Exposição: Pinacoteca mostra o Brasil do século XIX visto pelos estrangeiros

Obras dos pintores viajantes, imagens do peruano Chambi e fotos em preto e branco de artistas contemporâneos

dom, 06/07/2003 - 12h39 | Do Portal do Governo

A mostra Vistas do Brasil – Coleção Brasiliana reúne 25 obras de Jean-Baptiste Debret, Johann Moritz Rugendas e Nicolas-Antoine Taunay, os chamados pintores viajantes. As aquarelas, pinturas e gravuras, produzidas no século 19, registram o País visto pelo olhar estrangeiro. A exposição traz também trabalhos dos acadêmicos brasileiros Manuel Araújo de Porto Alegre e Agostinho José da Motta.

Com 15 metros de comprimento, o papel de parede que dá nome à mostra é um dos destaques da exposição. Vistas do Brasil foi produzida pela manufatura Zuber, em 1830, a partir de gravuras do alemão Rugendas (1775-1826 ), que esteve no Brasil pela primeira vez em 1821, na expedição do Barão de Langsdorff. Entre os temas mais característicos de sua obra realizada em terras tupiniquins estão os relativos à escravidão. É considerado o pintor que melhor expressou a fisionomia da natureza americana.


Registros históricos

Pintor e desenhista da Missão Artística Francesa no Brasil, Debret (1768-1848) fez os primeiros retratos da família real, inclusive imagens da cerimônia de coroação de D. Pedro I, e organizou a primeira exposição de arte no País, em 1829. As cenas da população, em que exibe o sofrimento dos escravos negros, e as belas imagens cheias de dignidade dos índios constituem o principal atrativo de sua obra. Os críticos costumam dizer que um único quadro de Debret vale por um tratado e o consideram o maior cronista visual do Brasil.

Entre os quadros da Coleção Brasiliana expostas no museu está um retrato pintado pelo francês Taunay (1755-1830), também participante da missão francesa, no ano de sua chegada ao Brasil, e a vista panorâmica do Rio de Janeiro de três metros feita por Benjamin Mary (1792-1846), o primeiro embaixador da Bélgica no Brasil. Já as aquarelas do oficial do exército britânico Henry Chamberlain (1796-1844) retratam cinco vistas do Rio e fazem registros de cenários de São Paulo e Minas Gerais.

Iconografia dos viajantes

Ao todo, a Coleção Brasiliana – conhecida como ‘iconografia dos viajantes’ – engloba 296 obras. Considerada um dos mais importantes acervos do século 19, a coleção traz paisagens e cenas urbanas, retratos e naturezas-mortas feitos em diferentes estilos e níveis de sofisticação, produzidos pelas penas e pincéis de viajantes europeus entre 1816 a 1898.

Ainda que algumas obras não sensibilizem pela qualidade estética, elas representam documentos visuais históricos e geográficos. Muitas prestaram-se à divulgação do Brasil na Europa, em uma época em que havia grande interesse, motivado pela influência do romantismo nas artes plásticas, filosofia e literatura, em se conhecer o pitoresco e o exótico da América inexplorada.

Os pintores viajantes legaram ao Brasil obras de valor artístico e histórico ao reproduzir, por quase cem anos, cenários tropicais até então inéditos. O olhar estrangeiro, provocado em muitos casos pelo deslumbramento com as belezas naturais e pela curiosidade em conhecer costumes tão pouco familiares ao Velho Mundo, permite ter uma idéia da paisagem e da vida do período colonial e da época do Império.

A mostra resulta de convênio firmado entre a Secretaria de Estado da Cultura e a Fundação Estudar, e conta com o apoio das Fundações Brava e Vitae. A fundação prevê a realização de outras exposições de longa duração no museu sobre assuntos relativos à arte do século 19, como essa que poderá ser vista até dezembro de 2005.

O universo peruano sob a luz dourada do fotógrafo Martín Chambi

Do Arquivo Martín Chambi, em Cuzco, no Peru, vêm as belas imagens da exposição Martín Chambi – poeta da luz – série ouro. O conjunto com 50 fotografias, que ocupará a galeria do piso térreo da pinacoteca do Estado, é uma amostra representativa de seu trabalho, composto de mais de 3 mil imagens, e permite conferir sua marca registrada, a primorosa luminosidade. O fotógrafo peruano foi o primeiro descendente de índios a usar uma câmera e registrar sua própria gente.

As fotografias foram produzidas entre 1922 e 1944 e receberam banho de ouro velho para ficar com suave tonalidade dourada, por isso pertencem à chamada série ouro. Esse tratamento atendia ao pedido que Chambi fez à sua filha Júlia antes de morrer, em 1973. A coleção, com esse processo de revelação, nunca foi vista na América Latina.

‘Ver Chambi sutilmente inserido na atmosfera do seu contexto, a primeira metade do século 20, nesse dourado quase sépia, faz com que suas imagens nos tome ainda mais por um espírito de profunda contemplação, quando nos detemos diante da história de um povo que, fotografado nos mais diferentes momentos e dificuldades da sua vida social e política, seus usos e costumes, jamais deixou-se levar pelo pavoroso fantasma do menosprezo. As fotos que fez do seu povo são mesmo um estudo para a libertação’, sintetiza o curador de Fotografia da Pinacoteca, Diógenes Moura.

No coração do Império Inca

Filho de mineiros, Chambi nasceu na vila de Coaza, no Peru, em 1891. Começou a interessar-se por fotografia quando seu pai mudou-se para Carabaya e foi trabalhar em uma companhia de mineração inglesa. Nessa época, início do século 20, seu país abria-se ao capital estrangeiro para refazer-se do desastre da guerra com o Chile e recuperar a economia, que, como em toda a região inca, vivia o ciclo do ouro.

