Especial do D.O.: Delegacia da Mulher amplia rede e diversifica atendimento

Além de inquéritos policiais, vítimas contam com apoio psicológico e serviços jurídicos gratuitos

qui, 29/01/2004 - 11h19 | Do Portal do Governo

Criada em dezembro de 1986 para prestar atendimento diferenciado ao público feminino vítima de violência, fazer polícia judiciária e apurar crimes, a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) aprimorou seus serviços nesses 17 anos de experiência. Hoje, além dos inquéritos policiais, as vítimas que procuram uma DDM contam com apoio psicológico e serviços jurídicos gratuitos. E mais: há até terapia para os agressores.

“A DDM de São Paulo foi a primeira especializada no Brasil e no mundo”, conta a dirigente do Setor Técnico de Apoio às DDMs, delegada Márcia Buccelli Salgado. A partir da experiência paulista, outros Estados começaram a criar suas delegacias da mulher. Hoje, o serviço está presente em todos os Estados brasileiros, pelo menos nas capitais. Mas é São Paulo que tem o maior alcance: são 125 unidades – nove na capital, 12 na Grande São Paulo e 104 no interior. Minas Gerais é o segundo Estado com número de DDMs (menos de 20), enquanto no Rio de Janeiro existem nove e na Bahia, duas. Argentina e Uruguai também adotaram a idéia.

Aproximadamente 800 policiais femininas atuam nas DDMs de São Paulo. “O atendimento em nossas delegacias é feito exclusivamente por mulheres”, informa a delegada. Homens, só investigadores, que fazem serviço de rua, ou escrivães em cidades onde não existam funcionárias para fazer o serviço. “O espírito da delegacia é colocar a mulher mais à vontade para fazer a denúncia. Pode-se denunciar violências física, psíquica e sexual. Todos os casos têm possibilidade de registro, mas o andamento do processo vai depender de a vítima querer levá-lo adiante”, esclarece.

No início, a idéia era prestar atendimento diferenciado às vítimas de violência sexual, porém, o maior número de queixas era – e ainda é – de casos de violência doméstica. Dos 290.961 registros feitos nas 125 DDMs paulistas no ano passado, 60% referiam-se a crimes de lesão corporal e ameaça. Índices que, de acordo com dados do setor técnico, vêm crescendo anualmente. Em 2003, houve um aumento de 3% nos casos de ameaça, em relação ao ano anterior.

Violência invisível

“As investigações na DDM são muito mais difíceis do que em outros setores”, afirma a delegada, que é policial desde 1980 e atua em delegacias da mulher desde 1988. Uma das principais dificuldades, segundo ela, é a resistência da própria vítima em denunciar. “Elas normalmente procuram as nossas delegacias pedindo orientação e muitas querem que a gente dê um ‘susto’ no agressor. Explicamos que não podemos fazer isso”, conta Márcia. Raramente as vítimas vão a uma DDM com a intenção de fazer uma denúncia. É lá que ela é conscientizada de que é preciso registrar a queixa.

As delegacias da mulher vieram dar visibilidade a uma violência que antes era praticamente invisível. “Lidamos com um problema social. A família está desestruturada. E a própria história de atendimento nas delegacias mostra o reflexo dessa desagregação e o avanço da violência contra a mulher”, afirma a delegada.

Nos anos 80, as mulheres que procuravam a DDM eram de meia idade, com algum tempo de convivência com seus maridos ou companheiros. “Para nós, que trabalhávamos lá naquela época, era corrente o pensamento de que a delegacia iria acabar, porque achávamos que as filhas dessas mulheres não iriam querer passar pela mesma situação das mães. Mas, infelizmente, nossa previsão estava errada. O que desconhecíamos como policiais na época, as psicólogas hoje explicam: a tendência é repetir o modelo.” Hoje é comum nas DDMs casos de adolescentes vítimas de namorados, cujos relacionamentos são recentes.

Atendimento social

De acordo com a delegada, a mulher quando chega na DDM não traz a ocorrência em si, mas um quadro de problemas. “Não dá para termos uma atuação tão-somente de polícia”, considera. As DDMs passaram a buscar meios de oferecer um complemento ao atendimento. “Fizemos parcerias com faculdades de psicologia, serviço social e direito para reforçar a reestruturação das vítimas.” Há exemplos bem-sucedidos no Estado, como no município de Marília, no interior, onde há mais de quatro anos, a DDM local conseguiu montar um Centro de Psicologia e Jurídico para a população.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também se comprometeu com a causa. Por meio de um convênio com a Procuradoria Geral do Estado, existem advogados atendendo em três delegacias da capital – nas mais distâncias do centro: Santo Amaro, zona sul; São Miguel Paulista e São Mateus, zona leste. A idéia é expandir o atendimento para todas as unidades do Estado.

A demanda pelos serviços de apoio às vítimas é grande. Só na 1ª DDM da capital, desde 2001, cerca de 4 mil pessoas passaram pelas terapias individuais e de grupo. “Tudo na DDM gira em torno da conscientização. Como a reincidência é muito grande, tentamos conscientizar essas mulheres. A cada retorno, se conseguirmos que ela adquira um pouco mais de consciência, chegará um momento em que ela não vai passar mais por essa situação”, acredita a delegada.

Terapia ao agressor

Na 1ª DDM, única que mantém plantão policial 24 horas, cerca de dez psicólogas voluntárias trabalham no atendimento à população. Desde o ano passado existe na unidade um espaço terapêutico para crianças. A sala repleta de brinquedos tem duas funções: proporcionar um ambiente mais agradável aos filhos das vítimas de violência, que acompanham suas mães na ida à delegacia; e auxiliar nos casos de violência sexual contra a criança. “Esses casos são muito comuns em nossas delegacias e o espaço lúdico ajuda a criança a se descontrair para relatar o que aconteceu”, diz a delegada.

