Meio Ambiente: Vale do Ribeira renasce na mão dos palmiteiros

Intenção é repovoar áreas de floresta degradadas pelos palmiteiros

sex, 22/08/2003 - 19h00 | Do Portal do Governo

A exploração indiscriminada do palmito-juçara (Euterpe edulis), durante décadas um dos maiores problemas sócio-ambientais do Vale do Ribeira, região mais pobre do Estado de São Paulo, está agora sendo combatida de forma eficaz e até inusitada.

Iniciativa inédita da Fundação Florestal, em parceria com o Instituto Florestal, está transformando palmiteiros ilegais em verdadeiros protetores da natureza. Com o apoio dos técnicos dos dois órgãos da Secretaria do Meio Ambiente, moradores do bairro rural Rio Preto, no município de Sete Barras, criaram e cuidam de três viveiros com mudas de palmeira juçara e outras espécies nativas da Mata Atlântica.

A intenção é repovoar áreas de floresta degradadas pelos palmiteiros, em especial dentro do Parque Estadual Carlos Botelho, e posteriormente promover o manejo sustentado e a comercialização do palmito.

A idéia de criar um viveiro de mudas nasceu com os próprios moradores do bairro Rio Preto, um dos maiores focos de extração clandestina de palmito, retirado de dentro dos limites do Parque Estadual Carlos Botelho, onde ainda resta a maior porção de palmeiras-juçara da região. “Muitos aqui sobreviviam da coleta clandestina. Como o palmito-juçara está cada vez mais difícil de se encontrar, a cada dia eles tinham que se embrenhar mais e mais dentro da mata e viviam sendo perseguidos pela polícia”, revela Olímpio Rosa da Silva.

Aos 69 anos, ele exerce uma liderança natural dentro de sua comunidade e desde 1998 oficializou e preside a Associação do Desenvolvimento Comunitário do Rio Preto. A intenção inicial da associação era repovoar terrenos antes destinados ao plantio de banana, espécie exótica, mas ainda de grande importância para a economia do Vale do Ribeira.

Trabalho em conjunto

Foi então que o Instituto Florestal e a Fundação Florestal resolveram unir forças com os moradores do bairro. Nesse esforço conjunto, o Instituto ofereceu a infra-estrutura do parque estadual para a instalação do primeiro viveiro. A Fundação responsabilizou-se pela orientação técnica e mobilização dos moradores.

A prefeitura de Sete Barras também colaborou, promovendo melhorias nas estradas de acesso ao bairro e oferecendo o transporte de terra e adubo orgânico. No primeiro ano de atividade, o viveiro do Parque Estadual Carlos Botelho produziu dez mil mudas que repovoaram áreas de Mata Atlântica degradadas no entorno do bairro Rio Preto.
A parceria deu tão certo que, a partir de 2001, mais dois viveiros de mudas foram criados, desta vez no próprio bairro Rio Preto.

Mais instituições se animaram a colaborar para o êxito do projeto. No mesmo ano, a convite da Secretaria do Meio Ambiente, uma equipe da embaixada britânica visitou a comunidade de Sete Barras e acabou por doar R$ 80 mil para o projeto. Em 2002, foi a vez da concessionária de estradas SP-Vias também firmar parceria com a associação de moradores de Rio Preto. A empresa encomendou a produção de 36 mil mudas de várias espécies nativas para reflorestamento de áreas do Parque Estadual Carlos Botelho, onde estão sendo realizadas obras de duplicação da rodovia que liga Itapetininga a Itapeva.

Com o bom resultado do plantio de mudas, cada uma das famílias que trabalharam na produção e repovoamento do parque recebeu R$ 2 mil da SP-Vias. “É muito mais do que ganha um palmiteiro em um ano inteiro de extração indiscriminada”, informa Wagner Gomes Portilho, analista de recursos ambientais da Fundação Florestal e um dos responsáveis pelo treinamento técnico dos moradores.

Para ele, além da remuneração justa, a educação ambiental promovida pelo projeto tem sido muito importante. “O caminho entre transformar um palmiteiro clandestino em repovoador é longo e delicado. Nossa preocupação é preservar a autonomia da comunidade, mas estaremos sempre fornecendo todo o apoio técnico necessário”, diz o analista da Fundação Florestal.

Atualmente, mais de 50 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, trabalham nos três viveiros, sob regime de mutirão, participando de todas as fases de produção: coleta de sementes, plantio e manutenção das mudas.

