Especial do D.O.: Programa Escreve Cartas já produziu mais de 60 mil correspondências

Voluntárias do Poupatempo Santo Amaro e Itaquera preenchem formulários e redigem cartas

qui, 18/11/2004 - 12h06 | Do Portal do Governo

Se você tem mais de 18 anos e vocação para o voluntariado, estão abertas inscrições para participação no Programa Escreve Cartas, que funciona nos postos do Poupatempo Santo Amaro e Itaquera.

Inspirada no filme Central do Brasil, que chegou a merecer indicação para os Oscar, a iniciativa completou três anos no mês passado. Na unidade Santo Amaro há, também, atividades externas. Os voluntários visitam sete casas de repouso conveniadas e ações comunitárias da região. Participam de programas sociais como Mutirão da Cidadania, Mostra Sul e Criança Esperança, que levam serviços a bairros periféricos. Em média, atende 1,2 mil carentes por mês. Desde que o Escreve Cartas foi criado, foram redigidas aproximadamente 42 mil na região. No mesmo período, os “escrevedores” do posto Itaquera produziram 20 mil correspondências – em atividades internas e externas. Também realizam visitas periódicas ao Centro de Referência do Idoso (CRI), projeto da Secretaria da Saúde que objetiva proporcionar envelhecimento saudável à população. A ação é resultado da parceria entre o Poupatempo e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. O envio dos manuscritos é gratuito.

Reconhecimento – Em 2002, o Escreve Cartas foi um dos programas premiadas pelo 7º Concurso de Inovações na Gestão Pública Federal – Prêmio Hélio Beltrão, promovido pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), Secretaria de Gestão do Ministério do Planejamento e pelo Instituto Hélio Beltrão. O concurso elege, anualmente, 20 projetos da área federal, que se destacaram por seus trabalhos. No ano seguinte, recebeu o Prêmio Top Social 2003 pela Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB). A 5a edição do Top Social premiou 40 das 197 ações inscritas, homenageando iniciativas que empreenderam programas responsáveis, com exemplaridade e transformação social.

A coordenadora administrativa do projeto, Margot Molnar Cintra, lembra que para a convocação dos primeiros candidatos houve a publicação de notas em jornais de grande circulação. Eles se inscreveram, participaram de palestras, dinâmicas de grupo e foram selecionados. Existem 110 voluntários. O ato espontâneo de doação ocorre em grupos de quatro pessoas, que atuam uma vez por semana durante duas horas. O atendimento interno é feito das 7 às 19 horas.

“Oportunidade de conversar com as pessoas e ajudá-las”

Edith Tanchella, 73 anos, é voluntária desde o início. Seu contato com a escrita, para ajudar as pessoas, não é de hoje. Quando trabalhava num entreposto atacadista, as serventes sempre pediam para ela fazer cartinhas, que eram enviadas aos parentes no nordeste: “Para mim, essa função é uma oportunidade de doação, de conversar e construir amizades. Às vezes as pessoas vêm aqui, desabafam seus problemas e só depois pedem para escrever.”

Adalma Bentivegna, 57, há um ano dedica parte de seu tempo a essa atividade. Ela recorda que, quando assistiu ao filme Central do Brasil, foi motivada a montar o atendimento de “escrevedora de carta” na garagem de sua casa, pois no Brooklin, onde mora, há inúmeros canteiros de obras e muitos carentes: “Mas, como poderia incomodar os vizinhos e mesmo a família, acabei desistindo.”

Tempo depois, leu a nota de convocação do Escreve Cartas no jornal e resolveu se inscrever: “Gosto de redigir porque vejo o outro lado das pessoas simples, carinhosas com os parentes. Até hoje, não escrevi nenhuma carta agressiva. E noto que eles saem muito felizes.”

Nadi Carvalho Teixeira, 66, morador do Grajaú, compareceu ao Poupatempo por outro motivo. Esteve no posto da Telefônica para solicitar o cancelamento de sua linha e descobriu que precisaria redigir uma carta de cancelamento: “Lá mesmo me aconselharam a pedir ajuda aqui Poupatempo, porque tenho problemas com as letras. Fui bem atendido”.

