Especial do D.O.: Penitenciária de Hortolândia oferece trabalho e perspectiva aos presos

Moedores de carne, café, cereais e pimenta são produzidos na oficina da prisão

ter, 23/09/2003 - 9h32 | Do Portal do Governo

A Penitenciária Odete Leite de Campos Critter – P II de Hortolândia oferece trabalho e perspectiva aos presos. Da população de 1.205 presos, 521 trabalham em oficinas dentro da unidade, fabricando desde ímãs de geladeira a moedores de carne e café, passando por pipas e blazers, que poderão ser encontrados em lojas de departamento de shopping centers.

O resultado parece ser saboreado nas palavras calmas do jovem diretor da prisão, Paulo Rodrigues: “Nos últimos seis meses não tivemos nenhuma fuga aqui e temos muito poucas ocorrências de brigas e violência entre presos”. Não bastasse a alta produção de trabalho dos presos, há pouco mais de um mês, numa espécie de brigada dos funcionários da penitenciária, foram erguidas as paredes de duas salas de aula, onde os presos terão instrução do ensino básico, primeiro e segundo graus e também cursos profissionalizantes.

A iniciativa de construir a escola foi da diretoria da PII com apoio da Fundação de Amparo ao Preso (Funap). As salas têm 90 vagas para estudos, uma sala para cursos profissionalizantes e as aulas acontecem diariamente em dois períodos para os 75 presos matriculados nos cursos. “Um dos nossos objetivos é acabar com o índice de mais de 20% de analfabetismo”, diz o diretor. Os professores são contratados pela Funap e também pela prefeitura de Hortolândia, com apoio de Campinas.

Já foram realizados alguns cursos, como para os que trabalham na cozinha, o que resultou na melhora da alimentação e geração de maior economia, com o bom aproveitamento de tudo o que é comprado pela unidade, pois não há desperdício. Estão nos planos cursos para horta, aproveitando uma área externa e os presos que gozam de benefícios, além do projeto de uma cooperativa de reciclagem.

Nova profissão

Além dos presos nas oficinas, há a ala de progressão, com 90 sentenciados, que aguardam benefícios. Desses, 53 trabalham em regime semi-aberto, 24 deles numa unidade fabril montada dentro do presídio, mas fora da área fechada. O restante é pessoal de cozinha e faxina. As empresas montam oficinas na área interna do presídio, os presos permanecem em espaços fechados –uma espécie de grande cela – com trancas e vigiadas, onde são armazenadas também as ferramentas de trabalho. Em algumas oficinas, os próprios donos acompanham a produção.

Para conseguir trabalhar, o preso precisa fazer a solicitação e aguardar sua vez. Primeiro passa por uma triagem pela diretoria de produção e, de acordo com a data de entrada na unidade, toma lugar na fila. Demora em média 90 dias para que o preso consiga um lugar. O primeiro trabalho é como auxiliar de oficina na montagem de pregadores de roupa. Em seguida, vai ganhando novas funções, podendo chegar à metalúrgica, trabalho mais especializado. Se algum preso já tem conhecimento ou aptidão em determinada função, pode ser aproveitado imediatamente.

As vagas são abertas quando algum preso passa de uma oficina para outra, ou é transferido, saindo da unidade prisional, ou é cortado porque não correspondeu ao trabalho. O diretor explica que muitos presos não demonstram vontade pelo serviço, param um tempo, mas acabam pedindo para trabalhar de novo. Segundo o diretor, o preso traz com ele o problema da rua, às vezes está preocupado com a família, pensa nas dificuldades de quem ficou lá fora e isso prejudica no trabalho.

Trabalho e dinheiro

A maior motivação surge na forma da remuneração e possibilidade do benefício de remissão de pena. Algumas oficinas pagam 3/4 do salário mínimo e em outras a remuneração depende da produção, como no caso dos pregadores de roupas. A remissão permite eliminar um dia de pena a cada três trabalhados.

“Entendemos que é difícil para um preso chegar à prisão e ficar parado, sem ter o que fazer. Se ele encontra a perspectiva de um trabalho, fica motivado, tem a chance de fazer alguma coisa e anima-se com a possibilidade de ajudar a família com o dinheiro que pode ganhar. Em muitos casos os presos criam nova visão e mudam a concepção na hora de voltar à rua, à família”, fala o diretor.
O trabalho é diário, de segunda a sexta-feira, das 8h da manhã às 16h30, com intervalo para almoço, servido na própria oficina.

Sábado e domingo são dias de visita e não há trabalho. As oficinas na unidade são de montagem de pipas (artesanais), recuperação de induzidos (de motores), costura de bolas esportivas, pregadores de roupa, ímãs de geladeira (artesanais), pentes e lixas de madeira e metalurgia, onde se fabricam moedores de carne, de café, de grãos e ralador de queijo.

A prova de que o trabalho motiva o preso está na média de 100 pedidos de benefícios protocolados mensalmente na unidade. São pedidos de remissão de pena, de liberdade condicional, de regime semi-aberto, regime aberto domiciliar, comutação de pena. O diretor conta que atualmente há 200 presos com regime semi-aberto definido, sendo que 110 esperam vaga na ala de progressão.

