Especial do D.O.: Crianças e adolescentes carentes aprendem balé, cidadania e disciplina

Ação do Projeto Joaninha rompe estereótipos, valoriza as diferenças e incute nos jovens respeito à diversidade

sex, 01/07/2005 - 11h45 | Do Portal do Governo

O protótipo físico normalmente exigido nas escolas de dança para quem pretende iniciar a carreira de balé é de adolescente esguio. A diversidade do perfil das crianças brasileiras (umas gordinhas, baixas, outras altas, porém, robustas) pode não ser a silhueta adequada para se tornar bailarino. A Companhia Ballet Stagiun rompe este estigma, valoriza diferentes biótipos das crianças e insere nas aulas noções de cidadania, respeito à diversidade e à disciplina. A experiência é vivida por garotos e garotas de sete a 16 anos, provenientes de escolas públicas da cidade de São Paulo, que participam do Projeto Joaninha. A proposta é que a dança não se torne atividade codificada, arcaica e cheia de regras, explica a diretora-artística da companhia, Marika Gidali: ‘Quando entrevistamos uma criança para ingressar no Joaninha, analisamos seu interesse e curiosidade, não o domínio da técnica’.

Tudo é inovação. Teatro, capoeira, maculelê, músicas, danças circulares (de roda), de rua e outras atividades livres integram a programação das aulas de balé. O intuito é sensibilizar para a arte. Daniele Guimarães de Oliveira, 16 anos, integrou-se no projeto em agosto de 2000. Na época, sua professora de educação física a indicou para fazer o teste porque sabia que a menina adorava dançar.

Hoje, tem aulas às terças e quintas-feiras, das 14h30 às 19h30; às sextas, das 15 horas às 16h30; e aos sábados, das 9 às 12 horas. É uma correria: Daniele enfrenta quase duas horas de trânsito para chegar pontualmente na companhia. Sai da EE Irene de Lima Paiva, na Vila Formosa, zona leste da cidade, às 12h30 e vai direto para o Ballet Stagiun, na Rua Augusta, 2.985 – 2º andar – Cerqueira César. Após dois anos de muito esforço, começou a dominar algumas técnicas de balé clássico e contemporâneo. Agora, participa do grupo juvenil do Joaninha, composto pelos mais experientes e conhecedores do repertório formado por diferentes estilos de coreografias. Além do domínio da técnica, a menina relata que aprendeu a importância da disciplina e do respeito aos professores: ‘Estou mais solta e deixo a inibição de lado. Agora, tenho mais facilidade para apresentar trabalhos em sala de aula e dançar em público’.

Inscrições abertas – O Projeto Joaninha foi fundado em 2000 com a admissão de 70 crianças de sete a 16 anos, de escolas públicas das periferias de São Paulo. Ano passado, o número de integrantes saltou para 123. Atualmente, há 130 jovens matriculados. As inscrições estão abertas para a admissão de mais 20 meninos de sete a dez anos. Em janeiro, haverá vagas para meninas.

Presença dos pais –Formando cidadãos – A admissão da garotada no balé do Joaninha depende de análise socioeconômica. A prioridade são crianças de precárias condições financeiras. ‘Isso não quer dizer que se aparecer um menino de família bem-estruturada financeiramente não terá chance’, frisa. Além da formação teórica e prática, os participantes recebem lanche e uniformes. Dependendo do caso, ganham vale-transporte. O projeto conta com o patrocínio da Petrobras, da Fundação Camargo Corrêa e apoio da Secretaria da Educação. Outra meta do Joaninha é formar cidadãos conscientes, profissionais, multiplicadores e gerar empregos.
‘O grande objetivo dos pequenos do projeto (crianças com cerca de sete anos) é integrar o grupo juvenil. Estes almejam chegar à Companhia Ballet Stagiun’, afirma Marika. Para isso, devem suar o colante e ensaiar duro. Após cinco anos de participação no projeto, quando os maiores completam em média 16 anos, Marika garante oportunidade àqueles que demonstram interesse em seguir carreira na companhia e podem tornar-se bolsistas. Com isso, é grande a possibilidade de sucesso profissional, não só como bailarino, mas também como contra-regra, cenógrafo, figurinista, professor de dança, entre outras funções.
Conta com satisfação que seis alunos (cinco meninas e um menino) do juvenil atuam como assistentes de aula. Outro garoto aprende o trabalho de técnico de contra-regra. Trabalham na academia e no próprio Projeto Joaninha: auxiliam nos ensaios dos pequenos, pois dominam as coreografias e exercícios de alongamento. Como recompensa, recebem salário simbólico. A garotada se dedica mesmo!

