Especial do D.O.: Hospital Emílio Ribas reforma instalações e recicla funcionários

Com 124 anos, a instituição se mantém na vanguarda da luta contra as doenças transmissíveis

qui, 29/07/2004 - 12h02 | Do Portal do Governo

Conhecido pela especialização em doenças infecto-contagiosas e parasitoses, o Instituto de Infectologia Emílio Ribas ganha fama nacional com a epidemia de meningite, na década de 70, e torna-se sinônimo combate à aids a partir dos anos 80. Durante seus 124 anos, a instituição se manteve na vanguarda da luta contra as doenças transmissíveis. Para continuar a ser referência em tratamento dessas moléstias, suas instalações passarão por reformas e serão oferecidos cursos de reciclagens aos funcionários que atendem o público.

Os especialistas cuidam de uma lista de males que inclui aids, varíola, difteria, meningite, peste, cólera, febre amarela, leptospirose, febre tifóide, sarampo, varicela, leishmaniose, malária, toxoplasmose e hepatite. Como trata doenças contagiosas, toda a estrutura está direcionada para a identificação precoce dessas moléstias. Funciona como um termômetro que sinaliza aos órgãos competentes a iminência de grandes epidemias. ‘Mais de 60% dos soropositivos da Grande São Paulo estão no Emílio Ribas’, informa o diretor técnico, Sebastião André de Felice.

‘A própria dinâmica do hospital exige constantes aperfeiçoamentos técnicos, operacionais e humanos; e as mudanças vêm atender a essa necessidade. Trabalhamos para que o hospital seja referência e esteja pronto e renovado para atender, também, portadores de doenças emergentes, além de estar preparado para situações inesperadas. Temos de nos manter em estado de alerta para qualquer tipo de epidemia. Aqui não existe paciente bonzinho. Todos são casos complexos, em estado grave, que a rigor transformariam o hospital numa UTI de ponta a ponta’, explica o diretor.

Ilhas de contrastes – Questionado sobre a crise enfrentada pelo instituto no ano passado, em que houve denúncias de falta de medicamentos, equipamentos antigos e sem condições de uso e carências de condições de atendimento, Felice diz: “A maioria dos buracos foram sanados, o problema era falta de planejamento’. Como exemplo, cita que poderia haver 1,5 mil fraldas em estoque e faltar mamadeiras por descontrole do consumo médio mensal. ‘É inadmissível ter um tomógrafo que custou R$ 1,1 milhão sem filmes para rodar.”

Com a reengenharia iniciada em setembro do ano passado, quando assumiu o cargo, a instituição passa por reforma geral de cultura, abrangendo trâmites administrativos e recursos humanos. ‘Avançamos muito, mas mudar as regras do jogo não é fácil’, afirma Felice. Há ilhas de contraste, acrescenta, que precisam ser repensadas. É o caso do setor de radiologia, que tem equipamentos de primeiro mundo, e a UTI, com padrão ótimo; enquanto o ambulatório e o pronto-socorro carecem de modernização.

Tecnologia avançada – O setor de radiologia tem raio X, ultra-sonografia e um aparelho de tomografia computadorizada, com o qual é possível fazer o exame em um minuto; nos tradicionais, gasta-se uma hora. A agilidade da máquina permite que se capte a imagem antes de a pessoa se movimentar. No caso de crianças, que se mexem muito e ficam impacientes com exame, o novo aparelho torna o exame mais fácil. No Brasil, existem apenas dois outros tomógrafos com essa rapidez e capacidade. Outras vantagens são a qualidade e a nitidez da imagem.

Na radiologia, há ainda o sistema automatizado de informação capaz de integrar todos os aparelhos da unidade. Quando estiver em completo funcionamento, as imagens ou chapas captadas em qualquer um dos instrumentos irão direto para o terminal dos consultórios. Na central informatizada estão as mais atuais revisões bibliográficas sobre infectologia, inclusive com acesso à Internet, e um banco de dados com 6 mil slides e milhares de informações atualizadas.

As salas da unidade de terapia intensiva têm aparelhos respiratórios mecânicos e outros instrumentos necessários à sobrevida do paciente. Quatro delas, estão adaptadas para instalação de máquinas de hemodiálise. ‘Apesar de termos só um aparelho, conseguimos atender todos os pacientes, a maioria em tratamento de aids ou leptospirose’, diz a enfermeira da UTI, Marli Angélica.

