Meio Ambiente: Centro de Manejo de Animais Silvestres recupera espécies em extinção

Animais apreendidos são submetidos a exames clínicos, monitorados e depois devolvidos à natureza

qua, 30/07/2003 - 12h15 | Do Portal do Governo

O Centro de Estudo e Manejo de Animais Silvestres (Cemas), do Programa da Fauna, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, inaugurado em setembro de 2002, prioriza o atendimento de animais ameaçados de extinção do Estado de São Paulo. O Cemas pretende mapear as áreas críticas para a conservação da fauna silvestre, restaurar o habitat natural e recompor a fauna original, por meio do estudo e manejo das espécies ameaçadas.

Animais apreendidos pelo Ibama, Polícia Ambiental e até mesmo doados por criadores são recebidos, submetidos a exames clínicos e passam a ser monitorados constantemente.

O objetivo é devolvê-los à natureza, garantindo condições de sobrevivência, readaptação e reprodução. “O animal não deve ser recuperado e virar um troféu em cima da mesa”, opina Antonia Pereira de Avila Vio, engenheira florestal e diretora-executiva da Fundação Florestal. Mais de 5.500 bichos passaram pelo Cemas.

Protocolo de ações

O diferencial do Cemas é o protocolo de ações realizado nos animais que dão entrada no centro. Paulo Martuscelli, biólogo e coordenador do centro, explica que os animais são submetidos a exames clínicos e laboratoriais e recebem nota de avaliação.

Normalmente, nos dois primeiros meses, ficam no quarentenário sendo observados e monitorados. Repetem os exames e são estimulados a viver como em seu habitat natural.

Todos os procedimentos são cadastrados em prontuários individuais, que podem ajudar futuramente no mapeamento das características de cada espécie atendida. A alimentação e os hábitos de cada espécie também são registrados. Paulo garante que todas as ações são baseadas em dados concretos.

A jacutinga, por exemplo, vive na Mata Atlântica. São apenas 1.200 na natureza, sendo que 80% estão no estado de São Paulo. O mapeamento permite registrar os cativeiros, trabalhando com os criadores como parceiros para traçar o perfil da espécie.

Os dados cadastrados podem ajudar na prevenção das espécies ameaçadas e estabelecer os padrões ainda não definidos de espécies raras. A falta de padrões estabelecidos de algumas espécies costuma dificultar o trabalho dos funcionários do Cemas.

Vínculos sociais

A partir da entrada no Cemas, o exemplar é submetido a exames e não há padrões pré-estabelecidos da espécie para comparar os resultados. Faz-se necessário buscar na natureza animais daquela mesma espécie para realizar os mesmos exames e efetuar as conclusões sobre o estado do recém-admitido.

Depois de recuperado e considerado apto para reintegrar o habitat, ainda passa por processo de readaptação que pode levar meses. Uma pequena unidade do centro é montada na região que o bicho será solto para acompanhar seu comportamento.

Antes de voltar à natureza, recebem anilhas, microchip ou tatuagem para identificação. Os líderes de cada grupo são monitorados via radiotransmissor. O coordenador do Cemas explica que, pelos conceitos de biologia da conservação, o sucesso e a conclusão da readaptação acontecem quando o animal começa a executar atividades por vontade própria. Comer muitas vezes é necessidade, reproduzir-se não. Quando o animal solto reproduz-se, significa que conquistou territórios, estabeleceu vínculos sociais e está realmente pronto para viver de forma independente.

Dificuldades de readaptação

Pássaros criados em cativeiros, muitas vezes deixam de voar. Sempre acostumados a ficar em pequenas gaiolas, ou até mesmo presos por correntes, não desenvolveram a capacidade de voar.

Os animais retirados de seu habitat muito jovens encontram ainda mais dificuldades. Uma das araras que está no Centro de Manejo tem várias anomalias pelo corpo (problemas na coluna e patas defeituosas) e precisa passar por cirurgias. O biólogo explica que provavelmente ela tenha sido tirado do convívio de sua mãe muito cedo, e quem a capturou não sabia dos cuidados necessários para seu desenvolvimento.

