Especial do D.O.: Debates e reflexão são a pauta para a comemoração do 13 de maio

Escolas, movimento negro e entidades públicas promovem várias atividades para discutir os 115 anos da abolição dos escravos

seg, 12/05/2003 - 12h18 | Do Portal do Governo

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a mais curta lei da história da humanidade abolindo a escravidão no Brasil. Milhares de pessoas, portando flores e bandeiras, saíram às ruas para mostrar o contentamento com a libertação dos escravos, numa festa que durou cinco dias.

Atualmente, em vez de festejos como esse, escolas, movimento negro e entidades ligadas ao assunto promovem debates e reflexão sobre a condição do negro e sua integração à sociedade.

Em comemoração aos 115 anos da libertação, alunos da Escola Estadual Paulino Nunes soltarão a voz no coral, entoando trechos do poema Navio Negreiro, de Castro Alves. Os versos abolicionistas do poeta baiano, morto aos 24 anos, comoviam vastos setores da população na época em que foram escritos e até hoje são fonte de inspiração. Um dos mais conhecidos: “A praça ! A praça é do povo / Como o céu é do condor.”

Já a Escola Estadual Jorge Saraiva vai promover recital de poesia, teatro e trabalhos para falar da importância do negro na sociedade e despertar a consciência sobre o processo histórico da escravidão. As atividades são baseadas no vídeo Consciência Negra, distribuído nas escolas estaduais pela Secretaria da Educação.

O Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo vai lançar vídeo institucional e coletânea de leis sobre ações afirmativas no Palácio dos Bandeirantes em comemoração à libertação dos escravos e também ao 19º aniversário da instituição. Nesse dia, ainda, haverá a posse dos novos membros do conselho para a gestão 2003/2006.

Tradicionalmente, o Núcleo de Consciência Negra da USP promove festas e debates sobre a condição do negro. Fundado em 1987, o núcleo foi organizado para tratar da temática da questão racial, buscar a ampliação do espaço acadêmico e receber denúncias contra racismo. Hoje, além de ser centro de referência do tema negritude, organiza projetos educacionais e culturais, como cursinho pré-vestibular, aulas de capoeira, dança afro, teatro e hip-hop.

A polêmica Lei Áurea

Até hoje a Lei Áurea – que contém dois artigos (o primeiro: “Está extinta a escravidão no Brasil”; o segundo: “Revogam-se as disposições em contrário”) – gera discussões. Uma das críticas é que ela apenas eliminou a condição jurídica, mantendo a situação social do escravo.

A lei não incluiu projeto de reintegração dos ex-escravos à sociedade, nem deu apoio para que eles pudessem reestruturar suas famílias já na condição de homens livres e cidadãos plenos. Último local a manter esse tipo de mão-de-obra, ‘o Brasil não preparou a comunidade para a integração social dos libertos como ocorreu em outros países’, explica a historiadora do Museu Republicano, Anicleide Zequini.

Diferentemente dos Estados Unidos, onde houve guerra civil entre o norte liberal e o sul escravocrata, o processo que levou à abolição no Brasil foi gradativo e envolveu forças, até mesmo, internacionais. Em 1845, a Inglaterra decretou a lei Bill Aberdeen, que lhe concedia poderes para prender qualquer navio negreiro que encontrasse nos mares. Cinco anos depois, em 1850, foi assinada a lei Euzébio Queiroz determinando a extinção do tráfico de escravos para o Brasil.

Em 1871, veio o primeiro passo rumo à libertação dos escravos, com a Lei do Ventre Livre, que concedia liberdade aos nascidos após essa data. A lei era uma medida paliativa, porque as crianças tinham de ficar em poder dos senhores de sua mãe até os 21 anos.

Insatisfação e protestos

Mudanças sociais como a introdução do trabalho assalariado, as atividades industriais e o crescimento da população livre ( por volta de 1890 chegava a 522 mil só no Rio de Janeiro) e a urbanização, intensificaram o movimento abolicionista que estava mais concentrado nas cidades.

Com o engajamento de diversos escritores e da sociedade nas causas abolicionistas, os escravocratas foram perdendo força. O jornal O Abolicionista, de Joaquim Nabuco, e a Revista Ilustrada, de Ângelo Agostini, serviram de modelo a outras publicações antiescravistas, que tomaram a abolição como preocupação primária. Destaca-se também a participação de José do Patrocínio e André Rebouças no movimento abolicionista.

