Memória: Museu Anchieta prepara celebração dos 450 anos de São Paulo

Destaque é a exposição de 28 cartas escritas no século 16 pelo padre Anchieta e que retornam ao Brasil pela primeira vez

sex, 15/08/2003 - 9h19 | Do Portal do Governo

Da Agência Imprensa Oficial


Por Claudeci Martins

Já começou, no Pátio do Colégio, a preparação da extensa programação de atividades para comemorar os 450 anos da fundação da cidade de São Paulo, em janeiro de 2004. O destaque dos preparativos ora em curso fica por conta da exposição multimídia de 28 cartas – escritas no século 16 pelo padre Anchieta – que retornarão ao Brasil pela primeira vez. Elas virão diretamente do Arquivo Histórico da Companhia de Jesus, em Roma, e serão mostradas a partir de janeiro do próximo ano.

‘No aniversário da cidade e do colégio queremos reforçar a idéia de que São Paulo não foi fundada, mas sim, nasceu. Os jesuítas vieram com a missão de dialogar sobre a fé e a cultura com os povos americanos. Por isso, foram construídos a capela e o colégio. Não havia a intenção de fundar uma vila’, faz questão de lembrar o diretor do Pátio do Colégio, padre José Fernandes.

No dia 25 de janeiro será celebrada a tradicional missa oficial, na Capela Padre Anchieta, reunindo autoridades governamentais e a população. Na oportunidade, os presentes poderão apreciar a beleza dos acordes do órgão tubular Tamburini, com 1.200 tubos. Restaurado no ano passado, o ilustre instrumento italiano só é ouvido em ocasiões especiais e em concertos.

Integram a série de eventos exposição de presépios, apresentações teatrais, de corais, orquestras, palestras e cursos. Entre os que já confirmaram participação, estão o Coral Paulistano, o Voz Ativa Madrigal, o Coral da USP, o Coral da Cultura Inglesa e o grupo Pró Música Sacra.

Marco histórico

O marco da fundação de São Paulo passará por reforma, ganhará bandeiras e ficará situado bem mais próximo da entrada do Museu Anchieta. Ao seu lado, haverá texto explicativo narrando a história da construção do primeiro alicerce fincado no coração do planalto de Piratininga.
Em frente ao Pátio, que é tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico (Condephat), está o monumento ‘Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo’. Na base estão as cenas da fundação, e no topo, uma figura feminina representa a cidade.

‘O berço de São Paulo é o Pátio do Colégio, mas colocaram o ‘marco zero’ – construído em 1934 – em frente à Catedral da Sé. O slogan comemorativo dos 450 anos é São Paulo nasce aqui’, ressalta o padre Fernandes.

Planalto de Piratininga

Poucas cidades conhecem o local exato de sua fundação. São Paulo é uma delas, graças ao trabalho dos jesuítas. Eles escolheram o planalto de Piratininga – local habitado por índios tupiniquins (como os Caiubi e Tibiriçá) – para a instalação de um novo colégio jesuíta devido a um conjunto de fatores estratégicos.

Entre eles, o clima semelhante ao europeu, as terras propícias à agricultura e o relevo acidentado, que facilitava a defesa e oferecia ampla visão das terras vizinhas. Outra vantagem eram os rios Tamanduateí e Anhangabaú, responsáveis pelo fornecimento de água fresca e comida fácil e farta, e também úteis como via de transporte. Hoje, estão embaixo de concreto, e o paulistano só lembra de sua existência durante as enchentes, que periodicamente param a cidade.

Todo esse panorama geográfico foi reconstituído em uma maquete de 1955 – feita em gesso e resina – que está exposta em uma das salas do museu. A obra permite vislumbrar a Serra do Mar, os cursos dos rios Tamanduateí (que teve seu trajeto alterado) e Anhangabaú, e os caminhos percorridos pelos jesuítas até aportar nos Campos de Piratininga.

Fragmentos de memória

O Colégio de São Paulo de Piratininga, que deu origem à capital paulista, teve sua fundação oficializada com missa celebrada no dia 25 de janeiro de 1554. A primeira instalação do colégio era uma cabana de pau a pique de cerca de 90 metros quadrados. Em 1556, inaugurou-se nova edificação, em taipa de pilão, para abrigar o colégio e a Igreja do Bom Jesus.

Da primeira construção – após as muitas reformas e ampliações que se seguiram –, restaram os alicerces da antiga igreja e uma parede de taipa de pilão do século 17, uma das maiores atrações, por sua raridade, na cidade de São Paulo. A parede, localizada ao lado do Café do Pátio, encontra-se preservada e protegida por uma redoma de vidro. A edificação atual, de 1979, é uma réplica da original.

