Especial do D.O.: Moradores do extremo sul da capital ganham identidade e cidadania

Projeto Cidadania para Todos atendeu 2 mil pessoas do bairro de Engenheiro Marsilac

qua, 17/11/2004 - 10h27 | Do Portal do Governo

Com o Projeto Cidadania para Todos, 2 mil pessoas de Engenheiro Marsilac foram atendidas com a emissão de documentos, informações sobre saúde, orientação jurídica e outros serviços

Engenheiro Marsilac é o bairro da zona sul de São Paulo mais distante do marco zero (cerca de 60 quilômetros da capital). Apresenta o menor Índice de Desenvolvimento Humano da cidade, com apenas quatro ruas asfaltadas. Não há sistema de saneamento básico. Código de Endereçamento Postal (CEP) e Energia Elétrica, só nas vias principais. Por ser Área de Preservação Ambiental dos rios Capivari e Monos, a captação de água é feita por meio de poços.

“É uma área extremamente carente. Agora, com a emissão gratuita da carteira de identidade, esses moradores passam a ter ‘nome’, tornam-se cidadãos e ganham condições de usufruir serviços oferecidos pelo governo. Ao mesmo tempo se conscientizam de seus direitos e valores”, diz Maria Cícera Mineiro da Silva.

Ela é a coordenadora do Movimento de Mulheres pela Dignidade de Engenheiro Marsilac e uma das lideranças locais que reivindicaram a realização do Projeto Cidadania para Todos. O evento ocorreu no início do mês, na EE Professora Regina Miranda Brant Carvalho, numa iniciativa da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. O programa cumpre o objetivo de levar serviços gratuitos aos bairros periféricos e às regiões carentes da capital. Durante os trabalhos, os moradores podem solicitar emissão de RG, carteira de trabalho, segunda via de certidões (nascimento, casamento e óbito), orientação jurídica, atendimento do juizado especial cível e outros serviços como medição de peso, altura e pressão arterial.

Técnicos da Unidade Básica da Saúde da região, que integram o Programa de Saúde da Família, orientaram os participantes sobre doenças sexualmente transmissíveis (DSTs/Aids), promoveram campanha de vacinação (para crianças e adultos) e distribuíram escovas de dente, creme dental e preservativos. Essas foram as ações oferecidas aos moradores nos três dias do evento, com quase 2 mil atendimentos.

Mais instrução – A advogada Viviane Rodrigues Mestre, da Assistência Judiciária da Universidade São Francisco, e duas quartanistas de Direito da instituição ofereceram 21 atendimentos de orientação jurídica. Viviane conta que as principais dúvidas da população foram sobre direitos de pensão alimentícia, divórcio e aposentadoria. Elas sugeriram que procurem o Centro de Integração da Cidadania (CIC) Sul – Jardim São Luís. “Esse evento foi uma oportunidade oferecida aos moradores para exercerem a cidadania. Já que é o bairro mais longínquo da cidade, o serviço público fica afastado pela falta de recursos do povo para chegar até ele”, opina a advogada.

A dona-de-casa Ilda Gastão Santos, 50 anos, há três no bairro, é casada e tem quatro filhos. Para ela, o projeto foi bom porque pôde medir a pressão arterial, altura e aproveitou para tirar a carteira de identidade. “Fiquei surpresa! Meus batimentos cardíacos estão acelerados. O pessoal do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem) pediu para eu passar no médico. Nem imaginava que estava com problemas de saúde.” Ilda perdeu o RG há meses e usava o de solteira. “Para chegar ao Poupatempo Santo Amaro teria de gastar dinheiro com duas conduções. Isso já é uma economia”, garante, mas queixa-se que Marsilac não tem médicos para urgências, pois numa emergência é preciso “viajar” até o Grajaú, distante 25 quilômetros. Sobre o evento, disse: “É bom porque a gente fica mais instruída. O pessoal daqui é muito carente. Precisamos de mais ajuda.”

