Especial do D.O.: Vale do Ribeira conquista mercado externo com arte que vem da banana

Esalq-USP desenvolveu um manual de produção para utilização da palha e do fio da bananeira

sex, 05/03/2004 - 7h42 | Do Portal do Governo

A banana sempre foi um dos pilares da economia no Vale do Ribeira, mas nunca rendeu o suficiente para tirar da região a condição de um dos quadriláteros mais pobres do Estado de São Paulo. Para piorar, muitos bananais convivem com a praga da broca, conhecida como moleque da bananeira, que provoca a redução dos cachos, trazendo prejuízos para o agricultor.

Para muitos, a solução está vindo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, que desenvolveu um manual de produção para utilização da palha e do fio da bananeira, extraídos do pseudocaule da planta. “A bananeira só dá frutos uma vez. Se estiver infestada com a praga, acaba contaminando os filhotes que nascem ao redor. Cortando o tronco, eliminamos as chances de proliferação das brocas, que se alimentam da reserva nutricional da planta”, explica Evaristo de Castro, agrônomo responsável pelo departamento de agricultura e meio ambiente de Miracatu.

Os produtores estão descobrindo que as fibras retiradas dos troncos podem se transformar numa riqueza quase tão importante quanto a própria banana. No município de Miracatu, mais de 150 pessoas foram treinadas para extrair as fibras do pseudocaule da bananeira. Atualmente, 80 pessoas trabalham com o artesanato, sendo que a maioria faz parte da Banarte, uma cooperativa que conta com o apoio da prefeitura.

“Mudou completamente minha vida. Eu ficava em casa e agora tenho trabalho. Estou aqui há mais de quatro anos e adoro artesanato”, diz Cristina Andréia Pinze Filippini, enquanto extrai as fibras.

Além de reduzir a proliferação das brocas dos bananais, gera renda para muitos artesãos. “Com o trabalho, consigo pagar o aluguel e minhas contas. Quero ficar velhinha e caduca fazendo este trabalho que adoro”, brinca Maria Dalva de Jesus, que está há quatro anos na Banarte. “O dinheiro que recebemos ajuda bastante. Coloquei piso na minha casa e comprei alguns móveis”, conta Lenilda da Silva Salviano.

Cinco tipos de fibra

Do pseudocaule da bananeira, são extraídos cinco tipos de fibras. Até mesmo o miolo pode ser utilizado para se fazer papel. Cada fibra tem suas próprias características. Apenas uma delas (rendinha), por exemplo, aceita tingimento. Os artesãos as transformam em esteiras, tapetes, jogos americanos, cortinas, balaios, cestas, bolsas, chapéus, chinelos e outros produtos.

O artesanato da bananeira conquistou espaço no mercado interno e está sendo exportado para vários países. “É gratificante saber que o nosso trabalho está sendo reconhecido”, diz Vanda de Oliveira Ramos, artesã da cooperativa há dois anos.

A prefeitura, que tem convênio com a Superintendência do Trabalho Artesanal nas Comunidades (Sutaco), corta os pseudocaules e os leva para os artesãos da Banarte. “A Sutaco é importante para emitir as notas fiscais”, frisa Suzana de Lima Mendonça, presidente do Fundo Social de Solidariedade de Miracatu, responsável pelo sucesso do trabalho.

Na Casa do Artesão, espaço cedido pela prefeitura, ficam expostos e são comercializados os trabalhos com a fibra da bananeira. Muitos moradores da zona rural trabalham em suas residências, com material retirado das bananeiras de seus próprios sítios.

“Estou ensinando meus irmãos e minha família. O dinheiro que recebo dá para pagar as dívidas e me ajuda bastante”, ressalta Valdicéia Lopes Vassão, que passou seus conhecimentos para vizinhos e amigos. Os artesãos da zona rural também são cadastrados pela Sutaco.

Sutaco

A Sutaco, vinculada à Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho (Sert), promove, desenvolve, divulga e comercializa o artesanato paulista.

Coordenadora no Estado de São Paulo do Programa de Artesanato Brasileiro (PAB), a superintendência do trabalho estimula a produção do artesanato para criar oportunidades de geração de renda e emprego, resgatando formas tradicionais de expressão cultural do povo paulista.

Quase 30 mil artesãos estão cadastrados e possuem a carteira de identidade do artesão. Diariamente, aproximadamente 16 artistas são atendidos. Depois de se cadastrarem, podem emitir notas fiscais para seus clientes pela Sutaco. Em dezembro do ano passado, foram lançadas notas fiscais num total de R$ 900 mil.

