Fapesp: Trechos móveis do DNA regulam a diferenciação de células nervosas

Matéria da Revista Fapesp número 113 - Edição 11

qui, 04/08/2005 - 8h55 | Do Portal do Governo

Surgiram algumas pistas biológicas para entender por que uma mesma pintura ou uma situação idêntica faz uma pessoa rir, leva outra às lágrimas e deixa uma terceira completamente indiferente. As diferenças de percepção, a habilidade de reagir com maior ou menor rapidez a uma fechada no trânsito ou mesmo a inteligência mais ou menos apurada enraízam-se na genética – especificamente, nas conseqüências dos movimentos de seqüências de DNA capazes de saltar de um ponto a outro do genoma, chamadas retrotransposons.

Dependendo de onde estacionarem, esses elementos móveis podem ativar ou silenciar genes responsáveis pela diferenciação de células neuronais, precursoras dos neurônios. Forma-se assim um mosaico de neurônios, que se traduz na maior ou na menor habilidade de emocionar-se por um quadro ou de resolver um problema de física. Realizado por uma equipe do Instituto Salk, Estados Unidos, esse estudo contou com dois biólogos brasileiros, Alysson Muotri e Maria Carolina Marchetto, e abre perspectivas para aprofundar a pesquisa de doenças como autismo e esquizofrenia, que poderiam resultar, à primeira vista, das posições em que se assentam os retrotransposons.

‘Nossa hipótese é que os pulos de retrotransposons em células nervosas adultas podem estar contribuindo para gerar diversidade de neurônios do cérebro, conferindo adaptabilidade e contribuindo para cada indivíduo ter um cérebro único’, comenta Maria Carolina.

Publicado na edição de 16 de maio da revista Nature, o trabalho tem outros méritos. Em primeiro lugar confirma o valor dos genes saltadores como elementos controladores do genoma. A geneticista norte-americana Barbara McClintock descobrira há 60 anos os genes saltadores e lançara essa idéia estudando as origens da variação de cores do milho, mas foi esquecida por quase 40 anos até ganhar o Prêmio Nobel de Medicina em 1983.

Mesmo que outros estudos tenham mostrado essa habilidade de interferir nas características de um ser vivo, os retrotransposons permaneciam um tanto malvistos: suspeitava-se que poderiam ser genes egoístas e parasitas, assim chamados porque se movimentariam com o objetivo exclusivo da auto-replicação, sem nenhuma contribuição ao organismo – uma hipótese sustentada pelo fato de seus movimentos já terem sido testemunhados em células germinativas (óvulos e espermatozóides) e em tumores, mas nunca, até agora, em células somáticas, em especial no cérebro.

Além disso, esse estudo apresenta indicações de como funciona um dos tipos de retrotransposons, os Line-1 ou L1, que ocupam cerca de 20% do genoma dos mamíferos. Outras idéias ganham novos ajustes. ‘Pensava-se que as regiões gênicas que contêm os genes ligados ao sistema nervoso estivessem protegidas contra esses elementos móveis do DNA’, comenta Marie-Anne van Sluys, especialista em elementos móveis que trabalha no Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Mas os L-1 criam cópias de si mesmos e se encaixam exatamente nas regiões do DNA mais ricas em genes responsáveis pela formação das células nervosas, favorecidos por um momento em que os genes estão sendo copiados e o DNA se encontra pouco enovelado.

Específicos – Mas por que os L1 procuram exatamente os genes cuja atividade determina o futuro das células nervosas? ‘Aparentemente’, comenta Carlos Menck, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP que orientou o doutoramento de Muotri e de Maria Carolina, ‘os L1 parecem específicos ao modularem a expressão de genes de células diferenciadas’. Não seriam os primeiros: outros estudos já haviam mostrado que outros tipos de elementos móveis regulam a expressão de genes durante a formação do embrião. Segundo Menck, esses estudos poderiam constituir indícios de um processo não necessariamente aleatório, mas de algum mecanismo que ativa os retrotransposons em um momento específico.

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Carlos Fioravanti – Agência Fapesp