Especial do D.O.: Trabalho em parceria possibilita redução nas infrações cometidas por adolescentes

Criminalidade e volume de processos na Vara da Infância e da Juventude de São Carlos foram reduzidos

qui, 08/01/2004 - 10h19 | Do Portal do Governo

O padre Agnaldo Soares Lima e o juiz João Baptista Galhardo Júnior foram os idealizadores do Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) de São Carlos, que é a concretização do Estatuto da Criança e do Adolescente. O artigo 88 do estatuto diz que são diretrizes da política de atendimento a integração operacional de diversos órgãos, preferencialmente em um mesmo local, para facilitar o atendimento inicial do adolescente.

No NAI, trabalham funcionários do Poder Judiciário (Vara da Infância e da Juventude), Ministério Público (Promotoria da Infância e Juventude), Procuradoria de Assistência Judiciária, Centro de Defesa, Secretaria Estadual de Segurança Pública, Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), Secretaria Municipal e Estadual da Educação, Secretaria Municipal da Saúde, Secretaria Municipal de Esportes e Cultura, Secretaria Municipal de Promoção Social, Conselho Tutelar e entidades assistenciais.

O enfoque do núcleo é o adolescente e não o ato infracional. A equipe busca conhecer quem é o adolescente apreendido pela polícia para trabalhar as situações que o levaram a cometer infrações. Para isso, é importante o envolvimento da família na recuperação dos adolescentes.

Ao ser detido pela polícia, o adolescente é encaminhado ao núcleo, onde passa pela chamada sala da Segurança Pública. Após os procedimentos policiais, o infrator e sua família são atendidos pela assistente social. O técnico de plantão emite um relatório e marca o horário para que compareçam perante o promotor e o juiz da infância. O boletim de ocorrência ou ato de apreensão e o relatório são enviados ao fórum.

Antes ou depois das audiências, o adolescente recebe encaminhamento para atendimento na área da saúde, educação, assistência social, esporte e lazer. Quando a infração é grave, há espaço adequado para oito adolescentes e existem educadores disponíveis no local. Neste caso, a responsabilidade fica com a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem).

A família é convidada a participar de encontros com psicólogos, assistentes sociais e recebem orientações. Muitos pais acabam encontrando no NAI a oportunidade de resolver outros problemas. Estagiários de direito, por exemplo, cuidam da documentação para processos de pensão alimentícia. Algumas famílias são encaminhadas para programas de assistência social da prefeitura.

A população confia tanto no atendimento que muitos pais procuram o local pedindo ajuda para seus filhos que estão se envolvendo com drogas. Eles sabem que a família receberá apoio e o adolescente terá a oportunidade de recuperação.

Exemplo de confiança na Justiça é o caso de um adolescente que quando chegou do trabalho, ficou sabendo que a polícia tinha ido procurá-lo. Imediatamente ligou para o telefone 190, comunicando que já estava em casa. Ele não sabia que estava sendo procurado por ter faltado a uma audiência em que era testemunha num caso de assalto. Passou uma noite preso e aguardava ansiosamente pela visita do juiz para liberá-lo.

Prevenção e verificação

O NAI desenvolve também eficiente trabalho de prevenção. A polícia verifica, periodicamente, locais suspeitos e portas de escolas. Os adolescentes que não freqüentam as aulas são encaminhados para verificação. Estas ações permitem a redução do tráfico de drogas no município. O padre Agnaldo explica que o trabalho conjunto da polícia com o núcleo só é possível porque existe comprometimento de todos os envolvidos no trabalho.

Diretores de escola também procuram o NAI para amenizar conflitos com alunos que apresentam problemas. A diretoria de ensino encaminha os casos para o núcleo que convoca pais e familiares para tentar resolver os problemas. “Os pais devem assumir as responsabilidades. Tentamos identificar os problemas para resolvê-los”, explica a psicóloga Roselaine Prestes Villas Boas. O procedimento é o mesmo de uma ocorrência policial.

O trabalho consegue evitar que adolescentes assumam a culpa de infrações cometidas por delinqüentes maiores de idade.

Números expressivos

João Baptista Galhardo Júnior, juiz da Vara da Infância e da Juventude de São Carlos, realiza todas as sextas-feiras, às 13 horas, audiências no núcleo. Ele, que acumula também as funções de juiz criminal, lembra que era difícil deixar o fórum para ir trabalhar no NAI. Explica que, depois de certo tempo, a tendência é a redução na quantidade de infrações e de números de processos.