Reciclagem e reformas – O processo de reciclagem dos funcionários e a informatização do hospital, com a criação de rede interligando todos os setores a custo orçado de R$ 1 milhão, estão em andamento. A primeira etapa da reestruturação do atendimento começou neste mês, com uma turma recebendo aulas de apresentação pessoal e de cuidados com a aparência e a imagem; em seguida, haverá o curso de qualidade no atendimento. Ao todo, 150 profissionais (diretamente ligados à recepção de pacientes) terão orientação de como se vestir, portar e falar para atender o público de forma mais acolhedora, humanizada, com qualidade e dinamismo.

No final do processo de reciclagem, esses funcionários integrarão o núcleo de atendimento ao usuário. ‘Além de informar e orientar sobre o que pode ou não fazer, o pessoal do núcleo vai dar apoio, amparo e conforto aos pacientes. Eles se encarregarão de resolver problemas com médicos, exames, medicação, óbitos e outros recursos. Da sala do núcleo será possível fazer contato com todo o hospital para sanar dificuldades e necessidades’, avisa o diretor de divisão de apoio técnico do Emílio Ribas, Antônio Abi Jaudi.

Passarão por reformas o pronto-socorro (R$ 1,2 milhão), o Banco de Sangue (R$ R$ 200 mil), o almoxarifado (R$ 170 mil), a farmácia, os prédios da administração e do ambulatório e a portaria que terá nova entrada. A atual receberá os doentes do Hospital Doutor Arnaldo, também em reforma. A previsão é de que todas as obras estejam concluídas até o segundo semestre do próximo ano.

Isolamento máximo – Com a reforma, a farmácia fará a adaptação de material e adotará a dose única e automática para evitar desperdício e descontrole. Ao seu lado, haverá uma sala de atendimento com farmacêutico para orientar os pacientes que receberam medicamentos. Haverá profissionais encarregados de explicar a forma correta de o doente tomar o remédio, sanar dificuldades de entendimento da bula e os horários e as quantidades indicadas pelo médico. Em especial, para os que têm o vírus da aids e tomam várias drogas em diferentes horários. O custo desses medicamentos é bastante elevado: em média, o valor gasto para cada paciente é de R$ 5 mil por mês.

A diretora do serviço de farmácia, Ana Maria Campos, diz que o estoque de medicamentos está dentro dos parâmetros. ‘Temos condições de atender aos portadores de doenças infecto-contagiosas e parasitoses, chamadas de oportunas. Quando há alguma falta é por problema de entrega ou de sazonalidade (por exemplo, a leptospirose, em janeiro), que exige maior quantidade de remédio.”
O hospital terá uma Unidade de Contenção Biológica com nível de isolamento máximo de segurança biológica para tratamento de doenças emergentes e de alta complexidade, como a Sars, o coronavírus e o hantavírus. ‘Com a unidade, ficaremos aptos a receber esses pacientes. Daqui a pouco, a aids ficará na memória como o sarampo e a difteria. Temos de preparar o hospital para o futuro.”

Medicina dos viajantes – A partir deste semestre, o núcleo de medicina do viajante (que, atualmente, abre só uma vez por semana) passará a atender todos os dias e terá um setor de vacinação. Inaugurado em 2000, tem uma equipe de médicos infectologistas e sanitaristas que orienta o turista sobre os cuidados para reduzir o risco de doenças em viagens. As dicas vão desde cuidados com a água e a alimentação até os tipos mais comuns de doenças e vacinas necessárias.

Trabalho e números impressionantes

Considerado referência no Brasil no tratamento de aids, foi o primeiro a receber um paciente com HIV positivo, em 1983, e é, provavelmente, o que atendeu o maior número de portadores do vírus desde a descoberta da doença. No ano passado, mais de 68,2 mil pessoas passaram pelo ambulatório; 31,2 mil pelo pronto-socorro; e 2,5 mil foram internadas. Os dois setores realizam 7,5 mil consultas ao mês. Todos os anos, quase 4 mil alunos utilizam o hospital como campo de estágio. São residentes de todo o País e do exterior. Em 2003, vieram estudantes do Peru, Suíça e Argentina.