A insatisfação e a crescente intensidade dos protestos levaram à segunda lei, em 1885, a dos Sexagenários. Ela estabelecia liberdade aos escravos com mais de 60 anos. Uma lei quase inócua: em média, eles viviam 40 anos. Foi considerada como medida proteladora da solução para o problema porque era incompatível com o desenvolvimento do capitalismo e com a integração do Brasil ao mercado internacional. A Abolição definitiva da escravidão formal viria com a Lei Áurea.

Fugir e formar quilombo, as armas de luta para resistir à escravidão

Preservar hábitos, costumes, música, dança, culinária, língua, mitos, ritos e religião que negassem valores brancos e ressaltassem a cultura africana eram formas de revolta dos escravos. Serviam ainda como paliativo para suportar os constantes maus-tratos. Mas muitos não conseguiam sobreviver à crueldade desses atos por muito tempo. Outros morriam por causa do banzo, nome dado à tristeza – pela situação a que estavam submetidos – e à saudade da África, que os impedia de ter vontade de viver.

Como solução final, restava aos cativos as fugas ou rebeliões nas fazendas. Mesmo sabendo das conseqüências – açoite em troncos e tortura até a morte – elas foram se tornando constantes. Os conflitos entre populares e autoridades que tentavam impedir as fugas e rebeliões, acirraram-se. Prova disso é que em 1887, os militares pediram ao governo que os liberassem da tarefa de capitães-do-mato, que era perseguir, capturar e devolver os fugitivos aos seus donos.

Para tentar contrapor o jogo de vida e morte travado com as autoridades, eles começaram a escapar das senzalas em bandos para algum lugar previamente combinado. Nos locais onde se refugiavam, eles formaram comunidades secretas para resistir à escravidão: eram os quilombos. Assim surgiam vilas e acampamentos situados em regiões de difícil acesso, longe das fazendas de café e dos engenhos de cana-de-açúcar.

Zumbi de Palmares

Os habitantes que viviam nos quilombos eram chamados de quilombolas. Palavra que vem do tupi ‘canhambora’, e significa aquele que costuma fugir. Deixando para trás a vida das senzalas e palhoças (casas de palha), eles se organizavam para cuidar da terra, plantar e criar animais, e a comida era repartida entre todos.

Palmares, o quilombo mais importante, ficava entre Alagoas e Pernambuco. Chegou a abrigar 20 mil habitantes. Criado por volta de 1590, foi destruído em 1694 por tropas de Domingos Jorge Velho. Zumbi, seu principal líder, lutou até à morte para defender a comunidade e a liberdade dos negros. Traído por Antônio Soares, seu amigo de confiança, foi encontrado no esconderijo e morto em 1695.

Movimentos negros questionam celebração do dia 13 de maio

Movimentos negros organizados questionam a celebração do dia 13 de maio por associá-lo ao enaltecimento da figura da princesa Isabel e ao não reconhecimento das lutas travadas pelos escravos para obter a alforria. Para eles, a libertação não é fruto de concessão da filha do imperador, mas sim de conjuntura de fatores e da resistência empreendida pelos cativos.

Aos poucos, o aniversário da abolição é data que vem deixando de ser festejada e se tornando referência para debate, reflexão e denúncia. Com o surgimento dos movimentos negros, houve manifestações públicas, em algumas partes do país, de caráter cívico, protestando contra as festividades promovidas.

Duas outras datas passaram a concorrer com o 13 de maio. Uma delas, o 21 de março, escolhido pela ONU, como o Dia Internacional Para a Eliminação da Discriminação Racial. A outra, eleita pelo movimento negro organizado no País, o 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, em homenagem ao aniversário da morte de Zumbi dos Palmares.

O crescimento da importância dessa data decorre do questionamento quanto às reais mudanças ocorridas na situação do povo negro e seus descendentes no Brasil em relação ao usufruto pleno da cidadania. A mudança é tentativa de resgatar a história não oficial, marcada pela resistência à escravidão. É também a luta para se cultivar valores da cultura negra reprimidos em outras épocas.

Claudeci Martins – Da Agência Imprensa Oficial

(AM)