Especial do D.O.: Instituto em Bauru é reconhecido mundialmente pela luta contra a hanseníase

Estado de São Paulo apresenta linha descendente no registro de casos

qua, 04/08/2004 - 12h13 | Do Portal do Governo

O primeiro sinal da hanseníase apareceu no corpo de Paulo Sérgio quando ele tinha 7 anos. Aos 12, com muito mais sintomas, o menino já desconfiava que tinha a ‘tal doença, que causava o isolamento das pessoas’. Resolveu, então, que não contaria a ninguém sobre sua suspeita.

A decisão perdurou até o ano passado, quando, aos 28 anos e bastante debilitado, foi obrigado a procurar ajuda, e só aí descobriu que poderia ter abreviado o seu sofrimento. A hanseníase tem cura, e é tratada nos postos de saúde da rede pública sem a necessidade de internação ou isolamento, com medicação gratuita. Melhor: não é transmissível depois de tratada (só a sua forma mais grave, a multibacilar, é que se transmite de uma pessoa para outra). Quanto mais cedo for detectada e medicada, menor a chance de causar seqüelas. ‘Se eu soubesse disso antes, teria procurado auxílio no começo’, diz Paulo, 22 anos depois de ter percebido o primeiro indício da doença e com um ano e três meses de tratamento.

Casos como esse são comuns entre os pacientes do Instituto Lauro de Souza Lima – centro de referência em hanseníase e em dermatologia em geral – para a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e o Ministério da Saúde, localizado em Bauru. São também um retrato dos principais obstáculos encontrados para a eliminação e a prevenção das ocorrências mais graves de uma das doenças mais antigas na história da humanidade (as primeiras referências escritas datam de 600 a.C.): o medo e a falta de informação.

Mais de 40 anos sem isolamento – O isolamento e a internação compulsória das vítimas da hanseníase foram extintos no País em 1962 (no Estado prosseguiram até 1967), mas o preconceito e o isolamento social persistem. ‘Por isso, muitos escondem a doença’, afirma Marcos Virmond, diretor do instituto. ‘O diagnóstico da hanseníase acontece tarde. Um dos pontos que estamos trabalhando é que o paciente ao perceber o sintoma da hanseníase não tenha medo de procurar tratamento’, alerta. O diagnóstico precoce é fundamental para a cura rápida e segura.

Internado há 15 dias, Paulo Sérgio relata que só lá encontrou alívio significativo para o seu problema. Segundo o diretor, esse é um dos papéis atuais do instituto: tratar as complicações da doença e de outras enfermidades dermatológicas. O órgão atua na reabilitação física de pacientes (inclusive realizando cirurgias plásticas), faz pesquisa, ensina e, ainda, treina profissionais da saúde nas duas áreas. Atende, em média, 2 mil pacientes por mês e faz 70 cirurgias.

O diretor ressalta que o paciente que chega à instituição tem praticamente 100% de possibilidades de cura. ‘Isso porque temos aqui um grande poder de resolução, o que é característica de um centro de referência’, informa.

Capacitado para tratar os casos que não obtiveram resposta na rede pública, o Instituto Lauro Souza Lima é reconhecido mundialmente pela sua atuação na luta contra a hanseníase, resultado da grande experiência prática, adquirida nos 71 anos de trabalho. Recebe pacientes de todo o País, mas seu maior compromisso é direcionado para o atendimento do Estado de São Paulo. Constitui-se, também, referência para a Organização Mundial da Saúde nessa especialidade.

Asilo-Colônia Aimorés – A trajetória da instituição está intimamente ligada à história da doença. Criado em 1933, como Asilo-Colônia Aimorés, fazia parte de uma rede de estabelecimentos construídos em pontos estratégicos do Estado para abrigar os portadores de hanseníase. Na época, a doença ainda era chamada de lepra e era alvo, por parte do governo, de uma política oficial de controle profilático baseada no isolamento obrigatório de todas as pessoas portadoras.

No final da década de 60, com a extinção da internação compulsória, transformou-se em hospital e, em homenagem a um dos grandes hansenilogistas do Brasil, em 1974, passou a se chamar Hospital Lauro de Souza Lima. Foi transformado em instituto de pesquisa 15 anos depois. ‘Quando houve a desmobilização dos asilos-colônias, que eram cinco no total dentro do Estado, o único que já tinha idéia do que queria ser era o Lauro de Souza Lima. Então, se aperfeiçoou e se transformou num centro de pesquisa e tratamento especializado’, recorda Marcos Virmond, que dirige a instituição desde 1997.