Serviço – Pais de garotos de sete a dez anos, interessados em participar do Projeto Joaninha e matriculados em escolas da rede pública devem agendar entrevista pelos telefones (11) 3062-3451 ou 3085-0151. É imprescindível a presença de familiares ou responsáveis pelo menor durante o teste

Joaninha apresenta espetáculos no Programa Escola da Família

A equipe de profissionais do Projeto Joaninha criou diversos espetáculos. Dentre os trabalhos artísticos, Danças da Ilha de Santa Cruz e Atravessando a Floresta são destinados às crianças de 7 a 12 anos. O primeiro retrata a história do Brasil e o Estatuto da Criança e do Adolescente abordado na obra poética Estatutos da Criança, do escritor roraimense Eliakin Rufino. O outro relata ecologia, consumidor consciente e o poema Perigo, também de Rufino. Todos esses assuntos são debatidos e analisados com os alunos na aula teórica.

Desde o ano passado, o Joaninha tornou-se parceiro do Programa Escola da Família, iniciativa da Secretaria da Educação, que possibilita a abertura das escolas da rede estadual aos finais de semana para oferecer atividades culturais e artísticas aos estudantes e à comunidade. Em 2004, foram exibidos 18 espetáculos em estabelecimentos de ensino para um público estimado de 3 mil alunos.

Nesse final de semana, o grupo juvenil (formado por 19 integrantes a partir de 14 anos) apresentou seus dois primeiros espetáculos: Batucada Fantástica e Cantares do Império em escolas estaduais do litoral paulista. Marika informa que a meta é oferecer 40 apresentações no Escola da Família até o final do ano. Além disso, o Joaninha regularmente mostra seu trabalho em espaços culturais: Sesc, teatros e palcos de universidades.

Há 34 anos Ballet Stagium ensina e emociona

Em 1971, enquanto a arte brasileira (representada pelo teatro, cinema e música popular) era amordaçada pela censura da ditadura militar, o Ballet Stagium dava seus primeiros passos. Recusou o colonialismo e a alienação e decidiu seu destino: percorrer um caminho diferente no Brasil, ao criar vertentes universais da dança e aspectos tipicamente nacionais. A inovação conquistou vasto público em todo o País. Os diretores-artísticos Marika Gidali e Décio Otero produziram coreografias inovadoras, apresentadas em pátios de escolas das periferias dos grandes centros, favelas, igrejas, praias, hospitais, estações de Metrô, palco flutuante armado no Lago do Ibirapuera, presídios e em unidades da Febem. Um dos destaques foram exibições durante 15 dias no Rio São Francisco, no convés da barca Juarêz Távora.

Desde 1974, os dois trabalham num grande estúdio situado na Rua Augusta, em São Paulo, e pesquisam várias linguagens de dança. Milton Nascimento, Egberto Gismonti, André Abujamra e Marcelo Petraglia criaram partituras originais para a companhia. O Ballet Stagium foi a primeira companhia nacional a utilizar trilhas sonoras da MPB, com canções de Pixinguinha, Waldir Azevedo, Geraldo Vandré, Chico Buarque de Holanda, Lamartine Babo, Ari Barroso, Cartola e demais compositores. Nesses quase 34 anos de trabalho, a academia mostra e ensina as emoções de sua arte a centenas de jovens e adolescentes.

Além do Joaninha, a companhia desenvolve outras ações sociais: Ballet Stagiun Vai a Escola com a apresentação do espetáculo Coisas do Brasil e Professor Criativo, dirigido a educadores do ensino fundamental e médio. No curso de três semanas, os profissionais do Stagiun oferecem sugestões e subsídios para a prática pedagógica criativa com a utilização de elementos de expressão artística e corporal.

Viviane Gomes
Da Agência Imprensa Oficial