Especial: Trabalho faz parte do cotidiano de quase 80% das detentas do Carandiru

Com salários que variam de R$ 180 a R$ 220, presas ajudam familiares

qui, 09/08/2001 - 13h01 | Do Portal do Governo

Com salários que variam de R$ 180 a R$ 220, presas ajudam familiares

A Penitenciária Feminina da Capital, no Carandiru, tem atualmente 462 presas. Dessas, 364 trabalham em oficinas de empresas privadas e programas desenvolvidos pela Fundação Professor Doutor Manoel Pedro Pimentel (Funap), vinculada à Secretaria da Administração Penitenciária do Estado (SAP). A média de detentas ocupadas é de 80% e os salários variam de R$ 180 a R$ 220 mensais, de acordo com a produção. Em todo o Estado, cerca de 33 mil presos que cumprem penas em penitenciárias trabalham.

Para a diretora da unidade feminina do Carandiru, Maria da Penha Risola Dias, além do dinheiro e da remissão de pena (cada três dias trabalhados, reduz um dia de pena), o trabalho é o início da reabilitação. ‘Eu sempre digo: se você cria o hábito do trabalho na sentenciada, você possibilita sua reabilitação. A conscientização é a alavanca da reabilitação’, disse.

Presa há quase dois anos, Andréia Cristina Dionísio reduziu 120 dias de sua pena com o trabalho. Ela trabalha na assessoria jurídica da unidade. ‘Aqui dentro, ou a gente aproveita o tempo para evoluir, ou a gente cai de vez’, afirmou. Por usar o computador diariamente, Andréia foi escolhida pela diretora para monitorar o curso de informática oferecido às internas.

‘O trabalho ocupa a mente e me ajuda financeiramente’, disse Débora Cristina Ribeiro, presa há quatro anos. ‘Com o que ganho, posso comprar as coisas que gosto, como sabonete, shampoo e chocolate, e também mandar dinheiro para ajudar na educação dos meus dois filhos’.

Na unidade funcionam sete oficinas, sendo cinco pertencentes à empresas privadas e duas oficinas de costura da Funap, que desenvolve programas de qualificação e aprendizado profissional para a recuperação social dos presos. A Funap também é responsável pela equipe de apoio, ou seja, presas que trabalham na manutenção da ‘casa’, como cozinha e limpeza, entre outros. Até o mês de maio, apenas cinco detentas estavam sem emprego, mas uma das empresas decidiu fechar a oficina por causa do racionamento de energia.

Atualmente, 267 presas trabalham nas oficinas das empresas, 40 para a Funap, nas oficinas de costura, e 57 no apoio e também em reformas dentro da penitenciária. ‘Algumas presas preferem o trabalho pesado. Elas pintam as paredes, trocam encanamento, entre outras atividade, mas tudo com orientação de funcionários. O trabalho é muito bem feito’, elogia Dias.

As detentas são admitidas de acordo com a data de entrada na unidade. Até o mês passado, trabalhavam oito horas por dia. Em razão do racionamento de energia, a jornada foi reduzida para sete horas diárias. ‘Os empresários não sabem a fonte de renda que é montar oficina dentro de uma penitenciária. Além de não pagar encargos sociais, os funcionários não chegam atrasados, não faltam e não tiram licença’, destacou a diretora.

‘Nossa empresa já está aqui há oito anos. Acho que isso significa que o trabalho das presas também é importante para a empresa’, afirmou a chefe de sessão de uma das oficinas, Elaine de Souza Silva. ‘A imagem que se tem lá fora é muito diferente da realidade. Esse é um setor como qualquer outro dentro da empresa. Aqui se produz a mesma média produzida na fábrica’. A empresa, da área hospitalar, prefere não ter o nome revelado.

Presas montam cooperativa de trabalho

Presa há nove anos e meio, Mônica Rodrigues trabalha na oficina profissionalizante de costura da Funap. Ela também participa de um grupo que recebe acompanhamento psicológico e massagem terapêutica com profissionais do Instituto de Treinamento e Desenvolvimento do Potencial Humano. ‘A psicóloga está nos incentivando a montar uma cooperativa. No início, vamos reciclar papel. Depois, a idéia é criar uma cooperativa de moda. Quase todas as meninas do grupo são costureiras e queremos fazer nossa própria roupa, ter a nossa grife’, contou.