Sua estrutura está dividida em dois grandes setores: institucional e social. O primeiro concentra-se o funcionamento clínico, de pesquisa e de ensino. Tem ala de internação com 64 leitos, uma unidade ambulatorial, centros cirúrgico, de treinamento e de prevenção oftalmológica, uma divisão de reabilitação, três laboratórios (neurofisiologia, biologia molecular e monopatologia), biotério diversificado e biblioteca.

A biblioteca é um capítulo à parte na história da instituição. Com obras raras sobre a hanseníase (a mais antiga é de 1607), tem o maior acervo do mundo sobre a doença e é visitada por estudiosos de vários países.

Os cuidados com os pacientes incluem três divisões principais: o ambulatório de dermatologia, o centro de prevenção oftalmológica e a divisão de reabilitação, todos respaldados pelos laboratórios e pela unidade de internação.

A chegada do doente se dá no ambulatório, onde são realizados a triagem dos casos e o direcionamento de cada um dentro da unidade. Na maioria, são pacientes de hanseníase com reações mais complexas, de dermatologia em geral com dúvida diagnóstica, e os casos mais graves de alergias, dermatites de contato, psoríase e dermatites factícias (derivadas de aspectos psicológicos), entre os casos encaminhados pela rede pública.

A divisão de reabilitação atua em âmbito multidisciplinar, com vistas à prevenção e ao tratamento de incapacidades, à realização de cirurgias reparadoras, à confecção de próteses e de órteses e calçados ortopédicos, além de promover cursos de aprimoramento profissional das áreas de fisiatria, ortopedia, assistência social, psicologia, terapia ocupacional e enfermagem.

Na oficina ortopédica são produzidas todas as próteses, palmilhas e os calçados especiais (órteses) prescritos pelos médicos do instituto para promover a reabilitação dos pacientes. Segundo o encarregado do setor de sapataria, Antonio Carlos Bertoche, a maior parte é de sandálias do tipo Carville, utilizadas por quem tem úlceras plantares e calosidades, seqüelas características de casos de hanseníase e de diabetes. Mensalmente, são feitos de 80 a 100 pares dessas sandálias, de 10 a 12 pares de botas e de 8 a 10 de sapatos, além de quatro próteses.

Pesquisa de ponta – Na área de pesquisa do instituto a atuação é considerada tão importante como a da clínica. É o único no País que realiza a inoculação do bacilo da hanseníase em patas de camundongo. A doença é reproduzida no animal para possibilitar o estudo da resistência do bacilo às drogas utilizadas no tratamento. Segundo a pesquisadora Suzana Madeira, a análise é realizada com bacilos de portadores que tiveram a reincidência da doença, por terem abandonado os cuidados médicos antes da cura. ‘O objetivo é testar a eficácia dos tratamentos de acordo com a ação dos bacilos’, explica.

A instituição também é a única que investiga a Doença de Jorge Lobo – micose cutânea, que atinge principalmente moradores da região amazônica, danificando os tecidos e, muitas vezes, incapacitando os pacientes para funções básicas. ‘O intuito é encontrar um tratamento para a enfermidade, que ainda não tem cura. Nós já descobrimos o animal suscetível a ela (a fêmea de um camundongo) e isso já possibilita o estudo’, revela Suzana.

Uma história de vida

O setor social é a área do isolamento do antigo Asilo-Colônia Aimorés. Cerca de 340 alqueires de terra, com aspecto de um pequeno vilarejo por causa das casas, de duas igrejas, um coreto e uma construção imponente, o cassino (prédio de lazer, com um grande salão dotado de palco e mezanino para projeção de filmes, além de duas salas, que abrigavam biblioteca, mesas de jogos e uma espécie de café).

Do alto dos seus 77 anos, Nivaldo Mercúrio preserva a memória do local que já o assustou. Vive ao lado de colegas que passaram pelo mesmo sofrimento (mais de 70), remanescentes da internação compulsória, que não conseguiram, ou não quiseram, voltar à cidade de origem ou à ‘vida lá fora’. O simpático e falante Nivaldo é a memória viva do local.

Vítima da hanseníase (hoje já curada) desde os oito anos de idade, chegou ao Aimorés aos 17, depois da tentativa frustrada de um médico amigo que quis tratá-lo em segredo. Embora tenha tido alta aos 49 anos, nunca teve coragem de deixar o asilo. Mora numa das poucas casas que restaram do asilo. Muitas foram demolidas, assim como os pavilhões que abrigavam os solteiros.