As cerca de vinte espécies nativas cultivadas – além do juçara, guapuruvu, castanha, gerivá, embaúba e espécies ornamentais como o suiná – são vendidas para fazendeiros da região, empresas de regularização ambiental e para a própria SP-Vias. “A produção de cada um dos associados é controlada diariamente. Quem trabalha mais ganha mais”, resume o presidente da associação de moradores do Rio Preto.

Fim da clandestinidade: uma nova vida

Um dos mais animados com a nova vida é Vitório Henrique Faria. Nascido há 63 anos em Sete Barras, figurava entre os inúmeros palmiteiros ilegais da região. “A fábrica de palmitos onde estava empregado fechou as portas. Para sobreviver, subia a serra todas as noites para cortar palmitos. Era uma vida difícil”, reconhece Vitório. Por aproximadamente dez anos trabalhou na clandestinidade para sustentar a esposa e sete filhos. “Cheguei a ficar 17 dias comendo de graça na prisão”, brinca Vitório, que há quatro anos tem como fonte de renda a produção de mudas.

A melhoria na qualidade de vida dos moradores do Rio Preto pode ser notada logo que se chega ao bairro. Muitas das casas dos trabalhadores estão sendo reformadas e até ampliadas por conta do dinheiro da produção e venda das mudas. Mas não é só da comercialização de plantas que a comunidade pretende sobreviver.

A Fundação Florestal vai incentivar também o manejo sustentado e o beneficiamento do palmito-juçara. “Antes é preciso atingir 300 hectares de repovoamento na região e deixar que as árvores alcancem o tempo necessário de maturação para viabilizarmos uma fábrica de beneficiamento do palmito”, sonha o presidente da Associação do Desenvolvimento Comunitário do Rio Preto, Olímpio Rosa da Silva.

Por enquanto, cerca de 100 hectares já foram reflorestados nos arredores do bairro Rio Preto e dentro do Parque Estadual Carlos Botelho.

Há quem não tenha paciência de esperar e opta por plantar outras espécies de crescimento mais rápido, como o palmito do açaí, oriundo do Norte do Brasil, e o palmito-real, de origem australiana.

Mesmo assim, a maioria dos moradores da região está consciente da importância do juçara para a floresta. Eles estão reconhecendo que é preciso preservar a Mata Atlântica para que ela possa sustentá-los pelo resto de suas vidas. “Além de ser espécie nativa, o juçara tem mais qualidade e maior valor comercial”, explica Olímpio.

Derrubando barreiras

A última grande barreira comportamental que os técnicos do Instituto Florestal e da Fundação Florestal se orgulham de ter superado com o projeto de replantio de mudas foi a mudança de mentalidade da população com relação ao vizinho Parque Estadual Carlos Botelho, que faz divisa com as cidades de Sete Barras, Capão Bonito, São Miguel Arcanjo e Tapiraí. Criado em 1982, o parque preserva mais de 37,6 mil hectares de Mata Atlântica onde vivem diversas espécies de fauna e flora.

Mas sempre foi visto pelos moradores da região como um inimigo, um verdadeiro entrave, uma vez que é proibido explorar economicamente suas terras. “O projeto mudou essa imagem, incentivando a aproximação e envolvimento da comunidade com o parque. O primeiro passo foi convidar professores da rede estadual de ensino que lecionam na comunidade a visitar periodicamente o Núcleo Sete Barras”, informa o diretor do parque, José Luiz Camargo Maia. Deu certo. Os professores passaram a divulgar o parque para seus alunos e freqüentemente têm proferido palestras para os adultos.

Outra frente a ser atacada foi a segurança. A vigilância foi redobrada, visto que o parque é alvo constante da investida dos palmiteiros ilegais. “Recentemente chegamos a apreender duas mil unidades de palmitos. Em 1998, tivemos uma emboscada aqui dentro, quando um dos vigias foi morto a tiros. Desse dia em diante aprendemos a trabalhar com mais segurança”, explica Maia. Os vigias conhecem todas os meandros do parque e agem lado a lado com a Polícia Militar equipados com coletes à prova de bala. “Também mudamos nosso comportamento. O trabalho dos fiscais, que antes era apenas o de repreender os palmiteiros clandestinos, agora é também tentar reeducá-los”, conta o diretor do parque.

Para Maia, os resultados que estão sendo obtidos pelo projeto desenvolvido pelo Instituto e pela Fundação Florestal se devem ao reconhecimento das principais necessidades da população que mora no entorno do parque. “É papel do Estado dar o suporte necessário à comunidade. Acredito que todas as unidades de conservação também têm esse dever”, conclui.

Afonso Capelas Jr. – Da Agência Imprensa Oficial