Cuzco, a cidade sagrada do Império Inca e considerada a capital arqueológica da América, ao mesmo tempo que enfrentava mudanças econômicas convivia com um sistema latifundiário arcaico. Descendentes de espanhóis, os mestiços e brancos dominavam a sociedade e marginalizam os indígenas originários da cultura quéchua, que viviam em estado de quase escravidão.

É nessa época e ambiente que Chambi inicia sua peregrinação. Montado em uma mula, fotografa, de 1920 até 1950, os cantos mais ocultos da Amazônia peruana e os planaltos andinos para mostrar o que restou da cultura inca após a colonização espanhola. Registrou o universo peruano de seu tempo: camponeses, soldados, jogadores, juízes, dançarinos, ferroviários, toureiros, boxeadores, padres e músicos.

Conquistadores e indígenas

Mas com aguçada percepção, aponta sua lente para as diferenças entre a classe dominante e a gente do seu povo. Os retratos posados, os casamentos elegantes e as fotos oficiais dos descendentes dos conquistadores retratam a elite cuzquenha. Não raro, a ironia está presente como na foto Boda de Julio Gadea, prefeito de Cuzco, 1930.

Já o ar solene, a ausência de sorriso e os traços fortes e vincados dos índios, em suas roupas típicas, são captados sem exotismo e com tal força e altivez que não inspiram qualquer sentimento de piedade. A imagem de Menino Mendigo, 1934, é a melhor tradução da dignidade que Chambi passa de seu povo. Em suas roupas rasgadas, o menino de rua se posta firme, quase desafiante, não requer pena, nem pede simpatia, está ali para ser visto.

Pintor da luz

Além da sensibilidade, sua aprimorada técnica de iluminação pode ser notada com mais facilidade em A Campesina de Q´eromarca com Seu Filho, 1934, Auto-Retrato (tendo ao fundo a montanha de Carabaya), de 1930, e Retrato de Ancião, de 1931. Não por acaso, Chambi é chamado de o ‘pintor da luz’. Ele espalha luminosidade em todo o seu trabalho. Por isso, há quem veja referência aos grandes mestres da pintura, como Rembrandt.

Em 1920, ao integrar o movimento indigenista – que pretendia criar o novo índio e exaltar os descendentes dos incas – Chambi começa a fazer retratos soberbamente dignos, tendo como modelo os mais paupérrimos indígenas. O melhor exemplo dessa fase é O gigante de Paruro. A grandiosidade do retrato lembra os quadros que o pintor holandês Albert Eckout fez dos índios brasileiros, no século 17.

Além do registro das remotas comunidades incas, seus rituais, cerimônias e costumes, Chambi retrata a exuberante paisagem andina. Panorâmica de Machu Picchu, de 1925, tornou-se um ícone da produção de Chambi, o primeiro a fotografar a cidade sagrada. A relação com a sua cultura ancestral pode ser observada também nas imagens de ruínas, construções e monumentos de Cuzco.

Os fotógrafos Mario Testino, seu conterrâneo, e o brasileiro Sebastião Salgado revelaram ser Chambi sua maior influência. Apesar do tardio reconhecimento, a fotografia de Chambi é considerada a mais representativa da América Latina.

São Paulo e Berlim sob o olhar e a escrita do forasteiro

A exposição Olhares Cruzados reúne 40 imagens de Berlim, realizadas pelo fotógrafo paulistano Cristiano Mascaro em maio de 2002, e outras 40 de São Paulo, de autoria da fotógrafa berlinense Sybille Bergemann, feitas em abril e maio de 2001 e novembro de 2002.

Integram a mostra os textos do escritor brasileiro Fernando Bonassi, que identifica afinidades entre o bairro berlinense Mitte e o bairro paulistano do Brás, e o do escritor berlinense Carsten Probst, com suas impressões de São Paulo.

Tanto os fotógrafos como os escritores viram a outra cidade com um olhar estrangeiro. As fotografias, em preto e branco, e os textos revelam aquilo que pouca ou nenhuma atenção desperta nos habitantes dessas cidades porque, de tão acostumados com a paisagem familiar, deixam de observá-la de fato.

Foco no humano

São olhares cruzados não apenas porque Cristiano Mascaro e Fernando Bonassi dirigiram seu olhar por sobre o Atlântico em direção ao oriente e Sybille Bergemann e Carsten Probst fizerem o caminho contrário. O contraponto reside no encontro de coincidências e comparações singulares e surpreendentes, apesar das duplas estarem em cidades distintas e observando realidades diferentes.

Embora registrem a arquitetura e as paisagens urbanas, os fotógrafos miram suas objetivas para os indivíduos que nelas habitam. E esse interesse central no ser humano se sobrepõe à escolha do motivo a ser registrado e pode ser percebido pelas escolhas de ângulos visuais e formas de percepção da realidade.


A Pinacoteca do Estado fica na Praça da Luz, 2, centro de São Paulo.
Tel. (11) 229-9844.
Horário de visitação: de terça a domingo, das 10 às 17h30
Entrada: R$ 4,00 (inteira) e R$ 2,00 ( meia)
Grátis aos sábados
Contato para grupos de escolas pelo telefone (11) 227-1655 ou 3313-4394 (de 2ª a 6ª, das 10h às 17 horas).
As exposições de fotografias ficam em cartaz até dia 31 de agosto.

Claudeci Martins – Da Agência Imprensa Oficial