Especial do D.O.: Museu de Arte Sacra reúne precioso acervo religioso e colonial do Brasil

Instituição tem cerca de 4 mil obras, e as 800 que estão em exposição provêm das principais igrejas e capelas do Estado de São Paulo e do Brasil

seg, 30/08/2004 - 9h26 | Do Portal do Governo

Muita gente que circula nas imediações da Avenida Tiradentes, na região central de São Paulo, não imagina que bem pertinho dali, existe um museu que divulga e preserva a memória do mais importante acervo de arte sacra do Brasil e da América Latina. Apesar de pouco conhecido do paulistano, o Museu de Arte Sacra reúne preciosa coleção da arte religiosa do período colonial, criada por artistas e artesãos, sob encomenda da Igreja e de ricos fazendeiros da época.

A instituição tem cerca de 4 mil obras, e as 800 que estão em exposição provêm das principais igrejas e capelas do Estado de São Paulo e do Brasil. O acervo inclui gravuras, pinturas, estátuas, mobílias, objetos litúrgicos, decorativos, paramentos (vestimentas dos bispos e arcebispos), fragmentos de igrejas, altares, acessórios de metais preciosos (como brincos e broches) dos séculos 16 ao 20. Há também peças de outros países.

Fixo na parede, o arco do retábulo (construção de madeira com entalhes de motivos religiosos), acima do altar de Nossa Senhora da Luz, está sendo restaurado e pode ser visto pelo público. A peça está no museu desde a fundação do Mosteiro da Luz.

Em 1603, com a chegada da imagem da santa, cujo autor é desconhecido, o bairro foi batizado de Luz. A Igreja de Nossa Senhora da Luz começou a funcionar no complexo do mosteiro em 1806.

Obras de qualidad

O auxiliar de restauro Ananias dos Santos Andrades conta que a recuperação do retábulo foi necessária porque estava danificado e deixava transparecer camadas de pintura diferentes da original. Depois de remover essa tinta com bisturi cirúrgico, coloca-se massa para igualar a altura da parte trabalhada à verdadeira. A peça ganha tons de bege com detalhes dourados. Andrades disse que seu trabalho chama a atenção das pessoas e muitas delas param para perguntar. “Alguns visitantes acham que restaurar é a mesma coisa que pintar. Mas não é só isso: o restaurador tem de se manter fiel ao original”.

Passam, ainda, por recuperação dois altares da antiga Matriz de Santo Amaro; o da Fazenda São Mathias, em Ilhabela; e o da capela de Piraí, de Itu. Essas quatro obras estão sendo recuperadas no ateliê do restaurador Júlio Moraes, exigindo o trabalho paciente de 12 profissionais.

O trabalho começou em maio e a previsão é que seja finalizado em novembro. Após esse período, será organizada uma exposição para mostrar ao público o estilo barroco paulista presente na maioria das obras.

Os retábulos são do final do século 17 e começo do 18. “Foram produzidos em São Paulo e revelam a extrema qualidade do que se criava aqui, na época da província. Todos têm a aparência do mármore em tons de vermelho, azul, rosa, ouro e prata”, destaca a diretora do museu Mari Marino.

Desde 1999, ela pretendia recuperá-los. Somente neste ano foi possível, em razão do patrocínio do Banco Nacional de Paris, por meio da Fundação BNP Paribas Brasil.

Imagens, oratórios e lampadários

O mestre Aleijadinho (Antonio Francisco Lisboa) esculpiu a imagem policromada de Nossa Senhora das Dores, no século 18. “É uma das mais solicitadas por museus da França, Nova York e países da América Latina. Ela traz o rosto carregado por uma expressão de dor. A plasticidade obtida pelo artista retrata o sofrimento de uma mãe que vê seu filho morrendo na cruz”, explica o monitor Eduardo de Moura Toth Luiz. Ele conta que as sete dores íntimas, traduzidas em dor e agonia, são observadas na imagem e constam de uma passagem bíblica.

Nessa época, vários artistas esculpiam imagens da santa por causa da grande devoção dos fiéis, que começou em Minas Gerais e se estendeu para diversos Estados brasileiros.