Quando os usuários manifestam o desejo de voltar a estudar, as voluntárias indicam escolas, igrejas e outras instituições que oferecem curso de alfabetização. “A maioria tem receio de conversar sobre o assunto e acha que está velha demais para retornar aos etudos”, observa dona Margot.

Hóspedes de casa de repouso ganham novas amigas

“É uma forma de se manterem conectados com outros idosos e familiares afastados. Hoje, no primeiro contato com as voluntárias, talvez até haja timidez, mas com a convivência ficarão mais integrados ao grupo”, avaliou Luiza Helena Gomes, gerente administrativa da Casa de Repouso Ellos, ao receber pela primeira vez a equipe do Escreve Cartas. A casa, no Jardim Aeroporto, hospeda 10 pessoas da terceira idade, três homens, sete mulheres. A partir do primeiro encontro, as cinco voluntárias visitarão a instituição mensalmente para incentivar que elas enviem notícias aos familiares, participem de intercâmbios com outros asilos, escolas e construam amizades.

Elas se aproximaram dos idosos, se apresentaram e iniciaram diálogo. Conversaram sobre o passado, as lembranças da família e os gostos de cada um. Depois, o convite para ditar o conteúdo das cartas. Na opinião de Selma Ribeiro Stein, há seis meses no programa, a atividade é uma forma de encurtar a distância entre o idoso e o mundo lá fora.

Novas amizades – Com um empurrãozinho da “escrevedora” Maria Zélia Bezerra Santos, dona Belmira Cunha Godói resolveu se comunicar com dona Clélia, da Sociedade Beneficente A Mão Branca. Na carta, mencionou que tem 85 anos, e muita fé no coração: é católica e devota de São Judas Tadeu. Contou que gosta do asilo porque “é um lugar tranqüilo”. Disse que, de vez em quando, recebe correspondências da cunhada: “Gosto quando chega carta porque alegra o espírito da gente.”

Zélia respeita a experiência dessas pessoas, mas lamenta que são carentes afetivamente: “Elas querem atenção. Quando começam a falar, quase não param mais. São ansiosas e precisam de alguém que as escute. Nós desempenhamos esse papel, que é muito gratificante.” Catharina Kudlovics Horth, que nasceu na Áustria efoi registrada na Iugoslávia, fará 82 anos segunda-feira. Foi casada duas vezes, tem dois filhos e muitos netos. Incentivada a fazer amizades, enviou alguns dizeres a dona Vilcia, 63 anos, da Casa de Repouso Coração de Maria, em Interlagos. Contou à nova amiga que gosta de assistir aos programas de televisão sobre migração e que seus netos irão buscá-la no dia de seu aniversário para passearem juntos.

Quanto à resposta da correspondência, disse que não é ansiosa: “Não tem problema se demorar. Me sinto bem quando recebo cartinha. Desde que minha irmã se casou, nunca mais o carteiro trouxe uma.” Na Casa de Repouso Ellos, as voluntárias redigiram sete correspondências.

Carta leva um pouco daquilo que sobra: saudade

Adriana de Oliveira Mello perguntava e escrevia ao mesmo tempo: “Qual é a idade da senhora?” e dona Maria Oriete de Moraes respondia: “71”. “O que gosta de fazer?”, indagava por escrito a voluntária. “Gosto de ler”. Dona Oriete é deficiente auditiva, mas o diálogo fluía sem dificuldades. No fim da conversa, ela decidiu enviar um bilhete para seu irmão, Sílvio, que sempre manda notícias. “Pergunta quando o parente irá visitá-la e se vai demorar. Agradece ao cartão recebido recentemente”, resume Adriana. Para a idosa, a carta é uma maneira de expressar sua saudade da família.