“Eu auxilio na limpeza da escola, no almoço dos voluntários, oriento as pessoas sobre os serviços. Gosto de ser útil”, afirma a voluntária Izilda Aparecida Elias, 51, para justificar a forcinha que deu na realização do evento. Ela é doméstica, mas está desempregada há seis anos. Sua neta, Aline, 10 anos, que também ajudou na limpeza, aproveitou para medir peso e altura. Dona Izilda elogiou os serviços e disse que o povo não tem condições de sair de Marsilac para tirar documentos.

“É uma grande economia”

Acompanhada de duas filhas, a pequena Jenifer, de 3 anos, e Eliana, de 2 meses, Ivana Silva Pinheiros, 23, percorreu três quilômetros, a pé, para obter o RG das crianças. Caminhar de sua residência, na zona rural de Engenheiro Marsilac, até a área mais urbanizada do bairro, onde fica a escola, leva cerca de uma hora. Como não tem ônibus nesse itinerário, o esforço virou rotina em sua vida porque Jenifer está matriculada na creche, numa das vias principais do bairro: “Tudo é difícil por aqui. Se não tivesse esse posto para tirar os documentos, teria de gastar mais de R$ 2,00 com ônibus para ir ao Poupatempo Santo Amaro, além de lanche para as meninas. É uma grande economia.”

CICs integram órgãos públicos e entidades sociais

O Projeto Cidadania para Todos é realizado pelo Centro de Integração da Cidadania (CIC), órgão da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania. Existem sete CICs distribuídos nas regiões norte, sul, leste e oeste da capital, além de Francisco Morato e Ferraz de Vasconcelos, na Grande São Paulo. Os postos fixos aqui integram os poderes Executivo e Judiciário, Ministério Público, entidades sociais, Secretarias de Estado como Cultura, Segurança Pública, Habitação, Assistência e Desenvolvimento Social, Emprego e Relações do Trabalho.

Esses espaços são instalados em locais estratégicos para beneficiar os habitantes de bairros periféricos com serviços públicos como juizado especial cível, promotoria da justiça, assistência social, posto de atendimento ao trabalhador, delegacia de polícia, emissão de documentos, atendimento aos mutuários da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano. Os parceiros se preocupam em realizar periodicamente palestras sobre direitos do consumidor, dos portadores de necessidades especiais, Novo Código Civil, consciência negra, trabalho infantil e outros temas.

Quatro cantos da cidade – O Cidadania para Todos é desenvolvido pela Coordenadoria de Integração da Cidadania para levar esses serviços aos bairros mais distantes. É um “CIC Itinerante”, como explica o coordenador de Integração da Cidadania, Roberto Hilsdorf Rocha. Ele lembra que a equipe tem grande preocupação com os direitos humanos e envolvimento da comunidade. Nesse projeto, a comunidade e suas entidades oferecem infra-estrutura como alimentação aos voluntários e aos técnicos dos serviços, espaço para sediar o evento e divulgação. O governo e seus parceiros levam os serviços.

O primeiro contato para a concretização do programa parte de instituições locais. Em Marsilac, a solicitação veio de entidades como Associação dos Moradores e Amigos (AMA) Capivari Monos, Movimento de Moradia São Luiz, Centro Espírita Santo Expedito.

A equipe do CIC e da Coordenadoria de Integração da Cidadania avalia a demanda da região e se as lideranças comunitárias têm condições de organizar a ação. Desde fevereiro, o projeto foi realizado em 10 bairros da capital, nos quatros cantos da cidade e em Itaquaquecetuba, na Grande São Paulo, com mais de mais 20 mil atendimentos.

Ações de voluntários e lideranças geram frutos em Marsilac

Apesar dos problemas, a realidade da pobreza e da exclusão social de Engenheiro Marsilac está sendo modificada gradativamente. A ação de voluntários e lideranças locais, como de Maria Cícera Mineiro da Silva, coordenadora do Movimento de Mulheres pela Dignidade de Engenheiro Marsilac, está gerando frutos.

