Meio Ambiente: Câmpus da USP Ribeirão Preto é reflorestado com espécies da Mata Atlântica

Projeto foi desenvolvido em parceria com a Fundação Florestal

qua, 29/10/2003 - 14h48 | Do Portal do Governo

O câmpus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo(USP-RP) está ganhando uma floresta de 75 hectares povoada com espécies nativas da mata atlântica. A iniciativa faz parte do Projeto Floresta da USP e tem parceria da Fundação Florestal, órgão da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, com a prefeitura do câmpus da universidade, em Ribeirão Preto.

A floresta está sendo formada desde 1999, com o plantio de milhares de mudas de 84 espécies nativas diferentes produzidas em um viveiro construído na própria universidade. Um dos principais objetivos do Projeto Floresta da USP é produzir 200 mil mudas de espécies nativas por ano, além de criar um centro de referência e fomento florestal para promover a recuperação de áreas degradadas dos arredores de Ribeirão Preto, especialmente no entorno de mananciais e de usinas de processamento de cana-de-açúcar, já que a região é, atualmente, uma das mais devastadas de todo o Estado de São Paulo. Depois de totalmente formada, a floresta deve contribuir com 20% a mais no índice de arborização da cidade de Ribeirão Preto.

A área de aproximadamente 580 hectares onde hoje está instalado o câmpus da USP de Ribeirão Preto abrigou uma fazenda de café, a partir de 1870. Setenta anos mais tarde, a fazenda foi desapropriada pelo governo do Estado para estabelecer ali a Escola Prática de Agricultura Getúlio Vargas. Em 1948 o terreno passou para a Universidade de São Paulo e em 1951 foi inaugurada a Faculdade de Medicina, a primeira do novo câmpus. Dessa época até 1986, grande parte da Mata Atlântica do entorno do câmpus foi derrubada e arrendada para o plantio da cana-de-açúcar.

“O início do desmatamento na região coincide com a formação das primeiras fazendas de café do século 19 e prosseguiu com a produção de álcool e açúcar, além de carvão”, informa Elenice Mouro Varanda, professora-doutora do Departamento de Biologia do setor de Botânica da USP-RP e coordenadora do Projeto Floresta.

A preocupação com a devastação ambiental que se alastrava nos arredores da universidade levou à formação de uma comissão composta por docentes e funcionários da USP-RP, no final da década de 80. Uma das soluções propostas era a de destinar as áreas agrícolas ao reflorestamento com espécies nativas da Mata Atlântica. “A proposta foi ignorada por vários prefeitos do câmpus e ficou engavetada durante 11 anos até que, em 1997, finalmente despertou o interesse da prefeitura, em razão da freqüente ocorrência de incêndios causados pela combustão fácil do capim colonião que invadia os terrenos”, conta a professora Elenice Varanda.

Banco genético

Dos 75 hectares concedidos pela prefeitura do câmpus para o reflorestamento, 45 foram reservados para abrigar um banco genético, dividido em três módulos de 15 hectares. A implantação desse trabalho não foi tarefa das mais fáceis. “Apanhamos muito até saber como fazer o plantio correto e como obter a germinação mais rápida de cada uma das espécies”, reconhece a coordenadora.

Antes mesmo do plantio foi preciso recuperar o solo, já que durante anos o terreno foi utilizado para agricultura e pasto. O primeiro módulo produziu milhares de mudas de 50 espécies nativas diferentes. Dessas, 70% são pioneiras, ou seja, espécies de crescimento rápido e que fazem sombra para a germinação e desenvolvimento das chamadas não pioneiras. No total, foram plantadas 3.375 mudas provenientes de árvores-mãe devidamente identificadas e catalogadas, numa espécie de pedigree vegetal. Para preservar a diversidade genética das matrizes foi necessário coletar as sementes em 450 áreas diferentes de remanescentes de mata atlântica que ainda restam na região de Ribeirão Preto, a grande maioria em propriedades particulares.

União de esforços

O envolvimento de professores, alunos, técnicos e funcionários da prefeitura do câmpus USP-RP, além da parceria da Fundação Florestal e da iniciativa privada foi fundamental para a concretização do Projeto Floresta da USP. Desde que se uniu à USP, em 1997, a Fundação desempenha papel importante fornecendo orientação técnica e equipamentos para o trabalho desenvolvido no viveiro de mudas do câmpus. “Viabilizamos a articulação regional com os setores públicos produtivos, para estabelecer parcerias com prefeituras, usinas, produtores de mudas e sindicatos rurais. Nossa forte participação no comitê de bacias hidrográficas da região facilitou esse processo, abrindo portas para as negociações”, resume a engenheira agrônoma Claudette Marta Hahn, gerente de desenvolvimento florestal da Fundação.

Com as parcerias, várias usinas colocaram à disposição mão-de-obra suficiente para recuperar suas próprias áreas degradadas. Entre as principais parceiras trazidas pela Fundação Florestal está a ONG Associação de Reposição Florestal Verde Tambaú. A entidade dispõe do maior viveiro da região de Ribeirão Preto e produz anualmente cerca de 500 mil mudas nativas de 100 espécies diferentes.

