de Cultura do Baiano das Astúrias. Supervisionados por Valentte, dois menores atuam como atores – rostos pintados como mímicos para não serem identificados por causa de questões legais – e os outros nove compõem a equipe técnica: direção, assistente de direção, direção de produção, diretor de fotografia, cinegrafista, storyboarder, técnico de áudio e contra-regra.
O diretor Mizael explica cuidadosamente a montagem do longa, as escolhas dos filmes e as peripécias do personagem principal como se fosse um entendido no assunto. Na verdade, assistiu a poucos e os seus preferidos são Romeu e Julieta e Titanic. ‘Não tinha a menor noção de como fazer filmes. Tudo o que aprendi foi nas aulas assistindo e estudando em detalhes as cenas principais. Além de passar o tempo e ocupar a mente, é algo muito bom e queremos fazer o melhor possível.’
Duas vezes por semana, os 11 adolescentes têm treinamento em set montado pelo cineasta que é responsável pela execução do programa na unidade desde 2003. Após as aulas, juntam-se aos outros 61 jovens abrigados na unidade do Guarujá, com idades entre 13 e 17 anos, que cometeram atos infracionais.
‘Muda tudo para esses meninos. Antes, o que parecia distante e impossível, torna-se viável e próximo. Começam a entender que têm capacidade de aprender e que pode haver oportunidades. Para nós é uma maneira de preparar a volta deles à sociedade porque reduz a tentação pela rua e aumenta a tranqüilidade ao desenvolver habilidades’, diz a diretora da Febem de Guarujá, Fabiana Cristina Bassetto.
Estrelas ajudam no processo de ressocialização
Questionados se, no final da medida socioeducativa, pretendem continuar a fazer cinema, todos respondem que sim. Um deles, Rafael Feliciano de Lima, que atua como cinegrafista, mesmo já tendo cumprido seu período de reclusão, decidiu continuar no projeto. ‘Apesar de ser um curso experimental e não ter a intenção de profissionalizar, não queremos fazer algo tosco. Batalhamos por qualidade técnica e criatividade. A expectativa é ajudar no processo de ressocialização dos alunos’, ressalta Valentte.
A animação é tanta que convidaram atores da TV Globo e da TV Manchete para participar das gravações. Entre eles, Regina e Gabriela Duarte, Ana Maria Braga, Juliana Paes, Nuno Leal Maia, Dedé Santana, Jorge Dória, Tony Tornado e Luiza Mell. Depois de pronto, o filme deverá ser exibido gratuitamente em escolas públicas de todo o País, em festivais e nas tevês educativas.
(*) Por determinação legal só é permitido citar o primeiro nome do menor.
SERVIÇO
Quem quiser colaborar com patrocínio para o projeto deve ligar para os telefones (13) 3313-6973 e (11) 6846-9126/9127/9171
Da Agência Imprensa Oficial
Por Claudeci Martins