Alguns sagüis apreendidos, por exemplo, sempre viveram em cativeiro e temem andar no solo. Como na natureza precisam descer das árvores para se alimentar, são submetidos a uma adaptação lenta. No início, a maioria teme as folhas secas do chão e se recusa a descer dos troncos do quarentenário. Cordas, cipós e troncos tentam reproduzir seu habitat.

Os sagüis podem ser agressivos. Para conseguir um pequeno sagüi, traficantes costumam matar a mãe que carrega o filhote. Também é comum dopá-los antes de vendê-los, para que pareçam dóceis. “A pessoa compra o animal dopado e quando passa o efeito, percebe que é arisco e agressivo”, conta Renata Gaspar Vieira, veterinária do centro, enquanto medica um sagüi que se recusa a comer.

Até mesmo árvores são destruídas pelos traficantes de animais silvestres. Os filhotes de papagaios ficam em ocos de árvores. Quando as árvores são mais altas e de difícil acesso, são derrubadas. As conseqüências se prolongam por gerações. Por ser fiel a seu território (costuma buscar a mesma árvore para abrigar seus filhotes) pode deixar de se reproduzir se não encontrar a árvore no local.

Mudanças ambientais

As atuais mudanças ambientais estão criando novos problemas na fauna. Com o desmatamento, as áreas verdes diminuem e os animais começam a dividir seus espaços. Nem sempre a convivência é harmônica.

O Cemas recebeu um bugio (espécie ameaçada de extinção) macho que se envolveu em disputa com um macaco-prego. O animal, que vivia no entorno do parque, estava com a pata quebrada e precisou passar por cirurgia essa semana.
Ferimentos em fios de alta-tensão, tiros e pedradas também atingem os que não estão preparados para lidar com esses problemas.

Treinamento e formação

Funcionários do Centro de Manejo foram convidados para treinar policiais ambientais. O objetivo é ajudar na identificação de espécies em extinção e, até mesmo, orientar as melhores formas de manejo dos animais no ato da captura.

Técnicos ambientais também devem ser treinados nos próximos meses para monitorar animais que serão soltos. A continuidade do trabalho precisa ser garantida no processo de soltura.

Filhote de papagaio baiano recebe inalação diariamente

No mês de março, o hospital veterinário do Cemas recebeu 3,1 mil animais silvestres apreendidos na Rodovia Presidente Dutra, em Guarulhos. Sagüis, papagaios, periquitos, azulões, galos-de-campina e corrupiões estavam sendo transportados num caminhão-baú, da Bahia para São Paulo, junto com substâncias químicas. Mais de 100 animais morreram durante a viagem.

Os traficantes costumam transportá-los em gaiolas apertadas, camuflados no meio de outras cargas e sem ventilação. Muitos não resistem ou chegam doentes e debilitados.

O Ibama, que mantém termo de cooperação técnica com a Fundação Florestal, pediu ajuda ao Cemas para atender aos animais apreendidos. Os funcionários do Cemas trabalharam ininterruptamente para alimentar todos os filhotes, pois a maioria deles dependia de mamadeira.

Alguns apreendidos ainda estão em tratamento no hospital, como um filhote de papagaio-verdadeiro que sofre de problemas respiratórios e recebe inalação diariamente. “A gente percebe quando tem problemas respiratórios quando você escuta a respiração dele. Além disso, respira com o bico aberto”, explica a veterinária Renata Gaspar Vieira, que aplica antibióticos na inalação para ajudar dilatar suas vias respiratórias.

Paulo Martuscelli e Antonia Vio estiveram na Bahia para discutir com o Ibama o repatriamento de animais apreendidos em São Paulo. O objetivo do encontro era aproximar o órgão e a Universidade Federal da Bahia.

O Cemas pretende devolver 350 animais apreendidos de traficantes para a Bahia, porém necessita de trabalho de monitoramento para saber se eles se readaptaram no seu local de origem. Profissionais do Cemas ministraram palestras para os técnicos do Ibama de como elaborar viveiros e reintegrar progressivamente os animais na natureza.

Regina Amábile
Da Agência Imprensa Oficial