Juventude: O som que chega dos Sem Terra do Pontal

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sex, 10/05/2002 - 16h02 | Do Portal do Governo

O relógio marca 9 horas de um sábado frio. As crianças começam a surgir lentamente no Pólo do Projeto Guri, na pequena cidade de Teodoro Sampaio. Elas chegam em um ônibus e rapidamente vão se acomodando nas duas casas da Secretaria de Estado da Cultura, substitutas das enormes árvores que, até o ano passado, serviam como salas de aula.

Os meninos, cerca de 450, são integrantes do Movimento dos Sem Terra, filhos de assentados ou acampados, acostumados à vida difícil das plantações e à fome que, de tão intensa, chegou por vezes a impedi-los até mesmo de tocar seu instrumento. Dois anos e meio depois, integrados à comunidade local, estes garotos tem agora um objetivo: aprender música.

O Projeto Guri, pequenas orquestras de meninos, começou em 1995 na Oficina Cultural Amácio Mazzaropi, na zona leste de São Paulo, com apenas 180 crianças. Atualmente responde pelo aprendizado musical básico de 18 000 jovens, organizados em 60 pólos em todo o Estado de São Paulo .

E se no início a idéia era preencher o tempo das crianças que moravam próximas a oficina, o projeto se transformou numa esperança de reintegração social para milhares de crianças, muitas delas internas em unidades da FEBEM. Hoje, existem pólos do Guri nas favelas, nos cortiços, nos clubes, nos bairros nobres e , principalmente, em regiões com sérios problemas sociais, como o Pontal do Paranapanema.

Este o pólo do Guri que mais emociona Silvana Cardoso, coordenadora do projeto desde o início. Muitos dos meninos jamais haviam visto um instrumento musical. Outros conheciam apenas o lamento da viola, entreouvida nas noites frias dos acampamentos. Não havia lugar, comida ou esperança . ‘ O espaço era pequeno e quase sempre alguma criança desmaiava de fome durante as aulas’, lembra Silvana.

O Projeto Guri e sua música mudou a vida dos meninos do Pontal. Eles tocam, cantam, não sentem mais fome e, diferente das outras crianças, em vez de bichos tem “ violinos de estimação”. Para isso a Secretaria de Estado da Cultura contou com uma grande parceira: a Prefeitura de Teodoro Sampaio que ajuda como pode, cuidando da alimentação, do transporte, da manutenção das casas.

A vocação dos mestres

Luiz Antônio Paes Filho tem 29 anos. Ex – estudante de Medicina, largou a faculdade pela música. Formado em composição e regência no Conservatório de Tatuí, viaja diariamente cerca de uma hora, de sua casa em Presidente Prudente até o Pólo Guri de Teodoro Sampaio, onde é o mestre.. O maestro Luizão. Uma experiência emocionante, não só para ele : ” os meninos quase sempre choram quando tocam pela primeira vez”.

O trabalho, conta Luiz Antônio, exige dedicação e criatividade. “As diferenças sociais, a violência e as drogas são comuns em uma região como o Pontal do Paranapanema.”. Quando estes problemas chegam a sala de aula, o maestro Luizão usa de sua experiência e, principalmente, de muita criatividade. É o momento em que o “quase médico” vira ator , encenando histórinhas que alertam estes meninos, muito próximos da marginalidade. ‘Eu continuo, de alguma maneira, salvando vidas, mas temo pelo futuro destas crianças’, diz Luizão.

Cravada no extremo sul do estado de São Paulo, Teodoro Sampaio possuí uma população calculada pelo IBGE de aproximadamente 20 mil habitantes, que vivem basicamente da agricultura e da pecuária. Não está, no entanto, longe dos problemas que atingem os grande centros urbanos.

O prefeito, Paulo Alves Pires, que assumiu a direção do município há menos de um ano, ressalta que o Projeto Guri é uma das prioridades de seu governo. Reconhece na iniciativa da Secretaria de Estado da Cultura um importante fator para o equilíbrio social da região. Gostaria de fazer mais, mas a falta de verba sempre causa dificuldade. ‘Os pedidos são feitos e a gente vai atendendo a medida do possível” diz.

O aluno que virou líder

Se você perguntar por Sérgio Pantaleão aos integrantes do Movimento dos Sem Terra, poucos vão saber quem é. Mas Serginho, todo mundo conhece. Um dos principais líderes do MST , o falante rapaz de 21 anos , foi um dos primeiros meninos músicos do Pólo do Pontal. E lembra com saudades do tempo em que, ainda acampado, foi apresentado ao Projeto Guri. “ Fui ao Guri pela primeira vez para aprender violão, mas como todos tiveram a mesma idéia e não sobrou instrumento para mim, resolvi encarar aquela ‘ coisa esquisita’ diz ele se referindo ao violoncelo.
‘A minha maior dificuldade era a trabalhar com o arco. Até hoje ainda me atrapalho de vez em quando’.

Soltos pelas ruas, repletas de pequenos bares, os meninos do Pontal correm riscos. Sérgio Pantaleão sabe muito bem disto. Conhece, também, por experiência própria, qual a principal qualidade do Projeto Guri : oferecer às crianças no momento em que elas não estão na roça, o aprendizado da música. “Antes, elas ficavam por aí, procurando o que fazer, o que sempre resultava em problemas. “

‘ Eu não gostava de música, até o dia em que minha mãe me levou para uma aula’. Assim Gilson Yoshiro narra seu primeiro dia no Pólo do Projeto Gúri no Pontal, há dois anos. E fala, empolgado, de sua paixão imediata pelo violão, instrumento que agora toca muito bem. Pretende até dar aulas em breve. O desejo de lecionar, não surgiu por acaso, mas por necessidade. ‘Os meus pais não tem como pagar uma faculdade, então a gente se vira como pode. Por aqui o Guri é a nossa chance’, afirma Gilson.

Como o Maestro Luizão, o músico quase médico e Sérgio Pantaleão, o líder violoncelista, Gilson está consciente dos perigos que cercam as crianças do Pontal.
“ A cidade de Teodoro Sampaio oferece poucas opções de lazer, as ruas normalmente estão repletas de pequenos botecos e as crianças quando não estão na escola ou na roça, perambulam sem ter o que fazer. Com os acampados do MST, a situação não é diferente mesmo com todo o esforço da liderança do movimento em ocupar os jovens com atividades escolares ou rurais.”

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