Especial do D.O.: Cubatão esquece traumas e torna-se exemplo de recuperação ambiental

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qui, 17/06/2004 - 10h25 | Do Portal do Governo

“O cheiro forte impregnava o ar pesado. A cidade ficava encoberta por uma névoa constante. Ao cair da noite tudo ficava cinzento. Era assim todos os dias no Vale da Morte. Até que às 23 horas do dia 23 de fevereiro de 1984, ouvimos um estrondo pavoroso. Imensas labaredas iluminaram a noite. O clarão lembrava uma visão do inferno de Dante. Parecia um bombardeio. As chamas destruíam o que encontravam pelo caminho. Fiquei com pavor de Cubatão”, descreve o morador da Vila Socó de Cubatão, Lourimar Vieira.

“Há dois anos venho pescar no rio Cubatão todos os dias. Costumo pegar bagres e tainhas para a mulher fazer na janta”, conta Luiz Menezes, que há 38 anos mora na cidade executando serviços de construção civil para as empresas da região. O motoboy Paulo Sérgio Santos diz que já fisgou robalos e peixes-espada. Afirma não ter receio de os peixes estarem contaminados e impróprios para consumo. Outro pescador, Edson Pereira da Silva, diz que já viu o guará-vermelho na beira do rio.

O depoimento da destruição de todos os barracos de madeira da Vila Socó retrata o ápice do processo de degradação ambiental sofrida por Cubatão. Já os relatos dos pescadores mostram a mudança desencadeada pelo Programa de Controle de Poluição Ambiental da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb): de cidade mais poluída do mundo passa a ser exemplo de recuperação do meio ambiente e com interesse em investir no turismo.

A melhor tecnologia – Um balanço dos quase 21 anos do programa de controle ambiental empreendido em conjunto com as indústrias e a comunidade foi feito pelo presidente da Cetesb, Rubens Lara, no 1º Seminário do Meio Ambiente Eco-Week, realizado em Cubatão. Sobre as novas condições da cidade, Lara destaca que houve avanços significativos.

“O balanço do maior programa de controle ambiental no Brasil é extremamente positivo: 97% das emissões das fontes primárias de poluentes estão controladas; os 3% restantes estão em fase de negociação de assinatura de Termo de Compromisso Ambiental (TAC); e a previsão é de que até 2008 todas as fontes estejam controladas”, afirmou Lara. Para ele, em questão ambiental, “não se recolhe a guarda” e que a Cetesb continuará no seu papel de fiscalizar e controlar todas as fontes de poluição. Informou que a instituição exigirá a melhor tecnologia possível para diminuir as emissões de poluentes. “Uma nova Cubatão não será mais possível; isso está sepultado”, garantiu.

Volta do guará-vermelho – Além da qualidade do ar, que desde 1994 não registra estados de alerta ou emergência por concentração elevada de poluentes, Lara cita outras conquistas como a volta do guará-vermelho ao mangue, o retorno dos peixes aos rios, e a densa arborização da cidade que substituíram o “ar cinzento, triste e sem expectativa”.

Um plano de reflorestamento das encostas desenvolvido pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Cetesb despoluiu os mananciais e as encostas da Serra do Mar. O repovoamento aéreo da vegetação da serra permitiu que as áreas degradadas tivessem recobertas de verde suas ‘chagas’ provocadas pela erosão causada pela chuva ácida.

O guará-vermelho, ave rara que havia desaparecido da região em conseqüência da poluição e que estava ameaçada de extinção, voltou a habitar os manguezais, a procriar e se tornou símbolo de despoluição de Cubatão. As tribos tupinambás e tupiniquins disputavam as valiosas penas do guará-vermelho para a confecção de adereços, de acordo com relatos do aventureiro alemão Hans Staden que foi aprisionado pelos índios tupinambás, em 1554.

Em levantamento realizado no início do programa, em julho de 1983, os técnicos da Cetesb identificaram 320 fontes de poluição do ar, água e solo de maior potencial poluidor, classificadas como fontes primárias, e fizeram um rígido cronograma de redução dos poluentes a ser seguido pelas indústrias. O poderoso parque fabril, formado por indústrias de ponta, entre as quais uma refinaria, uma siderúrgica, fábricas de produtos químicos e de fertilizantes lançavam na atmosfera, diariamente, quase mil toneladas de gases e partículas nocivas ao homem e ao meio ambiente.