Para incentivar os moradores a melhorarem suas vidas, ela defende o tripé: coragem, consciência de direitos e consciência de valor. A partir daí, organizou atos e outras manifestações com mulheres da região para mostrar aos órgãos públicos que “Engenheiro Marsilac existe, tem eleitores e precisa de melhorias”.

Cícera conta que os resultados são gratificantes. Há três meses foi inaugurada padaria artesanal do Fundo Social de Solidariedade do Estado de São Paulo (Fussesp), uma boa fonte de renda para desempregadas. Ações emergenciais como a Campanha do Agasalho possibilitaram a doação de cobertores, tênis novos, roupas e alimentos, beneficiando de 800 a 1,2 mil famílias.

O Fussesp intermediou a formação de parceria entre o Instituto Orumila de Cultura e Educação e a Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho, que resultou na realização de cursos profissionalizantes de panificação, corte e costura, bordado, artesanato e conservas. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas formou 27 pessoas em cursos de empreendedorismo, finanças e mercado. Duzentas famílias estão cadastradas nos projetos Viva Leite e Alimenta São Paulo, da Secretaria da Agricultura e Abastecimento.

Mudar a situação – Na opinião de Cícera, o Cidadania para Todos é um dos melhores eventos do governo do Estado porque torna acessível a informação para as pessoas se conscientizarem de seus valores como cidadãos: “Nossa meta agora é reivindicar que a prefeitura também traga seus benefícios”.

Voluntários da Escola Regina Miranda (onde se realizou o projeto), da Igreja São João Batista e da Pastoral da Criança regularmente arrecadam e distribuem alimentos a famílias de crianças desnutridas. Uma vez por semana, os pequenos de Marsilac são pesados para avaliar a condição nutricional. “As pessoas aprendem a fazer a multimistura a partir de casca de ovo, mandioca e outros produtos, que são distribuídos aos pais para oferecerem aos filhos com baixo peso. Os resultados são a melhoria da nutrição”, explica a coordenadora pedagógica da escola, Elizabete Pires Machado. A ação faz parte das atividades do Programa Escola da Família desenvolvidas naquele espaço da rede pública.

“Aqui, a desnutrição é um grave problema. Os moradores estão obtendo mais informações e estamos auxiliando para reverter este quadro”, informa a vice-diretora Neci Bezerra de Oliveira, ao informar que algumas mães têm até 12 filhos, com diferença de nove meses entre um e outro. A iniciativa voluntária existe há oito anos e atendeu 50 famílias; cem meninos e meninas com menos de cinco anos.

Um retrato de Engenheiro Marsilac

– Menor renda per capita da cidade (abaixo de um salário mínimo)
– O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou no censo de 2000 a existência de 9.002 habitantes. De acordo com a subprefeitura de Parelheiros, 11 mil é o número atual de moradores
– Cerca de 60% dos cidadãos residem na zona rural
– Dois terços das áreas ocupadas são ilegais
– Os distritos de Engenheiro Marsilac e Parelheiros somam 353 quilômetros quadrados. A Área de Preservação Ambiental dos rios Capivari e Monos ocupa 251 quilômetros quadrados. Sem indicar com precisão o tamanho, a subprefeitura informou que Engenheiro Marsilac é o maior bairro em extensão da cidade
– A localidade faz divisa com Embu-Guaçu e as cidades litorâneas de São Vicente e Itanhaém
– O Capivari é o único rio não poluído da cidade
– Os moradores da zona rural recebem correspondências por meio de caixa postal comunitária, instalada na sede da Associação Comunitária dos Moradores de Engenheiro Marsilac
– O nome Engenheiro Marsilac é uma homenagem atribuída ao engenheiro José Alfredo Marsilac, fundador da localidade. Em 1935, ele construiu uma linha férrea que ligava a capital ao litoral sul. O sistema servia ao transporte de carvão mineral, intensamente explorado na região. Engenheiro Marsilac existe há 69 anos. Desde 2002, considera-se 24 de junho data oficial de comemoração de sua fundação. O dia também é celebrado pelos moradores como dia do padroeiro do bairro, São João Batista.

Viviane Gomes
Da Agência Imprensa Oficial