Fapesp: Interior paulista abriga fósseis de plantas que cresceram ao lado de geleiras

Fósseis têm 300 milhões de anos

qui, 15/01/2004 - 20h01 | Do Portal do Governo

Numa tarde de setembro de 1999, a chilena Fresia Ricardi Branco encontrou uma pedra e tanto no meio de seu caminho. Era sábado, dia de folga de suas aulas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e a especialista em plantas fósseis, moradora da cidade de São Paulo, resolvera fazer uma incursão num território bastante familiar: a rodovia dos Bandeirantes, que liga a capital paulista a Campinas, por onde passava três vezes por semana. Ao lado do marido, Fábio Branco, geólogo de profissão, pegara o carro da família e rumara para o trecho em ampliação da Bandeirantes.

Por volta das 17h30, estava diante do afloramento acinzentado que, alguns dias antes, avistara rapidamente, mas não tivera tempo de explorar: uma formação rochosa de uns 50 metros de largura por 20 metros de altura que brotara das obras em curso no quilômetro 96 da rodovia.

Formado por mais de 20 camadas de siltito, rocha sedimentar de fina granulação, o afloramento abrigava fartos vestígios de pequenos vegetais que se acumularam cerca de 310 milhões de anos atrás, talvez até antes. ‘Os fósseis eram tantos que não dava para não vê-los’, relembra Fresia. ‘Eram de uma vegetação rasteira, de um ambiente próximo a um glacial, semelhante à atual tundra do norte do Canadá e da Sibéria.’ Foram provavelmente parte de um tapete verde, composto por musgos (briófitas) e licófitas de porte arbustivo (plantas eretas, de folhas sempre verdes dispostas de forma helicoidal sobre o caule), que revestia as porções de terra do interior paulista situadas entre as geleiras e o braço de mar que penetrava continente adentro.

Sim, havia glaciares a leste do Estado de São Paulo e um mar interior a oeste ou sudoeste. A tundra primitiva diferia da atual em pelo menos um aspecto importante: não tinha grama. As angiospermas, plantas com flores, entre as quais se incluem as gramíneas,ainda não haviam surgido na Terra.

Nesse momento da história do planeta, por volta de 300 milhões de anos atrás, entre o final do período Carbonífero e início do Permiano, a geografia e o clima da Terra – e não, obviamente, apenas o de São Paulo – eram muito diferentes das condições atuais. A América do Sul, a África, a Antártica, a Índia e a Austrália estavam unidas num supercontinente austral, o Gondwana, e suas porções mais meridionais, tomadas por geleiras em grande medida, roçavam as latitudes polares.

Enquanto a América do Norte e a Europa estavam mais próximas do Equador e apresentavam um clima mais quente, o Hemisfério Sul vivia, entre 330 e 285 milhões de anos atrás, a sua penúltima grande Era do Gelo. A mais recente glaciação de grande porte, cujos efeitos mais diretos se concentraram no Hemisfério Norte, começou há 2 milhões de anos e terminou há apenas 10 ou 15 mil anos. Mas isso já é outra história.

Marcos Pivetta – Agência Fapesp