Menos de dez anos depois, o programa obteve resultados que permitiram a cidade mundialmente conhecida como a mais poluída do planeta receber selo verde e ser considerada cidade-símbolo na defesa da ecologia e exemplo de recuperação ambiental pela Organização das Nações Unidas (ONU) durante a Eco-92.

O secretário do Meio Ambiente de Cubatão, o coronel Eduardo Silveira Belo, disse que o município tem grande potencial turístico e que está recuperada dos vários anos de convívio com a poluição industrial. “Vamos realizar passeios turísticos e ecológicos para mostrar a beleza da Serra do Mar, da Estrada Velha e dos mangues onde vivem os guarás-vermelhos. O que precisamos é mudar a imagem que as pessoas têm de Cubatão. Deixamos de ser uma cidade poluída e temos enorme potencial turístico e de educação ambiental.”

Barril de pólvora – Ficaram como marcos da história de Cubatão a retirada de 17 mil habitantes da Vila Parisi e a destruição do bairro Vila São José, chamado até hoje de Vila Socó pelos residentes (nome herdado de um pássaro branco nativo da região). A primeira, conhecida como Vale da Morte, estava encravada no coração do complexo petroquímico, onde deveria ser um bairro industrial. Por estar constantemente expostos a níveis críticos de poluição, os problemas de saúde eram constantes. Hoje, o local foi transformado em estacionamento de caminhões e a população vive no Jardim Nova República.

A outra, abrigava operários em meio aos dutos de combustível. Um vazamento de tubulação de gasolina da Petrobras provocou um incêndio que pôs fim à vila operária. O morador da Baixa Santista e gerente regional da Cetesb, Jorge Moya Diez viu o horror dos bombeiros ao resgatar os corpos que se amontoavam pelo chão da Vila Socó. “De tão queimados e retorcidos não ultrapassam um metro de comprimento, e os braços e pernas quebravam quando suspensos. Ficavam aqueles toquinhos. Um cenário apocalíptico.”

Dono de uma padaria no centro da cidade que dá visão para a Estrada Caminho do Mar e à Casa de Pedra, José Duarte, foi acordado pelo estrondo: “De repente, o céu ficou vermelho. Não teve uma pessoa em Cubatão que não acordasse. Todos ficaram com medo de o fogo se alastrar. Ninguém sabia até onde ele poderia chegar. A sensação é de que estávamos num barril de pólvora que lançaria tudo pelos ares.”

Há 22 anos trabalhando na padaria, Duarte diz que por muito tempo o pânico perseguiu os moradores. “O clima de tensão era permanente. Além de conviver com a poluição muito forte, quase sempre havia interdições da Cetesb nas indústrias o que deixava a população em constante estado de alerta. Ainda hoje, um estrondo qualquer ou cheiro de combustível faz a população ligar para os bombeiros, Cetesb ou prefeitura. Mas a cidade voltou ao normal. Estamos tranqüilos por saber que há um esquema superavançado de controle.”

Menos poluído que a capital – Foi esse medo que fez Vieira sair de seu barraco na Vila Socó ao ouvir a explosão, passar pela casa dos primos para acordá-los e fugir correndo, em desespero, para o centro. Ao conseguir uma carona para Santos, ficava a todo momento perguntando se já tinham deixado a cidade. Só conseguiu se acalmar quando lhe falaram que estavam chegando na praia. “O folclore que corria na época era que se pegasse fogo, Cubatão inteira iria explodir. Não sobraria nada.”

“Hoje digo que sou de Cubatão com muito orgulho. Voltei a morar no mesmo bairro só que agora num conjunto habitacional. Estou feliz por viver aqui. Temos cachoeiras e rios maravilhosos como o Pilões e o Perequê que podem atrair turistas. Há nascentes de água cristalina que abastecem a Baixada Santista. A qualidade do ar está melhor do que a da capital”, afirma Vieira.