A participação da Verde Tambaú no Projeto Floresta USP inclui a coleta e fornecimento de sementes para o câmpus da universidade, inclusive de plantas consideradas em risco de extinção, como a peroba-rosa, a peroba-poca e o jequitibá-rosa. “Fazemos as coletas num raio de 200 quilômetros entre as bacias dos rios Pardo e Mogi”, conta o diretor executivo da ONG, Cláudio José Silvestre. Em contrapartida, a Verde Tambaú recebe capacitação técnica, além de equipamentos para a produção das mudas. “Para nós, esse convênio é um investimento valioso, na forma de crescimento em pesquisas”, diz Silvestre.

Centro de referência florestal

A última etapa do projeto prevê a criação de um centro de referência e fomento florestal. “Com isso poderemos produzir e fornecer mudas de altíssima qualidade para recuperar áreas degradadas, principalmente as matas ciliares que protegem mananciais de água.

A devastação dessa vegetação é, hoje, preocupante por ser uma das principais causas da escassez de água na região e, de resto, no Estado de São Paulo”, avalia a gerente de desenvolvimento florestal da Fundação Florestal, Claudette Hahn, Além da qualidade, a diminuição dos custos de produção deve baratear o preço das mudas para os compradores. A explicação é simples: “A diversidade genética que teremos na floresta da USP nos capacita e facilita a colher sementes de matrizes num mesmo lugar. Sem a necessidade de fazer a coleta em locais distantes e dispersos, minimizamos os custos de locomoção e mão-de-obra”, revela Claudette.

Há muito ainda por fazer, mas os resultados do Projeto Floresta da USP já podem ser observados na universidade de Ribeirão Preto. As mudas plantadas há quatro anos transformaram-se em árvores com mais de três metros de altura, preenchendo de verde a paisagem do câmpus. Até mesmo os bichos estão se aproximando em busca de alimento e abrigo na nova floresta. “Muitos funcionários da prefeitura do câmpus têm observado, freqüentemente, a aparição de capivaras, tatus, veados, siriemas e gaviões, espécies típicas da fauna da Mata Atlântica da região”, conta a professora Elenice Varanda.

Por outro lado, uma ameaça paira no ar: nas imediações da mata está sendo erguido um conjunto habitacional com cerca de duas mil casas que deverá trazer milhares de pessoas para perto da vegetação. A coordenadora da USP de Ribeirão Preto, no entanto, não se assusta e promete fazer novos aliados em favor da floresta: “Nosso próximo passo é elaborar um projeto de educação ambiental para colocar em prática na escola do novo loteamento, para ensinar as crianças a respeitar e preservar a natureza”, afirma Elenice.

Da coleta de matrizes ao plantio:
trabalho árduo, mas gratificante

Reconstituir um bioma tão complexo e diversificado quanto a Mata Atlântica requer muita pesquisa, paciência e dedicação. Essa tentativa de imitar a natureza não é tarefa fácil, mas conta com a ajuda de muita gente. “É um esforço coletivo entre diferentes áreas de conhecimento. Os próprios funcionários da prefeitura do câmpus da universidade se envolveram no plantio das mudas”, reconhece a coordenadora do projeto.

Um deles é o técnico agrícola Antônio Justino da Silva. Desde o início, ele participou ativamente. “Percorri mais de 400 propriedades particulares da região onde ainda existem remanescentes de Mata Atlântica para coletar as sementes matrizes que dariam origem à nossa floresta”, confirma.

Antônio coletou 30 matrizes de cada uma das dezenas de espécies, num total de 4.500 sementes. “Quanto mais tivermos, maior a diversidade genética da floresta”, resume. Ele também coordena o viveiro do câmpus e faz a catalogação das mudas, reunindo informações preciosas de cada uma delas, como nome, origem e até mesmo a identificação da árvore-mãe que a gerou.

Durante o plantio era preciso evitar que árvores-irmãs ficassem próximas para não haver cruzamentos entre elas, o que acarretaria empobrecimento genético. Foi então que um professor de matemática do Departamento de Física e Matemática da universidade foi desafiado a criar um programa de computador para resolver qual a melhor forma de distribuir as irmãs pelo terreno do câmpus, deixando-as distantes umas das outras. Deu certo e o modelo matemático foi aprimorado recentemente para permitir a criação de 80 módulos diferentes de plantio, preservando o distanciamento entre as irmãs.

O solo foi enriquecido com a aplicação de sobras orgânicas da produção de açúcar oferecidas pelas usinas da região, em troca do excedente de sementes produzidas pelo banco genético do projeto. O plantio continua sendo feito pelos funcionários do câmpus, com a ajuda dos alunos da universidade. Alguns desses alunos – graduandos e pós-graduandos da área de Biologia, sob a orientação de seus professores – já desenvolvem sete diferentes pesquisas para estudar as principais etapas do restabelecimento da floresta.

A observação do crescimento das espécies vegetais vai permitir a elaboração de modelos confiáveis para a criação de projetos florestais em diversas regiões de mata atlântica no Estado de São Paulo. E os resultados obtidos enchem os olhos de Antônio Silva: embaúbas, cedros, óleos de copaíba, pimentas-rosa, jequitibás e perobas crescem e deixam orgulhoso o técnico agrícola: “É como se fossem minhas filhas”, confessa.

De Afonso Capelas Jr/ Especial para Agência Imprensa Oficial/L.S.