O juiz gostaria que todos os municípios tivessem seus núcleos. “De que adianta o menino furtar hoje e passar pelo juiz só daqui dois meses?”, questiona. Nas cidades mais populosas, a solução seria postos descentralizados de atendimento. A agilidade na execução da audiência (em média, menos de 15 dias) diminui a sensação de impunidade e pode ajudar a reduzir a criminalidade.

Os dados encontrados no site do Tribunal de Justiça (www.tj.sp.gov.br) confirmam os resultados. Comparando o número de processos em andamento de outras cidades, com a mesma quantidade aproximada de moradores, é possível notar como o trabalho realizado em São Carlos trouxe benefícios.

No mês de novembro, o município registrou 383 feitos na Vara da Infância, sendo 131 deles distribuídos. A cidade de Marília, no mesmo período, tinha 3.290 processos em andamento, com 167 resolvidos. Araraquara também apresenta números elevados: 1.424 processos em andamento e 107 distribuídos. Em Sumaré, não é diferente. São 2.169 feitos em andamento e 92 processos distribuídos.

Adolescentes trabalham, estudam e cuidam da chácara

Os adolescentes que precisam cumprir medida de internação provisória e de meio aberto são encaminhados para a Casa de Convivência Lucas Perroni Júnior, na qual os portões ficam sempre abertos. É comum ver os vizinhos entrando na chácara para comprar verduras e legumes produzidos pelos adolescentes.

Horta, pomar com 19 tipos de frutas, estufas de mudas para reflorestamento e atividades culturais garantem a recuperação de até 15 jovens que podem ficar na chácara. São eles os responsáveis pela limpeza do local.

Cada quarto representa uma escala no processo de recuperação. No primeiro quarto, os horários são mais rígidos e contam com menos benefícios. Conforme vão apresentando progressos na recuperação, trocam de quarto. No último estágio, podem passar os finais de semana com a família e os horários são mais flexíveis. Assim como ganham benefícios, podem perdê-los por mau comportamento.

O adolescente precisa acreditar na sua própria recuperação, acreditam os responsáveis pelo projeto. Eles deixam a chácara para trabalhar e estudar e voltam de acordo com os horários estabelecidos. A maioria dos adolescentes trabalha no Salesianos, instituição dirigida pelo padre Agnaldo.

“Eu fico aqui de manhã e depois vou trabalhar na fábrica de carteiras”, diz Karyn, 18, aluno do primeiro ano do ensino médio, enquanto cuida da horta. “Aqui na chácara é sossegado. Eu trabalho de manhã na fábrica de carteiras. O dinheiro ajuda, eu dou para minha mãe”, conta Danilo, 17, que está na chácara há quatro meses.

Quando retornam de suas atividades, não são revistados. Os organizadores do projeto acreditam na importância de dar um voto de confiança aos infratores.

Aqueles que são usuários de drogas são orientados. Psicólogo, assistente social e educadores mostram opções de recuperação. Agindo assim, têm conseguido que a maioria dos adolescentes deixe o vício. “Nosso objetivo é trabalhar com a responsabilidade. Se você começa a ter revistas, prejudica o processo pedagógico”, explica a assistente social Marcia Belucci Marson.

O NAI emite relatórios diários sobre o desempenho dos adolescentes e encaminha para o juiz. O acompanhamento é importante para garantir os resultados do trabalho.

Parceria com a comunidade

O padre Agnaldo e o juiz João Baptista acreditam que não tiveram problemas para instalação do núcleo na comunidade por causa do trabalho que já era desenvolvido pela instituição Salesianos, em São Carlos. A credibilidade dos órgãos públicos também contribuiu para conquistar parcerias.

No Salesianos, administrado pelo padre, funcionam oficinas de trabalho que atendem adolescentes considerados em situação de risco. Os alunos participam de aulas de informática e outros cursos profissionalizantes.

Uma padaria funciona no local. A produção é tanta que conseguem abastecer quase todas as escolas do município, assim como vender pães para a comunidade. Convênio com a Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) permite que adolescentes trabalhem na fábrica de carteiras escolares.

Serviço

Núcleo de Atendimento Integrado – R. Marechal Deodoro, 2.490 – São Carlos. Telefone: (16) 270-6441
Outras informações no site: www.linkway.com.br/nai
Salesianos São Carlos – R. Padre Teixeira, 3.649 – São Carlos
Telefone: (16) 271-3031

Por Regina Amábile, da Agência Imprensa Oficial