Há três anos e meio trabalhando como voluntária nas penitenciárias do Carandiru e do Tatuapé, a psicóloga Magali Constantino vem incentivando a formação da cooperativa entre as presas. A idéia surgiu quando soube de uma experiência em presídio no Estado do Rio Grande do Sul. ‘Para formar a cooperativa é necessário ter 20 pessoas. Como já estamos chegando nesse número, estamos iniciando a abertura jurídica da cooperativa’, comemora. Em seguida, Magali levará um grupo de catadores de lixo para ensinar às internas técnicas de reciclagem de papel. ‘Vamos começar com a reciclagem para formar capital, mas as meninas já têm até o nome e o logotipo prontos para a cooperativa de moda’.

De acordo com o projeto, a cooperativa deverá funcionar em parceria com outra que será criada fora da unidade. A proposta é que as internas possam dar continuidade ao trabalho quando terminarem de cumprir suas penas. Desde julho, a psicóloga vem reunindo-se com o Conselho Penitenciário do Estado para ampliar a proposta de cooperativa para todo o sistema carcerário. ‘A idéia já está sendo viabilizada. Serão formadas cooperativas ou associações em duas unidades, na Feminina do Carandiru e na masculina de São Vicente. Também será formada uma externa para os que estão em liberdade condicional, para atuar em parceria’, explicou Magali.

‘Já estou presa há muito tempo e acho que me sentiria perdida lá fora. Muita gente volta para cá porque não encontra uma oportunidade lá fora. Essa é uma oportunidade que eu estou me dando’, enfatizou Mônica. Para ela, a cooperativa também vai elevar a auto-estima de toda a penitenciária. ‘Trabalho não falta aqui dentro, mas a cooperativa será fruto da nossa criatividade. Vai nos valorizar muito’, acredita. ‘Aqui dentro, a gente perde a noção das coisas, mas acho que nem tudo está perdido. Confio no meu potencial’. A opinião de Mônica é dividida com Cristina de Oliveira, que aguarda julgamento há dois anos. ‘Tem muita gente inteligente aqui dentro. Eu, por exemplo, vou dar tudo de mim nesse projeto’, afirmou.

Presas ajudaram vítimas da seca

As presas decidiram espontaneamente mandar dinheiro para ajudar as vítimas da seca. ‘Quando vimos as cenas de criança chorando de fome na televisão, ficamos sensibilizadas. Também somos mães’, conta Débora. ‘Nós, aqui, trabalhamos. Lá, não tem nem emprego’.
As detentas procuraram, então, a diretora da unidade e explicaram que queriam doar de R$ 2 a R$10 para as vítimas da seca. Elas conseguiram arrecadar R$ 1.300 para a campanha do Nordeste. A doação foi feita por intermédio da Rede Globo de Televisão, uma das promotoras da campanha.

Penitenciária em números

A população carcerária de uma penitenciária é sempre flutuante. A cada dia chegam novos presos, outros são transferidos ou liberados. No início do mês de agosto, a Penitenciária Feminina da Capital contava com 462 presas. Dessas, 358 eram condenadas e outras 104 aguardavam julgamento. A maioria das detentas foi levada à unidade por tráfico de drogas (45%), roubo qualificado – uso de arma de fogo, com ou sem morte – (10%) ou homicídio (10%).

De acordo com a diretora, quem tem penas altas a cumprir fica no sistema carcerário por 18 anos. ‘O problema é que muitas acabam voltando’, afirmou. A taxa de reincidência na unidade é de 28%.

A penitenciária também abriga cerca de 20 estrangeiras, vindas de países como Líbano, Arábia, Hungria, Suécia, Colômbia, entre outros, todas presas por tráfico de drogas.

É na prisão que algumas detentas encontram a oportunidade de estudar. Na unidade feminina do Carandiru, 80 internas cursam o Ensino Fundamental, que vai de 1ª a 8ª séries. Além disso, a penitenciária recebeu uma doação de cinco computadores do Comitê do Betinho, formado por funcionários do Banespa. Imediatamente após a instalação dos micros, 90 presas se inscreveram para o curso de informática, com quatro meses de duração.

