Especial do D.O.: Pesquisadores brasileiros criam opção ao transplante de pâncreas

Procedimento, bem mais simples e mais seguro, abre caminho para a cura da diabete tipo 1

ter, 04/02/2003 - 15h49 | Do Portal do Governo

O Brasil faz parte do grupo de países que domina a técnica de implante de ilhotas de Langerhans, as células responsáveis pela produção de insulina. O procedimento, apesar de ainda experimental, é encarado como uma hipótese de cura da diabete tipo 1.

Apenas pouco mais de 100 operações semelhantes foram feitas em todo o mundo nos treze centros aptos a realizá-la. Entre eles estão os Estados Unidos, Suíça, Inglaterra e Canadá. ‘É uma honra o Brasil ser o primeiro país da América Latina a dominar uma técnica sofisticada que exige conhecimentos e tecnologias de ponta e realizá-la com sucesso’, ressalta o coordenador do projeto, o endocrinologista Freddy Goldberg Eliaschewitz.

A cirurgia durou 37 minutos e a paciente, Telma Rosário de Almeida, 45 anos, submeteu-se à operação porque as oito injeções diárias de insulina não mais regulavam os níveis de açúcar em seu sangue. A infusão foi realizada no Hospital Israelita Albert Einstein, que bancou essa etapa do projeto.

Por meio de um corte de 2 milímetros no abdômen e de uma agulha de 30 centímetros, oito médicos, coordenados por Eliaschewitz , injetaram-lhe 252 mil ilhotas no fígado que passará a produzir insulina. Esse órgão foi escolhido por sua alta capacidade de regeneração, pela tolerância à incorporação de materiais que lhe são estranhos e por consumir metade da insulina do corpo. A outra razão é que o pâncreas é muito frágil e num procedimento mais invasivo pode autodestruir-se.

Outra vida

Desde os 19 anos, Telma tem diabete tipo 1, a mais agressiva. No último ano, não podia mais trabalhar e tinha crises de hipoglicemia súbitas e despercebidas que a levaram ao estado de coma. “Durante a noite, eu acordava de duas em duas horas para medir a taxa de glicose, com medo de ter uma crise enquanto dormia. Com o transplante, minha qualidade de vida melhorou. As medições de glicemia diminuíram para cinco por dia e as injeções, para quatro.”

O tratamento ainda não acabou. Serão necessários mais dois implantes para que possa futuramente livrar-se das injeções de insulina. Seu sistema imunológico, como o dos demais diabéticos do tipo 1, por motivos ainda desconhecidos, ataca e destrói as células pancreáticas interrompendo a produção de insulina.

Sem as doses de hormônio artificial, os pacientes não sobrevivem e não há como prevenir a doença. Com o implante, as ilhotas reiniciam a produção e a liberação de insulina regulando o nível de glicose no sangue.

USP separa e purifica células com tecnologia de ponta

Extraídas de pâncreas de doador com morte cerebral, as células foram isoladas, tratadas e purificadas no Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP). É lá que 12 pesquisadores bolsistas supervisionados pela bioquímica Mari Cleide Sogayar fazem todo o trabalho de separar de 1% a 2% do tecido pancreático, que são as ilhotas de Langerhans, e prepará-las para o implante.

Para realizar o transplante foram necessários nove anos de trabalho e pesquisas que permitiram aos especialistas brasileiros dominar a técnica de obtenção e purificação dos tecidos. O projeto, idealizado por Eliaschewitz e desenvolvido por Sogayar, é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), em parceria com o Hospital Albert Einstein.

Ele prevê o implante em mais 17 pessoas num prazo de três anos. O maior problema relatado pelos envolvidos com o programa é conseguir verbas para as pesquisas, além da longa fila de espera pelo órgão de um doador. Como está em fase experimental, só têm acesso ao pâncreas depois que todos os centros do País o recusam. Não há um banco de órgãos específico para esses casos.

Além de fazer o isolamento, o laboratório da USP pesquisa, também, a maneira de encapsular as ilhotas para que não sofram rejeição quando transplantadas. Sem o risco dos imunossupressores, o procedimento poderia ser feito em número maior de pacientes diabéticos.

Quem pode fazer

O processo é indicado no tratamento de diabete tipo 1 e para os pacientes cuja doença é uma ameaça iminente à vida. Esses casos, como o de Telma, são conhecidos como hiperlábil. A alternativa é o transplante de pâncreas (órgão inteiro). Ambos os tratamentos exigem que o paciente se submeta até o fim da vida a uma terapia imunossupressora para evitar a rejeição.

Essas drogas têm sérios efeitos colaterais. No caso das ilhotas, os medicamentos importados e produzidos causam efeitos colaterais menores, mas baixam a resistência imunológica e aumentam os riscos de infecções.

A diferença entre os dois tratamentos é que no transplante, realizado regularmente no Brasil desde 1995, há risco de morte, a operação dura de 6 a 9 horas, o pós-operatório é complicado, a anestesia é geral, a pessoa fica com dois pâncreas produzindo suco pancreático e o organismo precisa liberar esse excesso de substâncias. É mais indicado em pacientes cuja diabete causou danos aos rins.

Claudeci Martins
Da Agência Imprensa Oficial