Sua história de vida é marcada tanto pelos problemas físicos, emocionais e psicológicos decorrentes da doença, como pela própria evolução das políticas de saúde e dos tratamentos da hanseníase no Brasil, principalmente no Estado de São Paulo.

Sua mãe, vítima do mesmo mal, chegou ao asilo-colônia antes dele. Também de lá não saiu, morreu depois de cinco anos de internação. Nivaldo conta que quando chegou a sua vez de viver lá, em 1945, sentiu muito medo, mas que também, com a convivência, aprendeu a gostar do local. ‘Isso aqui era uma cidade. Tinha fábrica de sorvete, de guaraná, de sabão, de colchão, de doce, gráfica e outras coisas. A gente trabalhava, criava animais e produzia tudo que precisava. Eu trabalhava como protético’, lembra. Segundo ele, no local também havia delegado, prisão, prefeito. ‘Chegou a ter cinco vereadores.’

Nivaldo curtia o lazer desse mundo, mas à parte: teve namoradas, viveu algum tempo com uma mulher, jogava futebol nos campeonatos entre moradores de outras colônias e era freqüentador assíduo do cassino. ‘Lá, tínhamos cinema a semana inteira. Tínhamos orquestra, fazíamos bailes de carnaval, teatro e shows. Essas coisas ajudavam a gente a esquecer a tristeza de estar doente’, lembra.

Quando teve alta, não quis voltar para sua cidade natal, Itápolis, nem sair do Aimorés. ‘Iria trabalhar em quê? Como?’

Embora tenha seqüelas nos braços, nas mãos e nos pés, ele trabalha sim, e bastante, na preservação da memória do local. O antigo cassino está sendo restaurado para transformar-se num museu e Nivaldo é o seu administrador. Cuida com carinho de diversas peças, já restauradas, como mobiliário, instrumentos, louças de banheiro, cadeira de dentista, fotos, discos e documentos da antiga comunidade, que farão parte do acervo. Ele pede doações em dinheiro para terminar a obra no prédio do museu. ‘Falta a pintura’, avisa.

Na rota da eliminação

Hanseníase é uma doença infecto-contagiosa causada pelo Mycobacterium leprae, bacilo que atinge a pele e os nervos. Pode levar à incapacidade física e social quanto mais tardios forem seu diagnóstico e tratamento. O Brasil ocupa o 2º lugar no mundo em número absoluto de casos de hanseníase, e o primeiro nas Américas. A doença é endêmica em todo o território nacional, embora com distribuição irregular. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste são as que apresentam as maiores taxas de detecção e prevalência da doença.

No Estado de São Paulo, o controle é realizado pela divisão de hanseníase do Centro de Vigilância Epidemiológica. Para isso, a divisão promove campanhas informativas e define as ações de enfrentamento da doença, informa a diretora Mary Lise de Carvalho.

Atualmente, o Estado apresenta uma linha descendente no registro de casos. ‘Estamos na rota da eliminação’, afirma a diretora. De acordo com ela, a incidência no Estado hoje é de 1,41 caso para cada 10 mil habitantes, sendo que o índice de eliminação é de 1 para cada 10 mil.

A OMS estabeleceu o ano de 2005 como meta para a erradicação da doença. Segundo Mary Lise, o Estado de São Paulo cumprirá a meta.

Hanseníase: o que você precisa saber

– A hanseníase tem cura e é tratada na rede básica de saúde, sem a necessidade de internação.
– O tratamento recebe o nome de poliquimioterapia (PQT), porque é composto pela associação de dois ou três medicamentos. Demora seis meses quando a doença se apresenta na forma paucibacilar (poucos bacilos); e de 12 a 24 meses na forma multibacilar (muitos bacilos).
– Tem baixo índice de contágio. Só é transmitida no caso de contato íntimo e prolongado com uma pessoa portadora da forma multibacilar, que não esteja em tratamento.
– Os principais sintomas são manchas em qualquer parte do corpo, que podem ser pálidas, esbranquiçadas ou avermelhadas e, também, áreas do corpo dormentes ou amortecidas.

SERVIÇO
Instituto Lauro de Souza Lima
Rodovia João Ribeiro de Barros, km 225/226 – Bauru
CEP 17034-971 – Caixa Postal 3021
Tel. (14) 3103-5900

Simone de Marco, da Agência Imprensa Oficial