Fapesp: Testes comprovam ação biológica de plantas

Foram mais de 350 dias de expedições por sete municípios do Amazonas

seg, 28/06/2004 - 16h29 | Do Portal do Governo

Foram mais de 350 dias de expedições por sete municípios do Amazonas em busca do conhecimento popular acerca dos tratamentos da malária. Lin Chau Ming, da Faculdade de Ciências Agronômicas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, e Ari de Freitas Hidalgo, da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), propuseram-se a levantar o repertório de folhas, raízes, cipós e cascas de plantas usadas para prevenir ou amenizar sintomas da malária entre habitantes da região de Manaus e da calha do rio Solimões. Das 71 pessoas entrevistadas, com idade entre 34 e 83 anos, somente oito nunca haviam contraído malária, enquanto 32 já a haviam tido pelo menos três vezes – dois homens afirmaram que haviam tido malária mais de 20 vezes. Quase todos, enfim, eram vítimas recorrentes da moléstia, habituados a procurar na floresta substâncias para combater seus sintomas.

Ming e Hidalgo colheram informações sobre o uso de 126 espécies de plantas descritas como eficazes não só contra malária, mas também contra suas conseqüências, como problemas hepáticos e renais ou anemia. Das espécies indicadas, 82 se referiam especificamente à malária ou à febre, o principal sintoma, e outras 91 ao fígado, o órgão mais afetado.

Em um teste preliminar, os pesquisadores avaliaram a ação dos extratos das plantas em larvas de Artemia franciscana, microcrustáceo usado para detectar o potencial bioativo de substâncias, devido à capacidade de sobreviver à paralisação metabólica. Somente 22 das 126 plantas não apresentaram nenhum efeito sobre as larvas de Artemia.

Em alguns casos, como no dos extratos da sacaca (Croton cajucara), do camapu (Physalis angulata) e da caapeba (Potomorphe peltata), 100% das larvas morreram. Outras vezes, o resultado foi menos expressivo, o que não chega a desqualificar a sabedoria popular. Um exemplo é um cipó saracura-mirá (Ampelozizyphus amazonicus), matéria-prima de uma bebida medicinal espumante conhecida como cerveja-de-índio.

Nos testes, a letalidade do crustáceo ficou entre 61% e 70%. Mas há indícios de que essa planta pode mesmo ter um papel na prevenção da malária, como dizem os ribeirinhos. Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostraram que o extrato de saracura-mirá bloqueia o ciclo da malária no organismo, impedindo que o protozoário causador da doença ganhe a corrente sangüínea e deflagre os ataques febris.

Outros pesquisadores haviam descrito vegetais usados contra a malária, mas se limitaram a fazer listas de plantas. Maria das Graças Brandão, da UFMG, foi um pouco além: fez levantamentos em dois estados, Rondônia e Pará, e testes com o Plasmodium falciparum , o protozoário causador da malária. Mas esta é a primeira vez que se avalia a eficiência de extratos de plantas usadas no Amazonas – e 22 das 127 espécies não haviam sido citadas antes em nenhuma outra pesquisa. Na próxima fase, os extratos serão submetidos a testes mais acurados, com cepas padronizadas do Plasmodium falciparum , cultivadas no Instituto de Medicina Tropical do Amazonas.