Para fazer o cadastro, o artesão deve levar duas fotografias, um selo dos correios para envio da carteira, RG, CPF, comprovante de residência e três peças prontas de cada técnica artesanal que deseja cadastrar.

Novo sistema de registro está sendo desenvolvido para unir os dados do cadastro de artesãos com as informações a respeito das notas fiscais emitidas. O cruzamento desses informes possibilitará o lançamento de relatórios precisos sobre o artesanato paulista, como as técnicas que mais vendem e os artesãos que estão se destacando no Estado.

Quando o novo sistema estiver funcionando, ele nem precisará levar fotos para o cadastro. Será ainda mais simples a emissão da carteira de associado.

Desde o início do mês, o novo site está pronto. São mais de 220 páginas com os trabalhos dos artesãos paulistas, ampliando sua divulgação e permitindo que as peças possam ser comercializadas para qualquer parte do mundo.

Autenticidade da peça

Além dos documentos, o artesão deve apresentar material necessário para confecção de uma peça de cada técnica durante o cadastro. A execução do objeto é exigida para comprovar a autenticidade do trabalho, que depois é classificado numa das categorias de artesanato: bijuteria, bordado, cerâmica (utilitária, figurativa ou artística), colagem, crochê, joalheria, madeira (utilitário, brinquedo, móvel ou instrumento musical), marchetaria, metal, modelagem, moldagem, mosaico, oshibana (prensagem de flores e folhas para confecção de cartões e outros objetos), papel, pedra, pintura, renda, tapeçaria, taxidermia (animais empalhados), tecelagem, tecido, técnicas de impressão (litogravura, pirogravura ou xilogravura), trançado, tricô e vidro.

Os produtos dos artesãos cadastrados são encontrados na loja da Sutaco, na Estação República do Metrô. O superintendente Miguel Del Busso acredita que mais de 6 mil profissionais da área deverão ser cadastrados este ano.

Dificuldades do trabalho

Marlene Augusta dos Santos, responsável pelo planejamento e Tatiana Moraes Nunes de Oliveira, que cuida da comercialização da Sutaco, explicam que uma das maiores dificuldades dos artesãos é estabelecer preços de suas mercadorias.

A maioria não sabe calcular o valor da peça produzida. Alguns exageram no preço, tentando compensar o tempo que levam para executar a obra (até mesmo, pela falta de prática) e outros, vendem por preços inferiores.

A emissão de notas fiscais também veio contribuir para o desenvolvimento do trabalho. Antes, eles não podiam vender suas obras diretamente para o consumidor e para lojas, o que limitava as possibilidades de lucro.

Muitos artesãos procuram a Sutaco para receber orientações técnicas e jurídicas. Todos têm acesso ao acervo e ao banco de dados, com informações históricas e técnicas sobre artesanatos e artesãos, universidades e entidades que trabalham na área.

Com o cipó, Gecino deu o grande salto da sua vida

O pernambucano Gecino Antonio de Lima trabalha há 36 anos com o cipó imbé, encontrado apenas em matas virgens. “Minha mulher, com quem estou há 12 anos, fez uma peça. Fiquei encantado e levei para o trabalho. A obra que ela desenvolveu em menos de um dia vendi por um valor que, com certeza, demoraria a semana inteira para ganhar. Saí do serviço e comecei a fazer também”, lembra.

O artesão de Miracatu, que mora e vende seus trabalhos na beira da Rodovia Régis Bittencourt, garante que pode fazer qualquer peça que o cliente queira. “Outro dia, um doutor parou aqui e perguntou se eu poderia fazer uma estante. Sem nem perguntar quanto custaria, deixou um adiantamento. Ficou um móvel tão bonito que até fiquei com medo. O cliente gostou tanto que encomendou um maior”, conta orgulhoso.

“Sempre tenho a preocupação de não cortar o cipó na época errada, e assim preservar o meio ambiente. O artesão deve ter consciência da importância do manejo”, ressalta Renan Carlos Novais, técnico da Sutaco, que acompanha o trabalho de Gecino há mais de 20 anos, desde que ele se cadastrou na superintendência. “Sou muito esperto. Só colho o cipó quando está maduro. Tem gente que quer tirar tudo”, concorda Gecino.

SERVIÇO
Sutaco: Avenida Angélica, 2.582 – São Paulo – Telefone (11) 3311-1231. Outras informações no site www.sutaco.com.br

Regina Amábile
Da Agência Imprensa Oficial

(AM)