Data do século 17 uma imagem de Nossa Senhora das Dores, criada em Itu por um autor desconhecido. Nessa peça, feita em barro, há forte influência indígena, principalmente nos olhos, pele e postura ereta da santa, com predominância de linhas verticais.

Outra referência do museu é a figura de São Jorge, que veio de Portugal, no século 18 e representa a fé popular em procissões, a devoção, o lamento e a reza dos fiéis nas ruas. Era essencial para o artista colocar a dramatização nas obras.

Arte nai

Uma das raridades do acervo é o lampadário de Dom Pedro I, da época da Independência do Brasil. “Temos a segunda maior coleção de lampadários de prata do mundo em variedade”, afirma Toth Luiz. A instituição tem 23 peças, superada apenas pelo acervo do Museu do Vaticano, na Itália. No século 18, veio de Lagoa Dourada (MG) a arandela em madeira – um suporte para vela com espelho refletor, que auxiliava a iluminação de ambientes. De acordo com o historiador italiano Pietro Maria Bardi, a arandela é de Aleijadinho, pois as características da arte são semelhantes àquelas que o escultor normalmente utilizava. Para o museu, porém, o autor é desconhecido.

Porta-toalhas de sacristia, produzidos por índios catequizados, representam a arte barroca no Brasil. Os objetos – cedidos para a exposição sobre os 450 anos da cidade de São Paulo, organizada pela Fundação Armando Álvares Penteado – eram criados com a utilização de barro, madeira e metal. Quatro anos atrás, foram expostos também no Petit Palais, na França.

O paulista Dito Pituba (Benedito Amaro de Oliveira), um dos maiores santeiros do século 19, esculpiu as imagens de Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora Aparecida, São Benedito e Nossa Senhora com Menino Jesus. O monitor relata uma curiosidade: o artista coletava caixas de óleo de fígado de bacalhau da Noruega e as transformava em oratórios, destinados às pessoas humildes que viviam em localidades distantes de igrejas. Diferente da tradição européia da época, os oratórios de Pituba eram característicos da arte naif (arte inocente, típica de artistas sem formação intelectual), apresentavam cores diferentes (como laranja) e tinham portas.

Presépios do mundo inteiro

Uma das repartições disponíveis para visitas é a Sala Cofre. Lá, estão guardados acessórios que pertenceram ao cardeal Arcoverde de A. Cavalcanti (1850-1930) e outros bispos e arcebispos do Brasil. São mais de 450 peças entre objetos decorativos, litúrgicos, cruz peitoral de ouro, anéis, brincos, broches e outras jóias de metais preciosos dos séculos 16 ao 18. Há a custódia ou ostensório (objeto de ouro e pedras preciosas onde se ostenta a hóstia consagrada), feita no Rio Grande do Sul e usada pela primeira vez na Catedral da Sé, em São Paulo.

Na Sala da Técnica Construtiva, as paredes foram desfolhadas especialmente para o público apreciar as técnicas utilizadas na construção original: pau-a-pique, taipa de pilão e tijolos de adobe (feitos de barro misturado com pedras, folhas e esterco). Nessa instalação estão preservados os pertences de Frei Galvão.

Um cenário composto de céu, casinhas, pessoas e animais representam o dia-a-dia da vila napolitana, a atmosfera noturna e o nascimento de Jesus Cristo. O efeito cênico compõe o terceiro maior presépio napolitano do mundo do século 18, ficando atrás apenas de Nápoles (primeiro) e Museu do Presépio de Roma (segundo). Construído a partir de doações de Ciccillo Matarazzo, o presépio tem 1.620 peças de barro e madeira, entre elas 390 figuras humanas com expressões diferentes.

No andar inferior, o visitante pode conhecer presépios provenientes de Minas Gerais, Bahia e de países como Portugal, Equador, Bolívia, México, África, Japão e Israel. Todas as miniaturas apresentam a temática do nascimento de Cristo. Desde 1999 as obras integram acervo de exposição permanente do museu.

Viviane Gomes
Da Agência Imprensa Oficial

(AM)