Para atender esse contingente, o Emílio Ribas emprega 1.880 funcionários e recebeu verba da Secretaria Estadual da Saúde, em 2003, de R$ 45 milhões. Para este ano, o orçamento previsto é de R$ 55 milhões, incluindo o valor das reformas. Desse valor, R$ 32 milhões serão gastos com medicamentos. Tem 150 leitos em uso, e a meta é atingir 200 até o final do ano. Em casos de calamidade de saúde pública, o hospital chegou a abrigar mais de mil doentes.

Como hospital público, atende às classes mais pobres e indigentes. Está em estudo a extensão de assistência às Casas de Apoio que acolhem doentes e precisam de um hospital. Das atuais duas casas, o hospital passaria a dar assistência a cinco. Os programas de voluntários e os sociais, como distribuição de leite e cesta básica, serão ampliados. ‘Nossos pacientes são 100% do SUS. Queremos que o instituto preste um serviço público amplo e de qualidade, ofereça algo a mais aos nossos usuários e continue a ser referência em suas especialidades’, observa Felice.

Pavilhão da varíola – Fundado em 1880 com o nome de Hospital de Isolamento, o Emílio Ribas foi criado para receber as centenas de pessoas que sofriam de uma doença fulminante em São Paulo, no começo do século. Democrática, a varíola atacava ricos e pobres, sem preferências entre filhos de escravos ou barões do café. O isolamento dos pacientes atingidos pelo surto de varíola foi sua principal função. Esses doentes ficavam alojados no pavilhão – o da varíola – , que existe até hoje e abriga a biblioteca, a divisão científica e o serviço de arquivo médico estatístico.

O pavilhão chamado de Casa Rosada, por causa da cor da pintura que recebeu nas muitas demãos que cobriram suas paredes, abrigava os barões doentes de varíola. No local, havia um jardim interno que lhes permitia tomar banho de sol sem sair do isolamento. Fechado há três anos, o prédio aguarda patrocínio para restauração.

Já naquela época os cuidados profiláticos eram rigorosos, tanto que as enfermeiras eram obrigadas a residir no local para evitar a propagação do mal. Todos os portadores de varíola ou varicela, doenças comuns na época, eram tratados no novo hospital. Com o correr dos anos, o instituto estendeu o atendimento a todos os casos de moléstias contagiosas.

Em 1932, a instituição adotou o nome de Hospital Emílio Ribas em homenagem ao ex-diretor do Serviço Sanitário do Estado, falecido em 1925. Com a crescente evolução da terapêutica, transformou-se em centro de tratamento de doenças infecto-contagiosas. A partir de 1991, passou a ter a denominação atual e está vinculado à Secretaria Estadual da Saúde. O instituto dedica-se, também, ao ensino e às pesquisas científicas.

O precursor do sanitarismo no Brasil

Emílio Marcondes Ribas nasceu em 1862, em Pindamonhangaba, São Paulo, e morreu em 1925. Saiu de sua cidade natal para cursar medicina no Rio de Janeiro, onde se formou em 1887. Iniciou a vida profissional como clínico-geral, mas logo retornou ao interior do Estado, onde participou da luta contra epidemias em várias cidades paulistas. Conseguiu combater um surto de febre amarela ao se tornar diretor do Serviço Sanitário de São Paulo e comprovar que não havia contágio direto. Portanto, era inútil manter enclausurados os doentes no Hospital de Isolamento.

Graças às suas ações, foram exterminados 6 mil viveiros do mosquito Aedes Aegypti e, em 1904, a mortalidade por febre amarela estava reduzida a apenas dois casos no Estado. É o mesmo mosquito que agora transmite a dengue. Ligado ao que havia de mais inovador na medicina sanitária e na microbiologia, combateu surtos endêmicos como peste bubônica, tuberculose e lepra. Nos últimos anos de vida dedicou-se à melhoria nas condições de tratamento da hanseníase. Considerava uma crueldade o isolamento de leprosos em colônias distantes.

Em suas andanças para tratar as moléstias que assolavam o interior paulista, descobriu uma vila montanhosa chamada Campos do Jordão, propícia à recuperação de tuberculosos. Como o acesso só podia ser feito a cavalo, o médico pressionou as autoridades para construir a estrada de ferro da Serra da Mantiqueira, que hoje virou atração turística na região.

SERVIÇO
Instituto de Infectologia Emílio Ribas: Av. Dr. Arnaldo, 165 – Cerqueira César – São Paulo
Internet: www.emiolioribas.sp.gov.br

Claudeci Martins, da Agência Imprensa Oficial