Há 12 anos morando na Vila Socó, a dona-de-casa Célia Maria de Andrade lembra que limpava a casa de manhã e à tarde, e ainda assim não conseguia vencer a grossa camada de pó preto: “acabava de limpar e já ia ficando tudo sujo de novo. O pó se espalhava pela casa toda. Chão, móveis, paredes; nada escapava.” Seu marido, o operário Luiz Augusto de Andrade, diz que veio morar no bairro por necessidade: “Meu irmão não escapou do incêndio. Aqui era terrível. Mas agora está melhor. Não tem mais aquele ar cinza, pesado, o cheiro horrível, e a sujeira é bem menor. Isso é visível”.

Cubatão nasceu de erro histórico e estratégico

O gerente regional da da Cetesb na Baixada Santista, Jorge Moya Diez, recorda que na época da industrialização (década de 1950), as chaminés representavam progresso e não se cogitava sobre a questão ambiental. Ele credita o descontrole ambiental dos anos 70 e 80 à falta de estratégia, o escasso uso de tecnologias de controle, o desconhecimento dos danos à natureza e o pouco acesso da Cetesb (criada em 1976) ao local para fiscalizar, porque a região foi durante longo período área de segurança nacional.

“A instalação do pólo petroquímico num vale de 160 quilômetros quadrados, ao pé da Serra do Mar, foi um erro de planejamento estratégico. O paredão de 700 metros, o clima quente e úmido, o regime de ventos e a topografia da região (58% de morros e serras, 24% de mangues) impediam a dispersão de poluentes. A escolha obedeceu à logística da proximidade com o maior porto da América Latina (Santos), o mercado consumidor (capital), a ferrovia e a rodovia.”

Tragédia deixa cicatrizes – A aceitação do programa foi difícil e traumática, principalmente nas situações de emergência quando tinha de parar as indústrias, lembra Diez.

“Demorou para os empresários perceberem que é um bom negócio estar ao lado do meio ambiente. Houve mudança de comportamento em razão da consciência ambiental e, hoje, há maior interação entre a Cetesb e as empresas. E com ajuda de tecnologias não-poluentes e investimentos em meios de controle de fonte de poluição, a situação tende a melhorar cada vez mais”, avalia Diez.

Nesses quase 21 anos, as empresas investiram cerca de US$ 1 bilhão em programas de recuperação da fauna, flora, solo, ar e água. O relacionamento com a comunidade também foi intensificado. Desde 1999, representantes das indústrias se reúnem mensalmente com líderes comunitários e autoridades da região para tratar de temas relacionados ao meio ambiente, segurança, saúde e responsabilidade social.

“A tragédia ecológica deixou cicatrizes na natureza como a perda de boa parte do mangue. O processo de recuperação do ecossistema é lento e gradativo. Cubatão nunca terá a qualidade de ar que se respira em Campos do Jordão”, observa Lara. “Vão sobrar resíduos de poluição e nossa obrigação é reduzi-los ao máximo, além de permanecermos sempre atentos. Mas o ar da cidade está melhor do que o da capital. Em Cubatão não há tantos carros emitindo monóxido de carbono como em São Paulo”, completa Diez.

O fim das licenças definitivas

As empresas não receberão mais licença ambiental definitiva para operar, informa o presidente da Cetesb, Rubens Lara. Agora as indústrias terão autorizações temporárias para funcionamento, cujos prazos variam de dois a cinco anos dependendo do ramo de atividade, do potencial poluidor, da distância com a comunidade, da análise de riscos e de planos de contingência.

“A ação é em defesa do meio ambiente. Para conceder a licença vamos fazer uma série de exigências. A medida evita que as empresas interditadas adiem a solução do problema solicitando liminares à Justiça. Com o novo sistema, isso não será possível.”

Outras medidas de controle da poluição são a instalação de mais seis estações telemétricas no Estado até o final do ano (atualmente existem 32 unidades que medem a qualidade do ar) e de um sistema de monitoramento online no polo de Cubatão interligado à Cetesb da capital . “Com esse equipamento saberemos quanto a empresa está emitindo de poluente na atmosfera. Todas as grandes fontes serão monitoradas em tempo integral.”

O gerente Jorge Moya Diez compara o sistema de monitoramento on-line com um radar dentro do carro: “Saberemos exatamente os índices de poluição do ar e agiremos imediatamente. Até então, a Cetesb teve uma atuação mais corretiva que preventiva. Vamos inverter isso porque a prevenção é mais barata e eficaz”.

Por Claudeci Martins, da Agência Imprensa Oficial