Oficinas abrem suas portas

A oficina de prendedores de roupa é o primeiro passo para o preso que pede o benefício de trabalhar. É uma espécie de vestibular: o trabalho é maçante, ganha-se por produção, exige muita atenção, concentração e a manipulação de pequenas peças para a montagem do prendedor. São cem presos trabalhando nessa oficina e um dos responsáveis pela produção é José Roberto Calheiros Silva, 34 anos, cumprindo pena pela terceira vez por tentativa de assalto.

Casado, pai de dois filhos, José Roberto deve ficar preso ainda mais dois anos. Cursou até a 7a série, e “lá fora” trabalhou como cozinheiro, pedreiro e feirante. Agora cuida da marcação da produção nas caixas entregues pelos presos. “Sou uma espécie de líder e preciso ficar atento para as quantidades, pois um preso só pode produzir no máximo quatro caixas por dia”. Cada caixa tem 50 dúzias de prendedores, e a limitação é para que todos os presos tenham a chance de ganhar a mesma importância. Os prendedores são distribuídos na capital e em várias cidades do interior.

Na outra ponta, isto é, se a oficina de prendedores é o início para quem quer trabalhar, o top é a oficina metalúrgica, que produz moedores de café, de cereais, de carne (dois tipos) e raladores de queijo (do tipo manual).

Na metalúrgica o trabalho é especializado, cada um tem função definida, as peças passam por controle mais apurado de qualidade, e são usadas ferramentas mais tradicionais de pequenas indústrias, como serras, furadeiras, dobradeiras e tornos.

Unindo o útil ao mais útil ainda, Wilson Pinheiro Blanco, 29 anos, cumprindo pena por receptação de produto de roubo, trabalha na confecção; monta calças e paletós, que podem ser encontrados nas araras de grandes lojas de departamentos. Ele também tem uma pequena confecção que agora é tocada pela mãe e faz várias peças de roupa de acordo com pedidos de lojas. “O interessante é que troco idéias com os proprietários das lojas e todos acabamos aprendendo mais. É bom para todo mundo”.

Escola: a luz que se acende no fim do túnel

Em funcionamento há pouco mais de um mês, as duas salas de aula ainda têm o cheiro de tinta nas paredes brancas. O chão mantém-se impecavelmente limpo e as carteiras dos alunos estão com boa aparência. Uma turma acabou de deixar a aula matutina e ainda passa os olhos curiosos por dezenas de livros dispostos numa prateleira, que toma quase toda parede. Orgulhosa, a diretora de educação, Rosana Lemos Torres, diz que a maioria dos alunos fica muito interessada nos livros. Anima-se também com o aproveitamento das aulas, que exigem uma equipe de professores versátil e bem treinada.

Seu rosto se ilumina quando Fernando Henrique, um jovem alto de 24 anos (cumprindo pena por assalto à mão armada), diz que gosta de ler e tem preferência pelas obras do escritor francês Júlio Verne e do romancista brasileiro Machado de Assis. De Verne, Fernando aprecia as incontáveis e fantásticas histórias de aventura que o escritor começou a escrever logo cedo, na adolescência, por volta dos anos de 1840, pois os pais costumavam participar de safáris e aí já havia o material necessário de base para suas aventuras imaginárias.

De Machado de Assis a admiração fica por conta da forma de o escritor detalhar situações, casos, e criar perfis, que prendem a atenção do leitor. E é essa profissão Fernando pretende seguir quando acabar de cumprir sua pena de dois anos. “Já li muito e quanto mais informação é melhor no processo criativo, porque gosto de escrever livro de ficção”. Fernando diz que seu primeiro livro já está sendo avaliado por uma editora; enquanto isso, coleta contos para outro.

Ele estudou somente até a 6a série e pretende a diplomação até a 8a ainda dentro da unidade prisional, pois “com a escola surge mais uma chance de a gente poder crescer, evoluir e disputar uma vaga melhor no mercado de trabalho lá fora, além de ter também oportunidade de melhora social”.

Também condenado por assalto, Cristiano Ribeiro Barros, 27 anos, está há dois anos na penitenciária e faz planos de sair até o fim do ano, assim que montar todos os seus benefícios. Magro, físico de atleta, faz planos de seguir os estudos até se formar em Educação Física.

Estudou até a 6a série e tinha, desde 2001, o firme propósito de terminar até a 8a série. “Já fechei esse ano e agora o segundo grau é o meu objetivo mais imediato. Gostei da idéia de eliminar quatro anos em apenas um e com isso tirei um grande proveito que não sabia que me faria tão bem”, conta.

Decidido a não perder tempo, pega vários livros para ler na cela, além daqueles usados nas aulas. Cristiano fala com desenvoltura e está entusiasmado com a chance de fazer a prova para o segundo grau. “Esta oportunidade de fazer o exame aqui dentro é a melhor coisa que poderia acontecer porque dá chances iguais a quem está lá fora e aqui dentro. Dá mais motivação e mais vontade de conseguir a aprovação.”

Da Agência Imprensa Oficial

(AM)