Taipa de pilão é uma técnica construtiva ibérica que consiste em socar em pilão terra umedecida – à qual são adicionadas fibras vegetais, areia, estrume, sangue animal – até transformá-la em massa uniforme com a qual são preenchidas estruturas de madeira.

Fragmentos remanescentes, em taipa de pilão, do antigo colégio podem ser observados também na cripta, onde ficavam as ossadas de Tibiriçá, da índia Bartira, de João Ramalho, entre outros. O local, cuja atmosfera remete a tempos idos, acolhe coleções referentes à cultura material indígena (doadas pelos irmãos Villas-Boas) e ao cotidiano doméstico da casa paulista. Na entrada, 11 esculturas recentes, as madonas, chamam a atenção do visitante.

Paulistinhas famosas

No espaço mais generoso da área de exposições, estão imagens representativas da arte sacra paulista dos séculos 17, 18 e 19. Há também mesas de altar, oratórios, crucifixos, relicários, ostensórios, pias de água benta e outros objetos de culto e devoção que refletem a religiosidade cristã em terras paulistas.

As imagens mais conhecidas do público são as ‘paulistinhas’. Consideradas reinterpretação dos modelos europeus, elas são produções populares e simples. De barro, pintadas e ocas, as imagens da Mártir Popular, Nossa Senhora do Ó e São José ‘flutuam’ em meio a outras maiores, como a do jesuíta São Francisco de Xavier, vinda de Portugal.

‘As 19 imagens, de origens diversas, ocupam o que chamamos de jardim. Apoiadas em pedestral e suspensas, ficam como se estivessem brotando da terra’, explica Samantha.

Em um ambiente fechado, com teto imitando um céu estrelado e brilhante, está o baldaquino neogótico, do século 19, feito de latão, prata e bronze, e folheado a ouro. Espécie de dossel, sustentado por quatro colunas, tem a função de proteger objetos sagrados e representa a celebração entre a espiritualidade e a temporalidade da Igreja Católica.

Loyola e Anchieta

Na sala seguinte, a dos jesuítas, destaca-se a figura do espanhol Inácio de Loyola, fundador Companhia de Jesus. Na capela, estão expostos seus exercícios espirituais que dão origem aos ensinamentos da Ordem criada em 1539.

Na torre, estão 11 pinturas a óleo que integram a Pinacoteca do museu. Pintada pelo artista Benedito Calixto, a tela do padre José de Anchieta é a mais conhecida. O quadro simboliza o tempo que o beato ficou refém dos índios tamoios e escreveu o poema À virgem Maria, que contém mais de cinco mil versos.

Ao lado da capela, fica o oratório onde está parte de um fêmur do jesuíta, o manto largamente utilizado em suas incessantes jornadas catequéticas. Encontra-se também cópia da certidão de batismo de Anchieta e uma imagem de Nossa Senhora da Candelária, padroeira das Ilhas Canárias, local de nascimento do Beato.

Considerado Apóstolo do Brasil, Anchieta fundou as cidades de São Paulo e Santo André. Escreveu a primeira gramática tupi e exerceu papel fundamental nos primórdios da educação brasileira. O processo
de canonização, que deve torná-lo o segundo santo brasileiro, está em andamento no Vaticano. Madre Paulina é a primeira santa do Brasil.

Técnica de restauro

Na Oficina Cultural Anchieta, cerca de 50 crianças carentes aprendem a técnica de decupagem (pintura com sobreposição de colagem) e restauro. As aulas oferecidas nas manhãs e tardes de terças e quintas-feiras integram o Projeto Oca. Nos demais dias e horários, o espaço funciona como local de restaurações do próprio museu.

‘Aqui elas aprendem uma atividade e podem se tornar futuros restauradores. Oferecemos alimentação, transporte, material e o ensino. As crianças também recebem uma porcentagem da venda dos trabalhos que elas produzem. Esse relógio, pintado sobre disco de vinil, é um dos objetos feitos por elas e que está à venda. Nós aproveitamos vários materiais e reciclamos’, conta a professora da Oficina e artista plástica, Flávia Vidal.

Em frente à oficina está a bela Praça Ilha das Canárias – presente do governador da ilha – , chamada de oásis. Destacam-se no local, o Monumento a Anchieta, do padre Fernandes – que representa os três continentes: América, África e Europa – e a escultura Em homenagem ao Índio, de terracota.

Serviço:

Local: Praça Pátio do Colégio, 2 – Centro – Capital
Visitação: Terça-feira a domingo, das 9h às 17 h
Serviço educativo e monitoria gratuitos, com agendamento de segunda a sexta, das 13h às 17h pelo telefone (11) 3105-6899, ramais 118/119
Ingresso: visitantes em geral, R$ 5,00; alunos de escola particular, R$ 2,50; e estudantes de escola pública, R$1,00
O Museu oferece entrada gratuita no último domingo de cada mês.

(LRK)