No mês de maio, vinte detentas iniciaram as aulas, que são ministradas por uma detenta. ‘O curso aqui dentro é ótimo. Funciona como um incentivo e é muito gratificante poder ensinar o que aprendi’, disse Andréia Cristina Siqueira Dionísio, que está presa há quase dois anos. Ela contou que tinha algum conhecimento de informática, mas foi na prisão que começou a usar o computador no dia-a-dia. Andréia trabalha no setor judiciário da unidade e já conseguiu reduzir 120 dias de pena.

Todos os livros doados para a biblioteca são lidos

Condenada há 20 anos de prisão, a detenta responsável pela biblioteca, que preferiu não se identificar, está presa há cinco anos e trabalha desde que entrou no sistema penitenciário. Há dois anos, foi contratada pela Funap para cuidar da biblioteca. Apesar de considerar a remissão de pena importante, ela prefere não saber quanto já conseguiu reduzir com o trabalho. ‘Prefiro deixar lá, como uma poupança para ser usada no futuro’, disse. ‘O sistema penitenciário só não recupera quem não quer se recuperar’.

Com acervo formado por doações, tudo na biblioteca é lido. Ela própria lê três livros por semana. ‘Tudo aqui é aproveitado. Para se ter uma idéia, os livros infantis que chegam aqui são usados pelas presas que estão sendo alfabetizadas’, contou.

A preferência, de acordo com a bibliotecária, é por livro de poesias, espíritas e romances. ‘É impressionante como as meninas gostam de poesia. Todos os livros que temos já foram lidos diversas vezes por elas’.

Recorde na ampliação do sistema prisional

A unidade feminina do Carandiru foi projetada para abrigar 258 presas em celas individuais, porém, duas presas dividem a mesma cela. ‘Mesmo acima da capacidade é possível trabalhar. Com três em cada cela já seria inviável’, explica Dias. O ideal, segundo a diretora, seria separar presas reincidentes das primárias. ‘Mas todos sabemos que isso é inviável porque precisaríamos ter muitos presídios’.

Na opinião de Dias, o Estado de São Paulo é o que realmente tem as melhores condições do País. Ela destaca que ‘a administração Covas/Alckmin é a que mais pensa tanto em presos e penitenciárias, quanto nos funcionários’. A diretora ressalta que, desde que começou a trabalhar em penitenciárias, em 1971, é a primeira vez que vê um Governo trabalhar ‘com’ as penitenciárias. ‘Aqui temos as coisas porque o Estado nos dá’, enfatiza. ‘A comida é boa, a farmácia é das melhores. Além disso, temos dentista e verba adicional para medicamentos. Nosso atendimento ambulatorial é melhor que muitos outros por aí e os nossos médicos são especialistas dignos de primeiro mundo. Eles atuam nos melhores hospitais privados de São Paulo. Tudo isso é o Estado que nos oferece’.

No início da gestão Covas, em 1995, a população carcerária de São Paulo era de 53 mil presos. A polícia, enfatiza o governador Geraldo Alckmin, tem trabalhado tanto que o número de prisões subiu de cinco mil por mês, em 1995, para 10 mil por mês este ano. Atualmente o Estado conta com 95 mil presos, dos quais, 60 mil estão em penitenciárias e Centros de Detenção Provisória e 35 mil em cadeias e distritos policiais.

A ampliação do sistema prisional promovida pelo Governo do Estado é um trabalho revolucionário. Para se ter uma idéia, quando a França fez a reforma do sistema penitenciário, na década de 1970, abriu 18 mil vagas. Em São Paulo, desde a fundação da Província até 1994, foram criadas 21 mil vagas penitenciárias. E, em seis anos da atual administração, foram abertas 28 mil vagas. Com os novos Centros de Detenção Provisória, Centros de Ressocialização e Centros de Progressão Penitenciária que estão sendo construídos, esse número vai saltar para 45 mil novas vagas prisionais.

Estão sendo construídas nove Penitenciárias Compactas para abrigar os presos da Casa de Detenção do Carandiru, que será desativada e o espaço devolvido à população. As novas unidades terão cozinhas, oficinas e salas de aula. De acordo com Alckmin, isso possibilitará que um número maior de detentos possa trabalhar ou estudar e, com isso, reduzir a pena. ‘O Governo não mede esforços para reforçar a questão da Segurança’, afirmou o governador.

Cíntia Cury