Em agosto de 2002, essa unidade lançou um projeto inovador: o Centro de Terapia do Agressor (CTA). Desde o início das atividades atendeu 250 homens, de todas as classes sociais. Segundo a delegada Maria Tereza Gonçalves Rosa, titular da 1ª DDM, a idéia para o projeto partiu da reflexão sobre as possíveis causas da violência contra a mulher: “Percebemos que o agressor também precisava ser tratado ao analisar o histórico de alguns. Muitos homens que cometem violência sofreram abusos na infância.”

O CTA é acionado quando a DDM intima os homens acusados por suas esposas ou namoradas a comparecer na delegacia. A terapia não é obrigatória, mas a psicóloga tenta sensibilizar o agressor para que ele freqüente os grupos. “Primeiro o homem precisa ter vontade de procurar ajuda”, afirma Maria Tereza. Por meio de terapias individuais ou em grupo, psicólogas ajudam os agressores a buscarem os motivos que os levam a ser violentos.

“Um dos agressores se recuperou a ponto de voltar à delegacia e se oferecer como voluntário para trabalhar com outros agressores. Ele descobriu, na terapia, que havia sido rejeitado pela mãe desde a concepção”, lembra a delegada da 1ª DDM.

Bem-me-quer: prioridade de atendimento a vítimas de violência sexual

Criado em março de 2001 para atender mulheres e crianças que sofreram violência sexual, o Programa Bem-me-quer funciona ininterruptamente no Hospital Pérola Byington, na capital. Ao procurar uma Delegacia de Polícia, DDM ou não, para registrar queixa, a vítima é levada em viatura especial ao Pérola Byington, onde terá prioridade no pronto-atendimento. Antes a mulher precisava deslocar-se sozinha até o Instituto Médico Legal (IML), onde funcionava a sexologia forense.

Depois de passar pela perícia médica, que detecta as provas da agressão, ela é encaminhada para a área médica do hospital, onde receberá gratuitamente medicação necessária para profilaxia, como, pílula do dia seguinte, vacina contra hepatite e ‘coquetel’ anti-aids. Se a vítima tiver interesse poderá fazer acompanhamento ginecológico e psicológico e ter atendimento social por tempo indeterminado com a equipe do Bem-me-quer. No local, há ainda advogados da Procuradoria Geral do Estado que fazem o acompanhamento jurídico do caso.

Nascido de uma parceria entre as secretarias estaduais de Segurança Pública, Saúde, Assistência e Desenvolvimento Social e Procuradoria Geral do Estado, o Bem-me-quer tem por objetivo recuperar a auto-estima das vítimas de violência sexual. De janeiro a outubro de 2003 foram atendidas 3.045 mulheres. Em 2002, passaram pelo Bem-me-quer, 4.596 casos.

Comvida abriga mulheres ameaçadas de morte

Criado em 1989, o Comvida – Centro de Atendimento para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica abriga mulheres em situação de violência extrema, com risco de morte. A casa-abrigo, como também é conhecido o programa, tem capacidade para até 50 pessoas, incluindo os filhos das vítimas.

O Comvida recebe mulheres que não têm para onde ir após a agressão. “Muitas não podem nem ir para a casa de um parente ou de amigos, porque continuarão correndo risco de serem encontradas pelos companheiros”, diz a delegada Márcia Buccelli Salgado. O telefone e o endereço do abrigo são mantidos em sigilo.

Administrado pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, o Comvida recebe, em média, 70 casos por ano. Cada abrigada pode permanecer na casa por três meses. Nesse período, recebe acompanhamento psicológico e orientação jurídica. Caso a mulher queira se separar é feito o encaminhamento para guarda dos filhos e pensão alimentícia. “Hoje existe preocupação de auxiliar na busca de um emprego, visto que muitas dessas mulheres nunca trabalharam”, conta a policial. O Comvida busca estabelecer parcerias para promover cursos de qualificação profissional.

O encaminhamento para a casa abrigo é feito quando a delegada percebe que existe risco de morte para a vítima. Menores de idade vão acompanhadas por um responsável. A verba para a manutenção do programa é destinada pela Delegacia Geral da Polícia Civil e a manutenção da casa é feita pelas próprias moradoras.

Dados estatísticos dos atendimentos nas DDM do Estado de São Paulo em 2003

Homicídios ………………………………………………………………………26
Tentativas de homicídio…………………………………………………….. 146
Participação em suicídio……………………………………………………. 9
Aborto…………………………………………………………………………….. 69
Lesão corporal…………………………………………………………. 87.206
Maus-tratos……………………………………………………………….1.819
alúnia, difamação e injúria…………………………………………. 27.431
Constrangimento ilegal……………………………………………….836
Ameaça …………………………………………………………………. 87.444
Vias de fato……………………………………………………………… 19.134
Estupro…………………………………………………………………… 1.107
Tentativa de estupro…………………………………………………. 301
Atentado violento ao pudor…………………………………………809
Crime sexual sem violência……………………………………….. 1.863
Crime contra a família ……………………………………………….1.091
Outros…………………………………………………………………….. 35.107
Violência contra menores………………………………………….. 26.563
Total de registros……………………………………………………… 290.961

Sirlaine Aiala, da Agência Imprensa Oficial

(LRK)