Na juventude, trabalhou na área de produção de uma fábrica. Ler é uma de suas predileções. Durante a entrevista, dona Oriete não tirava do colo, todo surrado, o livro O amor venceu, de Zibia Gasparetto. Adriana é assistente social e atua na área infantil. Para ela, é muito bom conhecer os dois lados: “Gratificante é a alegria que expressam ao nos receber. Elas nos consideram visitas”. A voluntária relata uma experiência inesquecível do programa, quando intermediou o contato escrito entre uma criança – estudante da região – e uma idosa de uma casa de repouso: “A senhora fez amizade com o garoto e, constantemente, o aconselha. Ele passou a fazer parte da sua família”. Em dezembro, haverá uma atividade programada pelo Escreve Cartas que reunirá os estudantes e idosos das casas de repouso participantes do intercâmbio. Nessa ocasião, os dois terão a oportunidade de se conhecerem pessoalmente.

Inscrições abertas para voluntários

Qualquer um pode integrar a equipe de “escrevedores”, desde que tenha, no mínimo, 18 anos, saiba escrever, comprometa-se a guardar sigilo das confidências e tenha facilidade nos relacionamentos interpessoais. Paciência é outra qualidade indispensável. Interessados poderão se inscrever até amanhã, pessoalmente, no Poupatempo Santo Amaro ou pelo telefone (11) 6859-3124, das 7 às 19 horas. Noventa por cento dos integrantes são mulheres, a maioria da terceira idade e aposentadas. “Os mais novos ficam pouco tempo. Geralmente são desempregados. Quando arrumam serviço, abandonam o projeto”, informa dona Margot. Representantes da Nicarágua e Alemanha visitaram a unidade para conhecer seu padrão de qualidade no atendimento ao cidadão.

O coordenador de recursos internos do posto, Valderi Martins de Almeida, disse que administradores de Moçambique firmaram convênio com a instituição para lá desenvolver o know how do Poupatempo brasileiro. “Eles viram o Escreve Cartas e o avaliaram como iniciativa pioneira desenvolvida só por voluntários”, destaca o coordenador. A coordenadora de atendimento, Adriana Simões Fernandes, avalia a ação como um sucesso. Ela conta que no dia-a-dia, além da habitual redação de cartas, o pessoal ajuda no preenchimento de formulários de documentos e serviços diversos disponíveis no posto Itaquera. Auxiliam nas correspondências para intercâmbio entre idosos dos asilos e alunos de escolas públicas e privadas da região.

Santo Amaro Antiga: uma viagem pelo tempo

Até sábado, os usuários do posto poderão apreciar a exposição Santo Amaro Antiga, no hall em frente ao box do Escreve Cartas. A mostra foi organizada em comemoração aos três anos do programa e é fruto de parceria entre o Sesc Santo Amaro e o Centro de Tradições de Santo Amaro. Reúne fotos que simbolizam a importância histórica do bairro. O presidente do Centro, Alexandre Moreira Neto, disse que Santo Amaro tem sua relevância por representar 43% da área física da cidade de São Paulo e sediar cerca de 45% da indústria farmacêutica do Estado. Sem citar números, ele diz que o PIB da região equivale ao do Paraguai.

Quem visitar a exposição conhecerá algumas curiosidades. Por exemplo, você sabia que o decreto do imperador Dom Pedro II, de 10 de julho de 1832, determinou a criação do município? Mais de cem anos depois, em 22 de fevereiro de 1935, o interventor do Estado, Armando de Salles Oliveira, decretou a extinção da autonomia.

O passeio pelo tempo apresenta imagens da Alameda Santo Amaro, em 1936, Estação de Carga (1928) – atual Colégio Lineu Prestes, Auto Estrada São Paulo – Santo Amaro (1938), Igreja de Santo Amaro e Largo 13 de Maio. “A região é um bairro-cidade com tradições, usos e costumes da vida de antigamente. Para o pessoal tradicional, a palavra vale como documento”, assegura Moreira Neto.

SERVIÇO
Voluntários interessados em participar do Programa Escreve Carta poderão se inscrever até o dia 19, pessoalmente no Poupatempo Santo Amaro ou pelo telefone (11) 6859-3124, das 7 às 19 horas. A unidade fica na Rua Amador Bueno, 176 – próxima ao terminal de ônibus Santo Amaro.

Viviane Gomes
Da Agência Imprensa Oficial

(LRK)